Ao me perguntarem “Onde você se vê daqui a cinco anos?”, em uma dessas entrevistas de RH, nem mencionei o livro que estava lendo na recepção antes de entrar. Meus livros favoritos eram O Apanhador no Campo de Centeio, O guia do mochileiro das galáxias, Simulacros e Simulação e Grande Sertão: Veredas, e eu era um estudante de comunicação com muitas ambições no primeiro ano de faculdade, que passou a ficar sem opções à época da formatura. Eu amava sobretudo o cinema, Godard, Tarantino, Scorsese, Sganzerla e Hitchcock (ainda admiro muito a obra de cada um deles). Mas há cinco anos eu não imaginaria participar de um site sobre literatura.
O Meia Palavra, como sua própria descrição diz, começou às avessas e não era nem um rascunho de site de literatura. Era um fórum de discussões onde calhou, na mesma época, de terem pessoas tão apaixonadas para comprarem a ideia de escrever sobre suas leituras mais recentes e favoritas sem compromisso algum. Ok, não digo que chegamos aqui com um mínimo esforço ou golpe de sorte, a batalha foi árdua, as pessoas do começo se foram, outras chegaram e aqui estamos.
Fui questionado duas vezes com essa pergunta padrão e insincera de psicólogos de RH, e em ambas as ocasiões, dei uma resposta evasiva tal qual um aluno que tem aulas de filosofia no colégio e responde uma questão sobre Platão apenas enchendo linguiça. Nos dias de hoje, a minha resposta seria equivalente a “Não se preocupe, eu tenho um plano”.
Contudo, houve uma terceira vez, que na verdade foi a primeira, foi como se me jogassem contra a parede querendo saber sobre esses meus próximos cincos anos. Eu estava no McDonald’s com uma amiga, numa tarde quente no ABC Paulista – mais precisamente na letra A. Ela estava com uma TPM brava, de cara emburrada, uma calça xadrez e com certeza não queria ser o centro da conversa quando me perguntou o que eu faria depois da minha formatura. “Ou melhor…”, ela se antecipou, “… como você gostaria que fosse daqui cinco anos?”. Matutei de dez a quinze segundos que foram suficientes para eu rever a minha decisão de fazer Rádio e TV, dos amigos que fiz, dos empregos furados que tive e como todo mundo que eu conhecia reclamava da área. “Não sei, acho que gostaria de trabalhar como diretor de atores ou, quem sabe, finalmente ser um crítico de cinema…”, a resposta era sincera, “… namorar, estar fora de casa, sei lá.”, e bem inocente, típica daquela lacuna em que vivemos entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta, nem entre uma nem entre outra, bem no meio, na travessia.
De lá pra cá passei por vários estágios da minha profissão de carteira de trabalho: produtor, roteirista, assistente de diretor e até diretor de fotografia – sem contar os bicos como jornalista e redator publicitário (duas coisas que há cinco anos seriam pecado na minha bíblia). Arrisquei fazer blogs de críticas de cinema, todos fadados ao fracasso por pura procrastinação do autor. Mas em nenhum momento pensei que escrever, sem ser roteirista, seria sobre a escrita dos outros, livros, biografias e entrevistas – também não imaginei que veria salgadinhos sabor frango a passarinho ou que faria um curso de cinema em NY. É impressionante como eu encarava a literatura como minha amante – meu amor verdadeiro era o cinema – e, hoje em dia, estou no maior ritmo Big Love com elas. Creio que grande parte do meu tempo é dedicado ao Meia Palavra, mesmo que mentalmente formulando ideias e planejando sobre ele. Como cito em outras colunas, grandes amizades apareceram graças a esse espaço. Pessoas com quem encontro e discuto a utilização de “Todavia”, “Conquanto”, fofocas do mundo literário, traduções e, de vez em quando, sobre amores e futebol.
