Estreou no Brasil nesse fim de semana a adaptação do livro As vantagens de ser invisível, do escritor Stephen Chbosky, que já havia sido publicado no Brasil anteriormente e que deve ser relançado em breve pela editora Rocco. Mas creio que podemos considerar aberto, desde já, mais um round da eterna luta entre os livros e suas versões cinematográficas (pelas minhas estimativas, o placar está em 578 a 61 a favor das letras, mas posso estar sendo tendencioso).

Desta vez há uma peculiaridade interessante, que não me lembro de ter sido repetida em nenhuma outra oportunidade: o fato de que Chbosky acumulou também as funções de roteirista E diretor da adaptação. À vista do resultado, tenho para mim que isso prova a tese de que forças ocultas obscurecem as mentes de todos os que se arriscam a fazer essa travessia…

Muitas são as razões para preferir o livro, dentre as quais as dez que escolhi abaixo.

10. Um professor mais humano. Quem vê o sorriso inapagável de Paul Rudd e seu ar autoconfiante deve pensar que o prof. Anderson guarda uma coleção de alunos introvertidos como Charlie na memória, aos quais ele tenha administrado a mesma terapia infalível de literatura. No livro, no entanto, a relação entre os dois vai mais longe e tem um caráter bilateral mais claro.

9. Menos bullying ou como Charlie sabe se defender. O bullying é um dos temas quentes do momento e não poderia ficar de fora. No filme, ele serve para passar a imagem de que Charlie está num abismo da hierarquia escolar. Mas, comparado ao livro, esse enfoque desloca para algo externo (as “pressões sociais”) algo que é muito mais interno (a solidão). A propósito, o Charlie do livro sabe que o segredo é avançar nos joelhos, na garganta e nos olhos.

8. Uma festa só para amigos. É difícil colocar uma câmera em um porão? Não sei, mas talvez isso explique porque Chbosky preferiu substituir todas as reuniões que a turma de Sam e Patrick fazia nos tradicionais basements americanos por festas de maior escala. Pode parecer apenas um detalhe, mas o efeito no clima da história equivale ao de substituir The Smiths por Kate Perry.

7. A doença verdadeira de Charlie. Em uma vibe Uma mente brilhante, o filme sugere que Charlie tenha passado por um período de esquizofrenia (como todos os seus familiares fazem questão de lembrá-lo repetidamente). No entanto, embora ainda não fosse um diagnóstico tão trivial na época, tudo indicia que ele sofresse, na verdade, de uma forma de depressão. Uma condição muito subjetiva, talvez, para as telas, mas que agrega mais densidade no papel.

6. Sexo e drogas, na real. É sabido que os distribuidores americanos de filmes juvenis têm pesadelos povoados pela expressão “Rated R”. Nos EUA, um filme que alcance essa classificação (o caso de Aos treze, por exemplo) exige que os pais acompanhem menores de 17 anos aos cinemas – o que não costuma ser uma sugestão muito popular. Naturalmente, portanto, matérias de sexo e drogas foram aplainadas na adaptação, dando-a de quebra uma inclinação para o mundo Disney.

Razões para preferir o filme

5. Uma família que não é feita de papelão. Se você já assistiu ao filme, pense por um momento: o que poderia dizer do pai ou da mãe de Charlie? Provavelmente não mais que “eles se preocupam com o filho” ou “parecem legais”. A verdade é que, sem o mínimo espaço no roteiro, eles se tornaram espantalhos. Só no livro é possível conhecê-los mais a fundo e, a partir disso, uma parte significativa da personalidade de Charlie.

4. Candace. Quem é Candace? A irmã de Charlie (que ele curiosamente nunca chama pelo nome no livro) merece uma menção à parte. Muito do que o protagonista aprende sobre o mundo dos adultos vem do que ele observa das experiências dela. Além disso, a relação entre eles se desenvolve bastante ao longo da história, uma bela ilustração dessa ligação às vezes tenra, às vezes turva que ocorre entre irmãos.

3. Sam sabe fazer mais que milkshake. No livro, Sam é uma garota independente, que não precisa da ajuda de um menino do 1º ano para ser aceita na universidade que deseja. Nem seu namorado, Craig, é tão obviamente um idiota, do qual ela precise ser resgatada. Vê-la de uma maneira mais madura é fundamental para que a relação entre ela e Charlie possa ser entendida como um passo à frente no amadurecimento das personalidades dos dois.

2. Por que Charlie ama tia Helen? Os poucos flashes de lembrança que aparecem no filme não são suficientes para mostrar o quanto tia Helen era importante para Charlie. Ela não era um parente a mais, mas simplesmente sua “pessoa favorita em todo o mundo”. Só absorvendo isso completamente, coisa que o livro permite melhor, é que a história alcança seu potencial máximo.

1. Charlie. Todas as razões acima poderiam ser perdoadas se não fosse uma questão muito mais grave: o Charlie do filme é um impostor. Como uma duplicata feita com imperfeições, as falhas vão aparecendo à medida que observamos mais detidamente. Podemos notar que o falso clone possui a marca de um desajuste social em evidência. Ele tem dificuldade em se integrar e fica feliz de ser adotado pelo grupo de Sam e Patrick (que o fazem com certo tom de pena). Seu jeito estranho, no entanto, continua sendo alvo de brincadeiras, e ele mesmo, às vezes, é capaz de gracejos um pouco maldosos.

O Charlie original, por outro lado, se revela acima de tudo em sua sensibilidade. Uma sensibilidade talvez até grande demais, alguns poderiam dizer, tomando em conta as 16 vezes que ele chora durante a história. Mas é exatamente isso que faz dele uma pessoa especial, alguém que é capaz de ouvir – de verdade – seus amigos e se interessar por seus problemas. Uma pessoa tão instintivamente cordial que se torna impossível não lhe querer bem, e tão inocente que basta sua sinceridade para que seja engraçado.

Para resumir o meu caso: o filme é sobre um garoto inteligente e introvertido que conhece pessoas legais; o livro, sobre um garoto sensível e solitário que encontra amigos reais. Não é a mesma coisa.