Para esta estreia da minha coluna, “Um dado de lances” (nome improvisado, deu para notar), queria contar que anos atrás, quando ainda estava na graduação em Letras, pesquisei por um tempo sobre crônicas de viagem de Mario de Andrade e Manuel Bandeira. Pode se imaginar que isso me deixou muito animado para escrever textos próprios sobre viagens. A ideia parece ser ótima, mas há só um problema: eu não viajo muito, e quando o faço é sempre para o mesmo lugar: São Paulo. A questão é que, quando viajo, gosto de usufruir disso de uma maneira diferente dos outros, querendo talvez seguir a experiência quase antropológica de Mario de Andrade na primeira metade do século XX, quando conheceu a Amazônia e o Nordeste brasileiro.Neste último feriado, aventurei-me mais uma vez em São Paulo. Fiz isso várias vezes, então a cidade não é mais a mesma novidade do primeiro dia que pisei por lá, ainda que não deixe de ser sempre uma surpresa. Apesar disso, minhas idas para lá ou para qualquer lugar nunca são turísticas por si só. Viagem por turismo, como numa excursão, parece leitura de resumo de livro: você só tem ali as informações do enredo do livro, ou seja, é uma chatice. Ler o resumo nunca é a mesma coisa que ler uma obra do começo ao fim. Na leitura de um romance como Ulysses você conseguirá fruir de elementos mil que nos proporcionam o prazer de fazê-la, elementos esses que você, leitor, e que todos os teóricos literários do mundo tentam descrever até hoje. O resumo é só um texto informativo, com cara de dicionário, que não tem nada de literário e apenas fornece os dados que seu autor julga pertinentes para se compreender o enredo (e somente isso) da obra. Uma excursão turística, também liderada por um guia, não passa de um resumo besta de uma cidade.

A cada vez que vou para São Paulo leio um novo livro dessa cidade. É sempre uma nova leitura, apesar de o lugar continuar praticamente o mesmo. Trata-se da mesma experiência típica de se ler Dom Casmurro quando adolescente e reler outras vezes após vários intervalos de tempo. Certos livros parecem nos dar nuanças completamente diferentes a cada vez que os abrimos. Certas cidades parecem ser assim também. São Paulo, no meu caso, é assim.

Sempre que vou para essa cidade, imagino escrever um livro com crônicas de viagem como O turista aprendiz, de Mario de Andrade. A cada dia de sua incursão de ida e volta da capital paulistana até rios escondidos na Amazônia, o escritor fazia suas anotações para elaborar as crônicas depois. Seu ideal era criar um “livro modernista” em uma forma inovadora, que interagisse ficção e autobiografia e também descrevesse antropologicamente esse lado pouco conhecido do país na época.

É inusitada essa ideia de se fazer ciência (Antropologia) por crônicas, mas não deixa de ser interessante, especialmente se lembrarmos que esses textos de O turista aprendiz foram inicialmente publicados em jornais de São Paulo, veículos que promovem a “verdade” e a informação. Mario, como bom modernista que era, queria brincar um pouco com o imaginário do público leitor a ponto de enganá-lo sobre o caráter de seus relatos. Sempre que alguém escreve literatura, tenta de certo modo compreender a realidade a sua volta, assim como um cientista, portanto ele não deixava de ter sua razão ao aproximar arte e ciência em seus textos.

Apesar de já ter se passado alguns anos desses meus questionamentos sobre O turista aprendiz, ainda penso no que é a viagem e em como descrevê-la. Todas as vezes que fui para São Paulo, meu exemplo aqui, penso em um ideal de livro diferente. Levar fotos de amigos que encontro lá ou de lugares pelos quais passei parecem ser insuficientes para suprir minha necessidade de escrever sobre essas experiências. Quero tentar entender melhor o que vivi e suscitar a mesma sensação nos outros, não apenas descrevê-la egoisticamente. A experiência da viagem é sempre uma vivência sentimental, uma viagem dentro da minha cabeça, uma good trip. Provavelmente se você viajasse nas mesmas circunstâncias que viajei não viveria o que vivi e, acima de tudo, não pensaria o que pensei. Mario de Andrade, em seu ideal de “livro modernista”, parece demonstrar bem que uma viagem sempre pede um livro distinto para si, um livro completamente novo e único.