Dia 21 de abril foi feriado de Tiradentes. Mais do que isso, aniversário da capital da República Federativa do Brasil, Brasília. Em outros tempos perderia esse evento sem saber que ele existia. Viajei para o DF às 7:00 da manhã de um sábado, 20, para visitar a minha sogra. Não perdi o voo porque isso é deliberadamente muito cinematográfico, ainda mais para um feriado que cai no domingo, e que ninguém citou porque, afinal, cai num domingo. Dia 21 não é apenas feriado de Tiradentes e aniversário de Brasília. É também o aniversário de quatro amigas. Nenhuma fez 21 anos. Duas são atrizes, uma da globo e uma de teatro, outra é dona de casa e a última faz mestrado. Perdi os quatro aniversários, mas cheguei a Brasília sem pegar no sono, lendo A vida privada das árvores de Alejandro Zambra – cujo personagem perde o sono. Não fazia 21 graus, mas 19.

Brasília é uma cidade completamente diferente de São Paulo em tamanho e proporções, e talvez seja a única que te deixa cantarolando Legião Urbana  na cabeça – “estou indo pra Brasíliaaaaa, nesse país lugar melhor não há”. Com suas superquadras, tudo parece planejado para estar perto e longe ao mesmo tempo. Existem complexos de prédios, quase condomínios, que contam com supermercados, botecos, bares de jazz e samba, e por aí vai. Grande parte com siglas, números e asas que não me dizem muita coisa

Um amigo meu e da minha esposa mora na cidade há menos de seis meses e nos convidou para um picnic misto de balada com feirinha de praia. Danilo, o um amigo, trabalha para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e já morou em Washington, Cidade do México e Paris. Porventura conhece gente de diversas nacionalidades e está sempre apto a conhecer novas pessoas, que se forem estrangeiras melhor, mas se forem estrangeiras num país estrangeiro então, serão melhores amigos.

O tal do picnic aconteceu na beira do lago, no píer. Providenciamos algumas cervejas e doces para curtirmos o final de tarde de Brasília – famosa por seu céu exuberante, amplo e estuprador de retinas. Céu, este, que parece engolir a cidade para dentro de si. Talvez ali na capital brasileira, o mundo caiba dentro do céu.

Arrumamos um lugar no píer para nos sentarmos e conversarmos sobre a vida, o universo, aquele público moderninho jamais visto na cidade – de acordo com testemunhas infiltradas no cotidiano – e o céu de Brasília. Alemães, colombianos e, pasmem, até brasilienses estavam juntos de nós. Conheci uma alemã, Kerstin, formada em Letras que veio estudar português e francês na cidade. Ela falava sobre autores germânicos que fogem ao meu controle de leituras e eu a ensinava a pronunciar Guimarães Rosa – pois Machado de Assis ela já conhecia e acha extremamente difícil. Ela falava um português pausado, e eu, um alemão kaputt.

O sol começou a se esconder, deixando muitas pessoas no píer em meio às sombras, seus raios em tons de amarelo preenchendo as lacunas deixadas pelas cinzentas nuvens. Tirei meu celular do bolso (como muitos ali presentes), abri o aplicativo Instagram (como muitos ali presentes) e tirei um retrato – #nofilter – daquele maravilhoso céu de outono brasiliense. Uma bela imagem compartilhada e curtida pelos amigos – meus e dos ali presentes – no Facebook.

Eu não perdi aquele momento. Também não me perdi entre as conversas, entre as línguas e entre as piadas sobre Häagen-Dazs e salsichões. A única coisa que perdi foi meu celular. Não sei onde o deixei. Não sei se perdi ou perderam para mim. Fiquei preocupado, mas logo perdi a preocupação. Perderei muitos compromissos, porque hoje em dia todos marcam encontros via Whatsapp. Perderei novos memes, novas citações e novos rt’s. Todavia, a foto daquele crepúsculo magnífico, não perdi, está a salvo nas chamadas nuvens “virtuais”, e nos facebooks e instragrams de outrem.

E até agora já perdi muito tempo pensando numa frase arrematadora, inspiradora e fatal para o final desta coluna. Cogito, talvez tenha perdido o tato.