A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998), Munique (2005), Cavalo de Guerra (2011)… foram muitas as incursões do mais que premiado, idolatrado cineasta Steven Spielberg pela História, remexendo no passado, revirando baús lacrados, reconstruindo traumas. Contudo, infelizmente parece que a qualidade de suas obras tem progressão inversamente proporcional ao avanço dos anos e cada novo filme se torna menos empolgante, mais quadrado.

Em Lincoln, o que temos são longas duas horas e muitos minutos de uma minuciosa e por vezes enfadonha aula de História, que começa efetivamente – como toda aula com auxílio de um projetor – com fotos reais do momento em que o história se passa. Além disso, no seu desenrolar, vários títulos e legendas apontam os personagens históricos, não exigindo o mínimo esforço intelectual do espectador. Na saída da sessão, até pensei que teria de fazer uma provinha final sobre História Americana.

Qualquer um que já tenha visto pelo menos quatro filmes do diretor saberá de antemão o que estará em algumas cenas. Eu previ a inicial cena no campo de batalha, soube quando a trilha (igualmente previsível) de John Willians se elevaria e quando a bandeira americana entrasse no quadro, e também quando o tom dramático aumentaria e o Lincoln briguento apareceria.

Exceto pela reconstrução da época, financiada pelos milhões-sem-fim a que um diretor do pedigree de Spielberg tem acesso, nada me surpreendeu, nada me animou – e como é ruim sentir isso, ou melhor, sentir nada no meu tão sagrado Cinema.

Além de sono em alguns momentos, senti apenas uma chance de marejar os olhos: quando a 13° Emenda, de abolição da escravidão, é aprovada pelo Congresso em estreita votação.  À parte disso, Lincoln são muitos discursos, tecnicalidades políticas e infindáveis causos contados pelo Presidente-beato.

O inglês Daniel Day-Lewis efetivamente está muito bem. Sua técnica e capacidade camaleônica são incomparáveis (talvez apenas à Meryl Streep no atual Cinema), sua dedicação aos papéis é incrível (dizem que foram sete anos de preparação para este) e com a ajuda de uma mágica maquiagem, encarna o Presidente em seus moldes mais minuciosos. Bem sucede ao assumir o difícil peso dessa figura histórica, talvez o maior ídolo político da história dos EUA, com a eficiência de sempre.

Ainda assim, diferente da bicicleta de E.T. – O Extraterreste (1982), este filme não decola. Tendo problemas de ritmo e aparentando falta de criatividade na escolha dos takes, a trama se arrasta na chatíssima conquista de governabilidade que o Presidente enfrentou para aprovar no Congresso – repletos de senhores de escravos, representantes de estados escravagistas e que defendiam o ato usando ‘valores cristãos’ – a emenda que findou, em 6 de dezembro de 1865, a escravidão naquele país e, por consequência, acabou com a sangrenta Guerra da Secessão (1861-1865).

Pelo recorte histórico, fica de fora o glorioso discurso de Gesttysburg (algo em torno de 270 palavras de pura consciência política), a morte do filho Edward e, por escolha, até mesmo a cena do assassinato presidencial. Além da votação da emenda e dos tempos de guerra, o enfoque da trama são as relações de Lincoln com funcionários, sempre muito afável, além de seu conturbado casamento com Mary Todd (Sally Field) e sua relação com os filhos.

Entre cenas, o filme mostra um Lincoln filósofo, sempre reflexivo, com a cabeça baixa tal como na foto do pôster, andando pelos corredores da Casa Branca a pensar sobre o destino do país – enxertos para enaltecer sua aura santa.

Lincoln não será beatificado pela Igreja Católica (ele, na verdade, não professava nenhuma religião, embora lesse os textos sagrados e frequentemente os citasse), mas certamente tem status de santo na consciência americana.

O filme já ganhou mais de cinquenta prêmios internacionais e concorre em doze categorias no Oscar deste ano – incluindo Melhor Diretor, com uma inconcebível previsão de vitória. Lewis, obviamente, concorre por atuação, também como favorito, mas ressalto o desgaste da Academia se o prêmio efetivamente for para ele e sua falta de coragem, mais uma vez, de premiar quem realmente merece: neste ano, Joaquin Phoenix por O Mestre.

Na terra mais patriótica do mundo, especialmente em tempos de crise e pós-eleições, é compreensível que Lincoln tenha causado furor, aplausos emocionados e comentários desproporcionais à sua qualidade. Fora dela – por exemplo, aqui – podemos dizer sem a culpa de estar cometendo uma heresia (mas mesmo assim, custando certa coragem), que não se trata de um bom filme.