Há alguns dias fiz uma viagem relâmpago, em que passei por São Paulo e Rio de Janeiro em menos de uma semana. O tempo era curto, obviamente não pude aproveitar as duas cidades como mereceriam. Mas é que, na verdade, o objetivo nem era exatamente esse: fui para seguir a banda Grizzly Bear, em sua primeira turnê brasileira. Fui nos dois shows, não tanto por mim (apesar de não me arrepender nem um pouco, foram fantásticos), mas por causa da Hanna – amiga que eu acompanhei, e que é extremamente fã de Ed Droste e companhia.

Tenho uma outra amiga que já fez a mesma coisa com o Radiohead, quando fizeram esse mesmo itinerário. Se não me engano a dentista de uma das Unidades de Saúde em que trabalho sonha em fazer isso com Ivete Sangalo. Outra amiga chorou ao ver Garbage ao vivo.

De certa forma eu tenho um pouco de inveja de quem consegue ser tão fã assim de uma banda. Eu tenho dificuldade em citar quais são minhas bandas favoritas, e não sei se vejo qualquer show como imperdível nessa vida. Não sei a cor da cueca de nenhum vocalista, nem o nome do cachorro da baterista. Simplesmente não consigo me interessar tanto assim por uma banda.

Nem sempre, porém, foi assim. Alguns anos atrás, nos primórdios da minha adolescência, eu me considerava o maior fã que o Iron Maiden já teve. Acredito que muita, muita gente já se colocou nessa exata posição na mesma fase da vida. Eu sabia detalhes sobre as competições de esgrima que Bruce Dickinson participara, eu sabia causos a respeito das músicas.

E, apesar de hoje em dia eu não dar lá muita coisa para Iron Maiden – confesso que nem tenho paciência pra ouvir um álbum dos que eu gostava na época, quanto menos conferir os lançamentos depois de Brave New World – ainda posso ligar a banda a um dos eventos mais importantes de minha vida: meu primeiro sutiã. Ou, na verdade, um inexato equivalente literário disso, que seria o primeiro livro de poemas que comprei (e que li).

Não é um livro lá muito especial, em si. Na verdade, nem o tenho mais – acabei dando para um amigo no final do último ano, como um give it away (uma tradição que seguimos há anos, já: nos reunimos e damos objetos que temos em casa, que por alguma razão nos lembram da pessoa ou que carregam qualquer significado). Trata-se de uma edição paperback, bem vagabundinha, de uma pequena coletânea de poemas de William Blake, editada pela Dover-Thrift.

O contexto foi justamente a turnê do Chemical Wedding, disco solo de Dickinson, baseado nos poemas mais místicos de Blake, além de suas pinturas.

Os poemas em si não faziam muito sentido para mim, na época. Eu não era um leitor de poesia. Eu não sabia inglês lá muito bem. Mas não importava: eu sabia que havia algo ali. Eu entendia as letras do álbum, e imaginava que havia algo daquilo nos poemas. Provavelmente mais. Eu lera a respeito de Blake, e sua vida me despertara atenção: era uma espécie de profeta louco, um beat (termo que eu também não conhecia à época) precoce.

O tempo passou, meu gosto musical mudou. Meu gosto poético desenvolveu-se e mudou. Eu já nem gosto muito de Iron Maiden, nem da carreira solo de Bruce Dickinson. Agora gosto muito mais de William Blake, depois de ter passado um tempo rejeitando tudo o que me soasse demasiado romântico, ou, ainda, demasiado britânico. Esse livrinho, essa edição mal acabada que eu nem tenho mais – e que me custou menos do que uma casquinha do McDonald’s – porém, foi um marco na minha história como leitor, como pessoa que escreve e como qualquer outra coisa: foi meu primeiro livro de poesia, foi a primeira vez que eu pensei na literatura sem necessariamente contar uma história, mas evocando imagens. O primeiro sutiã a gente nunca esquece.