Para muitas pessoas, o mercado editorial possui uma aura de luxo, glamour, fama e dinheiro (ou uma suíte no Copacabana Palace e muita champanhe). Nada contra o romantismo. Mas publicar livros vai além disso. Muito além. Exige trabalho se, nesta história, o protagonista estiver no lugar do escritor. Escrever pede inspiração, mas é penoso e dói às vezes (se for muito fácil, sem exigir transpiração, pode ter certeza que você está fazendo outra coisa: psicografia e não literatura). E não se esqueça dos 10% de direitos autorais. Só 10% (mas falarei sobre pouco dinheiro em uma coluna futura). Agora, se o personagem estiver no lugar do editor, é ainda mais complicado. Pois exige dinheiro para investir, compromissos fiscais e contábeis, relações com livrarias e porcentagens altas e, no meio de tudo isso (especialmente se for um pequeno editor), selecionar originais para futuros lançamentos. Ou seja: fazer todo o trabalho sozinho.
Assim, me perguntaram (foi o Volcof que me deu a ideia): qual o caminho das pedras para publicar um livro? Eu reformularia a questão. Ficaria desta forma: quais são as pedras do caminho editorial que você pode desviar para tentar publicar um livro.
Primeira pedra: todo mundo escreve. Todo mundo acha que as editoras possuem uma certa obrigação de publicar o seu livro. Exagero meu? Não, isso fica muito claro quando o autor recebe uma negativa. A concorrência é grande. O primeiro passo é se diferenciar. Lembro que uma vez, participava de um debate em Porto Alegre sobre Internet. Caímos no assunto de publicação de livros. E eu defendi que um escritor deveria usar sua criatividade a serviço do mercado (ou seja, entregar um livro desejado pelos leitores). Especialmente se o objetivo fosse entrar neste mercado. Fui muito criticada (inclusive um senhor autor levantou e saiu da sala). Oras: o escritor quer escrever o que tiver na cabeça, quer ser editado a qualquer custo e ainda quer que a editora venda (e muito) o seu livro? O mercado não é jardim da infância.
Segunda pedra: sangue e suor. Não é fácil ser publicado. Mesmo aqueles que são milagrosamente descobertos (ou sagazmente descobertos, como o caso da brasileira que escreveu em inglês e foi contratada pela Random House – leia a matéria da Raquel Cozer na Folha de SP) tiveram algum processo criativo envolvido (para o caso de você não conhecer nenhum editor). É complicado dizer “faça isso ou faça aquilo” para que alguém descubra como ser original e se destacar. Mas posso dizer o que não fazer: não mande seu original por e-mail, na madrugada, para um editor que você não conhece e que, possivelmente, tem mais coisas para fazer do que ler as centenas de originais não solicitados que chegam por e-mail. E importante: se a editora fizer uma “queridice” e explicar na página de contato que recebe originais por e-mail e que responderá aqueles (e somente aqueles) que tiver interesse (vá que por um milagre do Menino Jesus o editor descubra um original bom na caixa de entrada) não fique escrevendo e-mails e mais e-mails exigindo uma resposta de confirmação. “Vocês receberam meu e-mail? Receberam? Receberam?”. Geralmente tenho vontade de responder: “Sim, e acabei de deletá-lo”. Não gosto de quem abusa da minha boa vontade.
Terceira pedra: então fazer o quê? O QUÊÊÊÊÊÊÊ? “Sou um desconhecido.” Faça-se conhecer. Escreva textos e artigos para sites e publicações. Vá aos eventos das editoras, conheça pessoalmente os editores e se familiarize com o catálogo (muita gente quer ser editado, mas nunca segurou um livro desta ou daquela editora nas mãos). Esteja presente nas redes sociais (isso é essencial hoje em dia). Mas resista à tentação de adicionar meio mundo e mandar, três vezes por dia, seus textos (“Fulano, lê e curte meu texto aí?”). Também não precisa entrar no Facebook para me dizer o quanto meu filho é lindo (ele é e eu já sei disso). Escritor chato e inédito não é editado. Deixe para ficar chato quando você estiver consagrado.
