Um dos mais renomados escritores da literatura contemporânea estará na boca e nas prateleiras dos leitores do Brasil em 2013: David Foster Wallace.

Nascido em Ithaca, no estado de Nova York, em 1962, formou-se em Língua Inglesa e Filosofia. Em 1992 conseguiu uma cadeira no departamento de inglês da Universidade do Estado de Illinois. Publicou The broom of the system em 1987, antes de completar 25 anos, mas foi em 1996, com o lançamento de Infinite Jest, que ganhou notoriedade e uma legião de fãs. Ficou marcado por misturar temas filosóficos sobre vícios e solidão, por exemplo, com banalidades cotidianas, tanto nos contextos como na forma de escrever: usava gírias, termos pouco usuais, abreviações e notas de rodapé – sua marca registrada. Também desmistificou que bandanas fossem adereços exclusivos de motoqueiros de meia idade. Busque no Google e encontrará um ser rechonchudo de longas madeixas castanho-claras, óculos Harry Potter bem antes de Harry Potter, mas não antes que John Lennon, e uma cara marcada por espinhas da puberdade. Em 2008, aos 46 anos, suicidou-se após anos de luta contra uma depressão crônica. A notícia do óbito pegou muita gente de surpresa, incluindo fãs no Brasil, onde apenas um de seus livros fora traduzido, em 2005. DFW – como é “abreviado” pelos fãs – teve ensaios publicados em diversas revistas, três coletâneas de contos e três romances: The Broom of the System, Infinite Jest e o inacabado e póstumo The Pale King (publicado em 2011).  

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Infinite Jest é considerado a obra-prima da literatura de DFW. Graças a esse gigante de mais de mil páginas, o autor ganhou um espaço na tal pós-modernidade da literatura norte-americana, ao lado de Thomas Pynchon, William Gaddis e John Barth. O reconhecimento lhe presenteou com a MacArthur, uma bolsa de investimentos para pessoas talentosas e com muito potencial. Caetano W. Galindo está traduzindo o romance (será o terceiro livro do autor traduzido para o português brasileiro) e a previsão do lançamento está para o segundo semestre de 2013. Quinzenalmente, Galindo escreve em sua coluna no blog da editora Companhia das Letras sobre “a quantas anda” a tradução, além de falar umas e outras curiosidades para atiçar os leitores. Todo esse esforço serve como uma semente para gerar um alvoroço para a recepção da magnum opus.

The broom of the system – acredite, ou não, é o TCC de escrita criativa dele – tem uma história empolgante e hilária (acrescente superlativos como histérica e insana), pois o romance é centrado em Lenore Beadsman, uma jovem telefonista de 24 anos, moradora da Cleveland de 1990, que precisa descobrir o paradeiro de sua bisavó, também chamada Lenore. A idosa desapareceu do seu asilo com os outros residentes e deixou pistas inspiradas em Wittgestein, seu antigo professor (pois é). Em meio a isso, Lenore-24 descobre uma conspiração industrial. Nada demais? Acrescente ao enredo um namorado impotente, neurótico, saudosista e mais velho que Lenore, e a calopsita Vlad, o Impalador, que de uma hora para a outra começa a recitar a bíblia com articulação maior que qualquer pastor. Humor, teorias wittgesteinianas e jogos de linguagem permeiam as páginas.

Vamos voltar ao ano de 2005, quando a Companhia das Letras lançou Breves entrevistas com homens hediondos, livro de contos experimentais, ortodoxos, pós-modernos, resultando em estruturas pouco convencionais. Primeiro trabalho pós-Infinite Jest, este exemplar abusa de aspirações e “pirações” filosóficas em suas narrativas. Há um conto de meia página, “Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial”, que é genial (não, não estou exagerando) ao tratar relações humanas em um breve momento da vida dos personagens. Este exemplar, à época, não causou comoções por aqui e somente após a morte de DFW uma grande massa de fãs brasileiros brotaram do nada, grande parte formada por leitores que leram tudo no original. A editora não errou. Lançar logo de cara o catatau com imensas notas de rodapé seria muito mais arriscado para um, até então, fantasma nas terras tupiniquins. Muito esforço para um retorno tardio? Talvez.

Era necessário preparar o público, e para isso nada melhor do que Breves entrevistas. “Para sempre em cima é uma obra-prima da narrativa curta sem muito invencionismo e um pouco mais ortodoxa. Nele, aparentemente o narrador sabe exatamente falar com o leitor e com o personagem principal, agindo como consciência e como observador. “Octeto é um experimento ousado: o narrador conta histórias dentro de histórias sobre questões morais para tentar falar com quem está lendo indiretamente. É importante notar que esse conto tem as famigeradas notas de rodapé do autor – umas e outras chegam a ocupar uma página quase por completo. Há outros contos que falam sobre crenças, sobre a condição humana perante o entretenimento viciante, e sobre depressão. Um conto (ou relato pessoal?) chamado “A pessoa deprimidaé extremamente cru, tocante, viciante e tantos “ante” que é difícil exprimir como David Foster Wallace descreve tão bem a condição, o estado, a imanência de ser uma pessoa deprimida.

