Metas existem aos montes. Tarantino pratica um metacinema com referências saltando pela trilha sonora, pelo roteiro, pelos figurinos de seus personagens e até pelos seus nomes; Enrique Vila-Matas pratica a tal metaliteratura em seus personagens com nomes de escritores e pessoas da vida real, referências sobre casos da literatura (incluindo aí uma mistura do que é real e o que é ficção), títulos, frases e muito mais. Sem grande apuro, conhecimento e talento esses exercícios metalinguísticos podem figurar um suicídio artístico. O metacinema de Tarantino deu certo e ele encontrou muitos seguidores, para não chamá-los descaradamente de imitadores – é bem difícil criar coerência entre referências, cá entre nós. Na metaliteratura o campo é mais amplo, temos, além de Vila-Matas, Roberto Bolaño, por exemplo. O escritor chileno conseguiu criar, nos últimos tempos, uma nuvem obscura acima de jovens escritores que o admiram.Uma sombra toma conta do novo escritor. Ele, fã confesso de Roberto Bolaño, mantém uma foto do autor em sua mesa de trabalho. Seus livros e ensaios trazem homenagens e referências a esse autor. Essa é uma história mais do que verdadeira e não é somente Bolaño que surge como um vulto durante as horas a fio em meio ao teclado, as releituras, as revisões e a famosa lixeira – virtual ou física. O diferencial desse escritor é que ele não quer superar o autor chileno, que se tornou mania no meio ocidental, ele quer tão somente esquecer esse ser inspirador e andar pelas próprias letras – sem ter que dar satisfações.

O estado de viver com uma sombra, nuvem, fantasma, como queira chamar, sobre o próprio trabalho não é uma doença e pode ser eliminada com a persistência. Todavia, quando o assunto é escrever não podemos nos fixar apenas nos zombeteiros, existem síndromes e doenças que contaminam autores e, pasmem, leitores.

A condição (terminal) de Lispector, por exemplo, é quando o indivíduo tem uma necessidade patológica de citar passagens, frases e excertos dessa escritora brasileira, sendo verdadeiros ou não. Como é uma condição que se propaga ao longo das sinapses de compartilhamento virtuo-existencial, o infectado não confere a autenticidade e crê ser uma verdade absoluta em inspiração e profundidade. A síndrome também ataca os que necessitam Caio Fernando Abreu, mas em menor escala (não existem casos comprovados de escritores com essa enfermidade).

Em algumas conversas percebi o quanto os fãs de poesia odeiam quem se arrisca a fazer poesia. A explicação é até simples: não é porque os versos rimam que é poesia. Por isso talvez seja uma área de estudos de síndromes um pouco mais complicada. As rimas fáceis e de um realismo-fantástico recebeu o título de Síndrome de Scandurra-Gessinger. A doença de Byron serve para os taciturnos e pretensos novos poetas; outros tão pomposos quanto mas mais alegres, joviais e cheios de trocadilhos adquirem o Haiku’s condition, como chamam em inglês, e batizada no Brasil como Mal de Leminski. Para os afoitos citadores em doses, há uma gripe que se alastrou nos últimos 6 anos: a H-Carpinejar-1. Rápida como um espirro, essa doença toma conta de pessoas que emitem frases curtas e inspiradoras (por vezes consideradas poéticas também) transmitidas via Twitter. 

Primeiro caso conhecido da Síndrome Tolstói

A síndrome mais forte que pode assolar um jovem escritor é a de Tolstói. Ele simplesmente precisa superar alguém. No caso, Liev Tolstói quis parte da sua vida superar Shakespeare: “Minha vida inteira lutei para ser melhor que Shakespeare e sou. E agora?”. O escritor russo desprezava o bardo mais do que formiga odeia bota, não o considerava um artista e escreveu um ensaio sobre Rei Lear – apontando diversos defeitos, um deles citando a falta de naturalidade na fala dos personagens. O autor de Guerra e Paz e Anna Karenina acreditava que a literatura era uma ferramenta útil para sociedade e, segundo afirmava, o jovem Billy nada fazia de útil. E muitos pensam que realmente a literatura deve ensinar, não faltam detratores para apontar os dedos nos livros de Dan Brown. Há os corajosos, ou polêmicos, como Paulo Coelho que, ao contrair a Síndrome Tolstói, falou que Ulysses cabe em um tuíte. Nem todos conseguem escrever com qualidade e quantidade como o autor russo para ter tanta influência para falar mal de um antecessor ou contemporâneo, mas críticos existem por todos os lados, certo?

Muitos conseguiram se curar de várias síndromes, o próprio Tarantino contraiu uma antiga doença – daquelas mutantes que nem sempre são classificadas -, criou anticorpos e nos tempos atuais espalha sua própria doença. Das sombras às síndromes, não importa, os expoentes, jovens ou pretensos escritores podem encontrar uma cura e, no pior dos casos, um exorcista para liquidar os fantasmas. Já os fãs, ninguém conseguiu achar cura para eles, principalmente os que chegaram ao estágio terminal de “gosto é gosto”.