O termo Happenstance significa uma mudança circunstancial quase que totalmente randômica e acidental, e pode ser aplicado nos acontecimentos daqueles dois anos que trabalhei na MTV.

No mês de agosto de 2009, passei por uma cirurgia de apendicite, exatos dois meses após meu pai retirar o dele. Após a minha alta, meu pai resolveu mudar de casa e me deixar na casa da minha avó para recuperação. Na casa da minha avó, recebi uma ligação. Era da MTV. Eles precisavam de um produtor para o programa 15 Minutos, apresentado por Marcelo Adnet. Mesmo com os pontos recentes e dependendo de carona, fui até a entrevista – a última pergunta era para saber meu conhecimento sobre música, “Qual o nome do baterista do Mötley Crue?”. No final da semana recebi uma ligação. Consegui o emprego e teria de começar em uma semana – minha recuperação total ainda tinha validade de mais duas semanas. Nunca mais falei de Mötley Crue.

A minha equipe era reduzida: Fábio Arantes, diretor da atração; eu, o produtor; e Rafael Blecher o roteirista. Ou seja, todos acumulávamos funções. Uma das minhas funções era a de decupar – ato de dividir um roteiro por sequências ou anotar o tempo de entrada e saída de um vídeo – as fitas do programa. A sala de decupagem ficava no quarto andar e todas as sextas-feira me dirigia para lá, carregando uma fita com todos os programas da próxima semana.  Naquela sala estavam sempre estagiários com pilhas e mais pilhas de Betas com videoclipes e os programas que produziam. Entre essas pessoas havia uma garota com olhos amendoados de íris castanho claro, maçãs do rosto saltadas, um piercing no nariz e um amontoado de fitas com realities shows da MTV americana. Toda vez que nos cruzávamos, ela me lançava um sorriso, mas não dizia oi. Eu agradecia com outro sorriso. Também a encontrei no metrô Sumaré algumas vezes. Não sabia seu nome, nem o andar que trabalhava. Ela nunca estava nos Happy Hours e muito menos nas festas.

Os meses passaram. Eu continuava no mesmo programa – aliás, era o único remanescente da staff antiga. Uma nova programação estava por vir e todos os produtores, diretores e VJ’s se reuniram numa festa na Neu – casa noturna de São Paulo, localizada no bairro de Perdizes – para celebrar a nova etapa. Então finalmente a vi, numa roda de conhecidos – agora eu tinha conhecidos -, e me apresentei, “Ingrid”, ela se apresentou. Dali para frente conversávamos de vez em quando no MSN e eu, sempre que achava pertinente, mandava links do Meia Palavra. Ingrid adorava os sites que eu escrevia, tanto Meia quanto Vida Ordinária, e falava da pontinha de inveja que sentia. Visitei seu blog pessoal – e adorei aquele humor duvidoso – e notei uma similaridade entre nossos gostos profissionais: ser roteirista. Na época, eu estava lendo O Complexo de Portnoy, de Philip Roth, por causa de outra amiga recém-descoberta na MTV, Thais Cortez, mas não avançava na leitura. Comentei isso com Ingrid e passei o livro para ela, que resenhou de bom agrado. Em menos de duas semanas, quase um ano depois de eu estar na MTV, logo após fecharmos uma parceria com a Companhia das Letras, e de sua resenha de estreia figurar por aqui (coincidentemente da Companhia), ela entrou para a equipe e nunca mais saiu.

Nem bandas de hard rock, nem apêndices mal criados e tampouco Philip Roth. Tudo tem a ver e também nada. Ingrid é um fruto desses Happenstance (como muitos que acontecem diariamente), uma coletânea de acidentes do acaso que chamamos de coincidência e destino – ou “O destino é uma invenção útil dos homens”, como diria Bioy Casares. Não somos daqueles que ficam de confissão ou criando piadas internas. Trabalhamos em mais duas empresas juntos após sairmos da MTV. E nossa parceria foi para além daqui, gerando colaborações um tanto quanto inusitadas, afinal poucos entendem o tal humor duvidoso.