Não dá para matar o tempo com seu coração. Tudo toma tempo. As abelhas têm de se mexer muito depressa para ficar paradas. (Para sempre em cima)

Em Breves entrevistas com homens hediondos, os diversos contos que dão nome à coletânea, mostram vários anônimos relatando experiências para uma entrevistadora sem negligenciar seus lados chauvinistas, suas conquistas (um deles usa da deficiência para conquistar mulheres pela pena) e muitos devaneios aparentemente desconexos. Muitos desses relatos são baseados no período mulherengo do escritor, quando ficou famoso por seus ensaios publicados em revistas e pelo romance Infinite Jest. Essas entrevistas sucintas ganharam uma adaptação cinematográfica em 2009, dirigida por John Krasinski (o Jim Halpert de The Office).

O burburinho após a morte de Wallace não parou e textos traduzidos de maneira artesanal (leia-se: por pessoas não remuneradas) fez crescer o interesse dos não iniciados em DFW. Isto é Água, discurso feito na colação de grau dos formandos do Kenyon College, espalhou-se por blogs e sites brasileiros (lançado como livro lá fora) transformando-se quase num viral (quer coisa mais hipermoderna para um pós-moderno?). Não é possível afirmar se foi a atenção virtual que o escritor recebeu que abriu os olhos daqui, mas Caetano W. Galindo, que tem no currículo a última tradução de Ulysses (James Joyce), Serena (Ian McEwan) e Vício inerente (Thomas Pynchon), foi um dos convocados, tamanha sua paixão e admiração para com o escritor norte-americano. O.K., o trabalho como tradutor também conta. Juntaram-se a ele os Daniéis Galera e Pellizzari, responsáveis pela seleção e tradução dos textos de não ficção lançados em outubro de 2012. Gosto de chamar esse novo interesse de DFW- Fase 2.

Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo é uma seleção de ensaios e não apenas uma tradução direta de algum livro de coletâneas, dando um resultado mais sortido. Pode não agradar a todos, mas é uma porta de entrada mais eficiente do que Breves entrevistas com homens hediondos.

O principal fator a ser observado na não ficção de David Foster Wallace é sua abordagem filosófica, com questões existenciais e muitas vezes tragicômicas. No ensaio que dá nome a coletânea, o autor é enviado a uma feira Agropecuária no Meio-Oeste americano para escrever uma matéria a respeito. O simplório detalhe de ele não ser jornalista e mesmo assim ser o enviado especial arranca risadas. É um texto recheado de detalhes tácitos como o constante esquecimento de um bloco de notas para anotar tudo o que acontece e de momentos constrangedores como uma anedota sobre seu apelido de infância – sobre o que o autor insiste que as pessoas não aticem a curiosidade em tentar entendê-lo.

O ato de cozinhar e consumir lagostas, em “Pense na Lagosta”, vai além da experiência gourmet, é um ensaio acerca da suposta dor e desespero que o crustáceo sente ao ser jogado em um caldeirão de água quente. O comportamento indiferente dos apreciadores, que escolhem as lagostas ainda vivas que estão num aquário, é outra peça chave explorada. Essas análises não chegam a ser conclusivas e essa é a arapuca armada por Wallace: deixar o questionamento, o pensamento, flutuando pela mente dos leitores para que esses tirem suas próprias conclusões. O escritor não quer levantar uma bandeira, quer somente incitar o “e se?”.

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Praticante de tênis na juventude, incluindo participações em torneios juvenis, Wallace transportou para seus textos o esporte, presente em Infinite Jest e no ensaio “Federer como experiência religiosa”. Nesse ensaio fica evidente o conhecimento e a paixão pelo tênis, e a admiração pelo jogador suíço Roger Federer. Misturando dados históricos, técnicos e suas próprias observações sobre a evolução do esporte, vemos um fanático do tênis descrever as habilidades sobrehumanas, os pensamentos rápidos, a preparação física e tudo que envolve o ex-número 1 do mundo. Tudo acontece durante o tradicional torneio de Wimbledon, que em breve receberá a disputa mais esperada: Nadal X Federer. Com o fervor e a intensidade com que são descritas cada jogada, um comichão nos percorre e vem a vontade de abrir o YouTube e analisar quadro a quadro para confirmar o estudo empírico do autor.