Quarta pedra: inverter a lógica. Hoje em dia, muitos livros percorrem o caminho inverso. Primeiro são descobertos pelos leitores e, depois, encontram uma casa editorial para chamar de sua. Este pode ser um caminho. Ou se o seu interesse é a autopublicação vale ficar atento à editora ou prestador de serviço escolhido. Ele deve valorizar o livro como produto (bem feito graficamente, com edição, revisão e boa impressão). E deve garantir uma distribuição e logística. Livro que não está nas prateleiras das livrarias (ou ebook que não está nas livrarias virtuais) é livro que não existe.
Existem muitas outras pedras que você vai descobrir ao longo do caminho ou não. Mas uma coisa deve ficar clara: o mercado editorial não é para todo mundo. Você poderá ouvir muitos “nãos” o resto da vida e nunca ouvir um “sim”. Isso pode acontecer. Não estou dizendo para desistir. Os perseverantes e bons (de novo, os perseverantes e BONS) conseguirão.
Mais do que boa sorte desejo “bom trabalho”!
Na Página 28 de Essa coisa brilhante que é a chuva, de Cíntia Moscovich:
“E o pai riu, um riso que a menina adorava, e o pai levantou da cadeira e correu com as pernas peludas jogando areia para todos os lados, até naquelas moças deitadas nas toalhas coloridas, e, já pisando na espuminha da beira, estendeu os braços e pegou as mãos da mãe e abraçou-a dum jeito de marido. E os dois avançaram, simulando covardia, e a água estourava neles, e a mãe, de repente desgarrada, se enfiou debaixo de uma onda, o torso bonito feito o de um peixe, e saiu do outro lado luzindo de molhada e de sal, e as ondas batendo nas pernas do pai, o corpo forte feito um casco de navio. A menina gostou, porque os dois estavam se divertindo, porque era ela, no final das contas, que havia trazido os pais para a praia.
O pai saiu do mar e veio até ela, o corpo pingando água, os cabelos já duros do sal, e estendeu a mão, os dedos como âncoras que prendiam as coisas em seus lugares, e disse: “Vem, filhinha, vem, amada do pai”. A menina fez um esforço por dentro, se ergueu de um pulo, apanhou a planonda, sacudiu a areia da bunda, estufou o peito que nem um nadador e foi caminhando com o pai em direção ao mar.”
Olá Lu,
novamente arrebentando nessas suas colaborações ao Posfacio.
Obrigado pela citação e por esse quase serviço prestado a todos (me incluo no grupo) os wannabes de literários.
Talvez essas coisas tão desagradáveis que os pretensos autores fazem seja por conta da total, ou quase total, falta de informação sobre, justamente, o caminho das pedras e as pedras do caminho.
Não sabendo o que fazer, o autor torna-se o chato que atormentar os profissionais da indústria – não por querer, talvez, mas apenas pela ânsia da publicação.
Com essa sua coluna por aqui, está sendo suprido, pouco a pouco, esse vazio de informação.
Dicas importantes, curtas e grossas – no melhor sentido da expressão. Afinal, como você mesmo disse: “o mercado não é jardim de infância’ – e como Don Corleone dizia: “act like a man!!!”
Abraços!
Oi Volcof!
Obrigada! Eu acho que a ânsia da publicação atrapalha. Mas acho que isso não é um mérito exclusivo do mercado editorial, infelizmente. A Internet deixa tudo mais “fácil”. Se formos analisar, assim como é difícil um original ser publicado depois de enviado por e-mail sem solicitação para a editora, milhares de currículos são enviados para os formulários da empresas. E isso não reverte em funcionário contratado. É preciso inovar. 🙂
Gostei muito do texto.
Eu escrevo já ha 10 anos, ja tive muita vontade de publicar, mas não sei se meu estilo agrada o publico atual o suficiente pra se publicar um livro.
Ja participei de alguns concursos literários, ganhei uns poucos e outros passei longe, o que terminou me desanimando.
Hoje em dia eu só escrevo e publico no recanto das letras… despretensiosamente.
Se um dia alguem se agradar de algo, talvez eu publique algum livro.
abraços.
Obrigada, Rômulo!
Eu acredito que a simples publicação de um livro não resolve estas dúvidas editoriais. É preciso dar tempo a um texto. 🙂
Já fiz todo o caminho de redes sociais, já conheci os editores que queria (oi rosp, oi luiz), agora só falta coragem de entregar o manuscrito!
Bem seletivo na escolha dos editores, hein Felippe? 🙂
Humm… parece que estou no caminho certo, só preciso intensificar umas coisas e amenizar outras. Valeu, Lu!