Marcel Proust (1871-1922) é uma leitura de sempre e de muitos, mas não é exatamente um autor fácil. Todos já buscaram defini-lo, desde seus amigos, como André Gide, que recepcionaram os sete volumes de Em busca do tempo perdido, até outros mais tardios, como Samuel Beckett e Gilles Deleuze, que dedicaram obras a seu entendimento. Mesmo Proust, quando começou sua obra ao fim da vida, buscava se entender e recuperar na memória as razões para ter se firmado como o homem que era já no século XX.

No caminho de Swann, lançado em 1913, é o primeiro volume dessa longa série romanesca de Proust, sendo também referenciado como uma de suas principais parcelas. É famoso o começo em que o narrador, não nomeado, acorda e aos poucos coloca as ideias em ordem e relembra de seus sonhos antes de se levantar para um passeio em Combray, vilarejo fictício. Logo se deduz o caráter autobiográfico do texto e também o fato de o tempo e a memória serem elementos fundamentais da construção do romance. Não digo só que a memória é a força motriz da obra, algo óbvio por ser autobiográfica, já que o tempo é explorado sem fim em todas suas possibilidades.

Ainda que Proust se mantenha próximo da narrativa tanto do século XIX quanto do século XVIII – há quem diga que seu narrador deriva de Saint-Simon –, seu narrador se diferencia de outros anteriores pela variação de seu sujeito. Desde o início da obra, variamos entre um “eu” e outro “ele”, o que evidencia um distanciamento e uma aproximação do narrador em relação à matéria narrada. Proust quer e não quer que associem aquele enredo a sua vida. É interessante notar como No caminho de Swann sempre mantém essa mudança de foco, entre Charles Swann, aristocrata esteta, e o próprio narrador.

Swann não está à toa no título dessa obra. O fato de ele ser uma presença constante na família do narrador influencia suas relações e as opiniões do jovem Proust acerca de Combray e do mundo. O caso de seu amor por Odette é contado quase à parte do resto da obra, cujo enfoque é a convivência em família ao longo da infância e da adolescência do narrador. A segunda parte do romance, “Um amor de Swann”, traça a história de Swann e Odette desde o momento que começam a se envolvem, o que demanda do narrador sua mudança para a terceira pessoa. Apesar desse distanciamento, o aristocrata é figura essencial na formação do Proust artista.

O que se percebe é que No caminho de Swann nos introduz a todo um mundo que se constrói por Em busca do tempo perdido, algo muito esclarecido pelas notas de Guilherme Ignácio da Silva ao longo da edição da Globo Livros, na tradução de Mario Quintana. O leitor pode observar que Proust, já um senhor de idade quando inicia sua série, realmente nos coloca entre a ficção e a realidade. Não há exatamente certeza no relato, como se fosse uma autobiografia no sentido estrito, mas uma procura pela autocompreensão, pela trajetória de uma vida e das vidas a seu redor e das impressões que o narrador tem das personagens.