Na não-tão-vasta-obra, quase como um todo, existe a extração de ironia de todos os lados: não é por meio da depreciação do outro ou de objetos que ele arranca sorrisinhos, e tampouco a ironia é sustentada em referências fáceis: o humor DFW é negro e ácido no mais alto grau corrosivo. Por vezes pode parecer mais uma manobra adolescente (cocôs em formas de estátuas famosas?), mas sem jamais ser (inteiro) politicamente incorreto. O texto dedicado a Kafka selecionado para integrar Ficando longe do fato de já estar meio  que longe de tudo merece uma atenção especial, não apenas por tentar explicar o que é o humor intrínseco do escritor tcheco, mas por criticar pontualmente as comédias enlatadas, os jogos e trocadilhos nos textos de sitcoms e as simples gags corporais, ou seja, o leitor descobrirá como Wallace pensava, o que achava engraçado e como isso influencia o humor na sua obra.

Ah, a academia.
Ah, a academia.

E nem chegamos ao calhamaço batizado Infinite Jest, traduzido em Portugal como A Piada Infinita (aqui no Brasil ainda não foi revelado que nome terá). O título é uma alusão a uma passagem de Hamlet:

“Alas, poor Yorick! I knew him, Horatio: a fellow of infinite jest, of most excellent fancy: he hath borne me on his back a thousand times; and now, how abhorred in my imagination it is!”

Nas traduções mais tradicionais da peça de Shakespeare ficou como “chistes inesgotáveis”. Pouco sonoro. Ainda não me decidi o que seria melhor como tradução: A bazófia infinita, A piada infinita, Infinita Graça, Infinite Jest – Piada Sem Fim, etc. Eu, e muitos outros admiradores e curiosos, entramos em diversas discussões para ver o que era mais musical e confortável aos ouvidos e, ao mesmo tempo, conciliar com o contexto em que é empregado o nome dentro do romance.

Mas vamos falar do catatau em si: como resumir mil páginas em algumas poucas linhas? São muitos enredos, muitos personagens, muitas notas de rodapé. Seria mais fácil falar em palavras-chave: vícios, solidão, dependências, terrorismo, escatologia, humor negro, tênis. Ler um infográfico talvez ajude a identificar os personagens e as ligações entre si. Ou quem sabe um guia para acompanhar a história em ordem cronológica.

Por que tudo isso?

Tudo acontece em um tempo paralelo ao nosso, onde as nações da América do Norte são uma só e um grupo terrorista/separatista quer usar o filme “Infinite Jest” – um entretenimento tão incrível que faz com que as pessoas o assistam sem parar, em repeat infinito (ops!) até morrer de inanição – como arma para a separação de Quebec, que virou o verdadeiro lixão à la Avenida Brasil. Um dos grandes destaques é a desajustada família Incandeza, cujo pai, James O. Incandenza, é o criador do tal filme. A filmografia dele é invejável de tão bizarra: imagine ver uma história pela percepção de um tijolo? Ou um conjunto de entrevistas no formato de um antidocumentário pós-estrutural, com 40 americanos chamados John Wayne, mas que não são John Wayne? Nada impressionante se comparado ao Homem Que Suspeitava Ser Feito de Vidro. Diversos admiradores da obra de Wallace criaram suas versões para os filmes de James O. Incandenza, baseando-se tanto nas notas de rodapé quanto nos diálogos dos personagens. Confira “Infinite Jest IV”:

Fora a genial insanidade do patriarca dos Incandenza, temos diversos personagens intrigantes e marcantes, dos menores como Barry Loach, Senhorita Waites e Eric Clipperton aos grandes Mario (também conhecido como Boo) e Hal Incandenza; e Michael Peamulls – um dos anticristos da narrativa, segundo DFW. Há também diversas passagens impagáveis no romance: que tal desgrudar alguém de uma janela e um grande pedaço de pele ficar grudada no vidro congelado? Um suicídio cuja arma é um micro-ondas? Cenas chocantes que são hilárias e nojentas ao mesmo tempo, passagens engraçadas que são melancólicas e trágicas; momentos de solidão, momentos de vícios, obsessões e transgressões: Isto é Infinite Jest.

Eu sou paranóica, mas será que sou paranóica o suficiente?

Ainda não deu para entender por que este é o ano de DFW? Só lendo para saber. Sério. Não adianta ler resenhas, críticas e ensaios sobre o autor, apenas as palavras dele conseguem implantar algo na sua mente que não sai mais. Todos os apaixonados pelo escritor o veem quase como um amigo íntimo, e Anthony Oliver Scott conseguiu condensar, de certa forma, o que é ler David Foster Wallace: “A voz de Wallace é instantaneamente reconhecível, mesmo quando ouvida pela primeira vez. Era – é – a voz de dentro de nossa própria cabeça.”.

Depois de ler o que foi lançado por aqui, você vai querer também Oblivion, Girl with Curious Hair, The Broom of the System e ainda terá tempo de culpar o mundo e a si mesmo por não ter mais novos textos para ler, até que a única alternativa seja aderir às bandanas no próximo Broomsday.