Grande parte das minhas escolhas de leitura foram despertadas pelo título do livro, tanto pela associação livre de ideias ou lembranças – alguém me recomendou ou citou – quanto pela catching phrase, como O paraíso é bem bacana. Contudo, nos últimos (dois) anos, eu tenho me afundado – e afogado – em autores, mais do que em títulos bacanas. Nunca fui um exímio estudioso de literatura, daqueles que sabem a classificação, “Isso é pós-moderno”, “Hipermoderno com pitadas de romantismo” ou escola literária e toda a árvore genealógica de um gênero. Nunca fui assim, mas quando um autor começa a mexer comigo por suas histórias e personagens ímpares, eu – tal qual um viciado com recaídas de tempos em tempos – procuro tudo que já foi publicado desse bastardo tão sedutor em palavras. De cabeça, lembro de Guimarães Rosa, Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares, Amós Oz, Haruki Murakami, etc. Vícios leves e ponderados, como o de tomar café, sem grande alarde ou consumismo desenfreado. Mas também como um viciado, eu não paro de falar que meu entorpecente é demais e as viagens são as melhores.

Tive minha fase bolañomania pouco antes de 2666 ser lançado, e comecei a devorar um por um dos seus livros publicados no Brasil. De janeiro a março de 2010, eu li Estrela Distante, Os detetives selvagens – que mais tarde entraria na minha lista de favorito de todos os tempos – e Noturno do Chile. Dei uma respirada para conferir o que havia no mundo além de Bolaño, mas não o deixei sair de vista e ao longo daquele mesmo ano e em 2011, O Terceiro Reich, Chamadas Telefônicas, 2666, El gaucho Insufrible e Monsieur Pain foram injetados. Para minha sorte, Roberto Bolaño ficou fácil no mercado. Mais fácil que comprar pão. Consegui me afastar dessa obsessão em um momento de lucidez e me dedicar a outras leituras, sem pressa ou sentimento de abstinência. Mas um dependente químico de literatura está sempre enganado quando pensa estar limpo.

No final de 2010, entre uma dose de Bolaño e outra, eu passava as minhas noites caçando filmes de diretores que deixei de lado por tempos imemoráveis. As primeiras quartas-feiras do mês tinham a Sessão do Comodoro, promovida pelo excelentíssimo Carlos Reichenbach, o Carlão, com raridades escavadas por ele e pelo seu comparsa Leopoldo Tauffenbach, para deleite dos cinéfilos de São Paulo. Parei na porta do CineSesc certa vez e comecei a jogar conversa fora com Carlão, quando entramos no assunto Jesús Franco e seus 187 longas-metragens registrados no IMDB. Era difícil seguir uma pista do ex-assistente de Orson Welles, pois ele usava diversos codinomes. Após uma garimpada entre Vampyros Lesbos e Kiss Me, Monster, encontrei Count Dracula – sim com Christopher Lee – e quem havia traduzido o roteiro para o Tio Jesús? Javier Marías! O nome do madrileno havia saltado aos meus olhos tempos antes, mas eu o havia ignorado – Roberto Bolaño era mais importante! -, e pagaria por esse pecado.

Quando encomendei Coração tão branco, livro que deixou críticos e público aos pés de Marías, eu estava desempregado e o li em um dia. Sim, um dia. E consegui reler no outro dia. Cada passagem era incrível, era uma viagem quase sem volta. Era uma fome insaciável. Pedi mais dois exemplares, um de contos e um de novela, e quando terminei os dois, estava extasiado e quase em overdose, era muito Javier Marías para um curto espaço de tempo, era praticamente uma speedyball. Um acelerador de batimentos cardíacos, de acionamento da força máxima das sinapses, da consciência e inconsciência. Será que aguentaria mais? A mente pedia a trilogia Seu rosto amanhã e a mesma mente pedia um descanso.

Precisava de um tempo.

Tempo é relativo, afinal, durante a fase Marías, Antônio Xerxenesky me passou Consider the Lobster, ensaios de David Foster Wallace, enquanto ao mesmo tempo eu trocava e-mails com Caetano W. Galindo sobre o autor, o que resultou na minha segunda leitura do DFW, Breves entrevistas com homens hediondos, e no manual prático escrito pelo Caetano, disponível aqui no Posfácio. Não demorou muito para eu buscar a magnum opus Infinite Jest e consumi-la lentamente em seu idioma original. Não precisava de pressa, para adquirir os outros títulos eu teria de importá-los e minha ansiedade não permite esperar livros passarem pela alfândega.

Mais uma vez fui trapaceado por mim mesmo. Creio que meu inconsciente quis um curso em Nova York só para me deixar aflito. Do lado da NYFA existia uma Barnes & Noble de três andares, com todos os títulos do DFW disponíveis. Esbaldei-me nas compras, mas me segurei nas leituras o quanto pude. Nem tanto na verdade, terminei Infinite Jest, The broom of the system e Oblivion em doses homeopáticas, mantendo esse paciente sob controle.

E então Javier Marías voltou, dessa vez com Os enamoramentos, e assim mais uma recaída veio – a rehab fosteriana não fora suficiente. Agora estou enfiado em Seu rosto amanhã. Terminei o primeiro volume e já estou com o segundo na mão. E sabe o que é pior? Saiu uma tradução de ensaios de David Foster Wallace essa semana, e ano que vem tem Infinite Jest em português e é quase certo que vou mergulhar nessa espiral entorpecente mais uma vez. Não estranhem se eu estiver monotemático em 2013.