Hoje, pessoas que me conhecem através daqui me perguntam se sou formado em Letras ou Jornalismo – quem diria! Não creio ter feito uma má escolha, cinco anos depois continuo na labuta da área de que todos reclamavam, e ainda não cansei, – algumas vezes fiquei de saco cheio, mas muitas coisas nos enchem o saco na vida. Nenhum plano de cinco, dez ou quinze anos seria tão preciso quanto o alívio que floresce quando se lê e escreve para o Meia Palavra. As ambições mudam a cada dia e os chamados planos também. Em cinco anos talvez eu nem lembre como eu era nos cinco anteriores. Mas quem sabe ainda estarei por aqui escrevendo ou apenas lendo… talvez uma resenha sobre um livro meu?
Né? Imagina o senhor irritado porque o guri não entendeu a proposta do romance ou da coletânea de contos/poemas/ensaios/memórias/crônicas/declarações de amor (sim, queria citar Marisa)? E daí indo lá no twitter falar “Ai, aquele [insira aqui o apelido do hipotético membro da equipe] não entende nada mesmo. @Anica, quando é que VOCÊ vai resenhar meu livro?” lol
Toda a sorte do mundo pra você, meu caro. =)
Eta, quanto veneno, Tuca.
Era pra ser engraçado. Comparando com aquele evento no twitter. Tipo “ele já grande escritor e dando uma de diva” etc.
Tenho que admitir que não sou bom piadista, sorry. =(
Foi o que eu pensei. Encontrei um paralelo entre meu eu-escritor-futuro e um escritor do presente que é “sósia” de um contemporâneo.
“Sósia.”
Morri aqui.
Eu achei engraçado. Mas foi venenoso…
Again, não foi a intenção. =(
Ontem eu estava (e hoje ainda estou, btw) meio gripado e meio com muito sono. Na minha cabeça isso tava perfeitamente humorístico, mas, devido às minhas CTP de então (e as atuais, que, espero, não sejam minhas CNTP), eu deveria ter desconfiado de que algo estava errado. =/
tivesse evitado o “@Anica, quando é que VOCÊ vai resenhar meu livro?” talvez tivesse alguma graça.
O lance do @Anica era (1) identificar claramente que era um tweet e (2) colocar o nome de alguém mais antigo na equipe pra simbolizar “alguém que saiba o que está fazendo”. E só. Poderia ser @lucianorm. Ou @Taize. Ou @9i9io (lembrando que é daqui a 5 anos).
Que texto bonito, Pips! =)
Raq! Que saudade dos seus comentários na minha coluna. Se você tivesse um gravatar ruivo seria incrível e sensacional.
Me disseram uma vez que as pessoas que têm planos certos para dali a alguns anos costumam ser mais bem sucedidas na vida. Talvez seja esse então o truque das psicólogas de RH: não importa o que você diga, só importa que você tenha um plano.
Mas na verdade a última vez que me fizeram essa pergunta foi em um teste de nível de francês (o truque aqui era o uso do futuro e do condicional) e foi quando percebi que hoje não tenho a mínima ideia de onde quero parar. Sei lá, antigamente os objetivos pareciam mais claros (e.g. dominar o mundo).
Parabéns por mais esta coluna, Pips, está cada vez mais afiado. ^_^
Esse negócio de ter plano não é que nem usar O Segredo? Se você acreditar vai atrair para você? Porque um plano, mesmo que só seu, se estiver no plano terreno depende de terceiros. Ok, divaguei, mas porque nunca imaginaria que o RH só quer saber se você tem um plano.
Quanto mais velho você fica: sonhos menos complexo e mais diretos, e mais medo você tem de fazer as coisas (tanto em questão de alimentar o futuro quanto de saltar de paraquedas))
E obrigado pelo comentário, é outro que sempre é gratificante quando passa por aqui =)
Meus planos de 5 anos atrás não deram certo. O que fiz logo depois também não deu certo. E agora não quero nem pensar no plano dos próximos 5 anos por medo de ele também não dar certo xD
Mas igual falei desse plano pro RH duas vezes esse ano (que é não permanecer na firma por muito tempo LOL), e vi que é bem isso: mesmo não querendo fazer carreira lá, só o fato de querer chegar a algum lugar já é positivo.
Pensei agora que a única coisa que realmente se concretizou foi a que quis fazer há mais de 5 anos. Sair de casa. Esse deu certo, pelo menos. Agora, a pequena Taize recém chegada no RS (engraçado, fazem exatos 5 anos que moro aqui), ficaria chocada em saber que nada daquilo que imaginou no primeiro dia de gaúcha aconteceu (casar, ser jornalista, etc. etc.). Mas também não sabia que escreveria pra um blog bacanudo como o Meia Palavra, se envolveria tanto com literatura que antes era também só um passatempo, e acho que isso ela curtiria bastante. =)
Pronto, Felippe, tua coluna vai virar espaço pra análise agora. =P
Outro problema que sempre vejo em fazer planos é a carga de expectativas que colocamos neles. Nos esforçamos, fazemos tudo como parece ser certo e, no final, acaba dando errado por alguma coisa no caminho. Claro que isso não é uma máxima, muitos planos dão certo sim. Só que devemos enxergar que podem dar errado e quando não enxergamos acabamos mais frustrados por ter fracassado.
Nha, expectativa mais ou menos elevada não faz tanta diferença quando vem a senhora realidade e caga com tudo =P E olha que sou das mais pessimistas pras coisas. Tudo pra mim tende a dar errado.
Raq, são seus belos olhos <3
<3 izzoca linda!
De fato, jamais imaginaria minha vida a longo prazo, nem mesmo em 2-3 anos!! É por isso que nunca faço planos!! Nunca fui muito imaginativa, não com o pé no chão, pelo menos. Prefiro ir tropeçando nas surpresas boas e levantando dos tombos, deixando o curso ter seu rumo. E, ás vezes, não é que coisas boas caem de paraquedas?? 😉
E as ambições? Onde ficam?! Plano também não é uma ambição? 😉
Ambições tenho muitas (algumas apenas alcançáveis pela imaginação) e planos (in)falíveis para elas também. Mas não me apego ferrenhamente, pois nunca se sabe o que pode acontecer, as ideias e vontades mudam, oportunidades surgem e caminhos entortam: hoje, tenho ao menos 4 planos ambiciosos para os meus próximos 3 anos, e se um quinto surgir pelo meio, bem, porque não?
Sempre que eu penso nessa pergunta eu quero responder: “não estar endoidecidamente entediada”. Se eu de fato fizesse um plano que sobrevivesse por 5 anos, eu estaria completamente entediada. Eu invejo essas pessoas que fazem o plano, seguem o plano, e ainda gostam disso. Mas pra mim é a idéia mais entediante que eu consigo pensar. Eu posso contar o plano que eu tenho hoje, mas eu já tive no mínimo umas 50 respostas diferentes pra essa pergunta e nem 25 anos eu tenho. E é isso. Eu me joguei de cabeça e com um amor louco em várias das minhas grandes idéias e planos. E felizmente, mudaram. O processo é melhor que o resultado. Eu amo mais a sensação de querer chegar em algum lugar do que de fato estar lá. Mas acho que o RH não ia agarrar a idéia né?
Gabi, tudo bom?
Seja convincente que eles compram sim. Gostam de pessoas que acreditam em si mesmas – menos, é claro, quando a pessoa acredita ser Napoleão.
que texto lindo 🙂
estas colunas ( e principalmente os e as colunistas), estão cada vez melhores em lucidez e beleza, o lado ruim é que eu em geral acabo de ler o texto e depois de uma hora ainda estou sem palavras …
enfim parabéns felippe ^^
quanto a planejamento eu semre planejo, mas estou mais expert em atropelar planos em metas que cumprir eles rsrrsrsrs a exceção do que planejo e cumpro são só os livros do que pretendo ler
Oi GIlberto, muito obrigado pelos elogios a nossa equipe.
Eu não gosto de fazer metas, elas sempre me deixam pra trás.