(Este é o relato de um fanboy. Se não curte esse tipo de coisa, se você sente vergonha alheia etc., recomendo, sei lá, que você confira algumas dicas de livros bons de levar para a sala de espera. Grato pela atenção. Você foi avisado.)

Julie Andrews preferiu fugir para as colinas

Eu gostei muito de ler O pedacinho de carvãoO latke que não parava de gritar e O compositor está morto – não teria pudor algum de classificar este como “uma verdadeira obra de arte”. Gostei razoavelmente de Por isso a gente acabou, ainda que não tenha me tornado fã de Daniel Handler, o porta-voz oficial de Lemony Snicket.

Mas paixão – daquelas brabas, sabe? –, que não me permite ser lá muito racional a respeito de minhas opiniões sobre o autor, só aconteceu com os seus títulos mais infanto-juvenis, não com os infantis. Tipo o caso do Raiz-forte: Verdades amargas que você não pode evitar. Ou do Lemony Snicket – uma autobiografia não autorizada. Mas nenhum desses dois faria muito sentido se antes não houvesse a coleção, composta de 13 livros, alcunhada Desventuras em série.

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Eu já tinha a coleção completa em português, mas, mesmo assim, comprei a caixa linda estadunidense.

Ainda bem que não sou um ser monotemático. Distraio-me facilmente, creio que o tempo passa rápido e, quando vejo, aquilo que eu aguardava ansiosamente já está sendo lançado. Em breve, sai uma tradução de um livro do Michael Chabon. Quando me dou conta, Nick Hornby ou Michael Cunningham já lançaram romances novos. A estratégia é não ficar pensando exclusivamente em algo.

Sendo assim, não me sinto totalmente à vontade ao dizer que esperei por anos a fio até que Lemony Snicket lançasse sua nova coleção ambientada no mesmo universo de Desventuras em série, porém sem o mote das investigações de um escritor (perseguido por uma organização secreta) acerca das vidas trágicas dos órfãos Baudelaire – Violet, uma excelente inventora; Klaus, um exímio leitor; e Sunny, uma eficaz mordedora e anagramista. 1 Eu me distraí e me esqueci do assunto por um tempo. Não acompanhei, por exemplo, fóruns especulativos sobre o tema, mesmo que em algum momento tivesse feito minhas apostas pessoais. Será que saberia mais sobre o Grande Desconhecido? Ou sobre a Cisão e C.S.C.? Ou mesmo a respeito da mulher sem barba mas com cabelo e o homem com cabelo mas sem barba? Ou sobre o romance entre Beatrice e Lemony? 2

Mas um dia a ansiedade chega. Comecei a receber estranhas mensagens do site oficial do autor, em inglês. Mas, creio, só juntei as peças quando vi que um dos títulos de estreia da Editora Seguinte, novo selo juvenil da Companhia das Letras, seria o Quem poderia ser a uma hora dessas?, da coleção Só perguntas erradas (que, infelizmente, só terá 4 volumes, não 47 como eu gostaria). Passei, então, a fazer uma espécie de contagem regressiva para o lançamento internacional do livro na fanpage do meu blog, postando as imagens que recebia por email. Nesse ínterim, divulguei de antemão o booktrailer do romance.

Até que, finalmente, ele foi lançado. Numa promoção do fanpage da editora do Facebook, os dez primeiros que postassem fotos pessoais com livros do Lemony Snicket ganhavam um exemplar do livro, além de um adesivo, um cartão de visita do autor e dois bottons bacanudos – ainda que eu tivesse sido o primeiro, fui desclassificado porque já receberia o livro de qualquer forma para resenhar e, dessa forma, outra pessoa tinha chance de ganhar o livro também (achei digno). Os brindes também eram para todos que mandassem fotos naquele dia 3 . Quem me conhece, vê que não tiro o botton amarelo do meu blazer parisiense por nada – toda vez tenho que explicar todo o contexto etc e tal. Um amigo 4 também mandou foto, mas não foi um dos primeiros. Daí eu lhe dei o livro de aniversário.5132619_216749685125350_908217377_o

Juro que eu tentei ler só um pedacinho de cada vez. Se eu lesse um capítulo por dia, poderia degustar o livro durante 13 dias! (Não deixa de ter seu charme que a quantidade de capítulos do primeiro livro seja a mesma de cada um dos volumes de Desventuras em série.) (Acabei de pensar nisso: a nova série não terá 13 volumes, mas terá 1 + 3 = 4. Uma forma interessante, e sutil, de manter a referência à série de livros que o consagrou.) Mas quem disse que fui capaz disso?

(Só um aviso: ainda que eu tenha exagerado nos parênteses no parágrafo anterior, rememorando a coleção que narra a vida dos Baudelaire, pelo jeito a série Só perguntas erradas poderá ser lida de forma independente. E continua, mesmo assim, a ser bem legal.)

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Quem poderia ser a uma hora dessas? conta uma história cheia de perguntas sem respostas, espionagem e mistério. Uuuuuh. O protagonista dela é o próprio autor, aos treze anos de idade (olha o 13 aí de novo…). O restante é melhor descobrir no decorrer da leitura: já falei, é um livro de mistério – se quiser spoiler, vá na Wikipédia.

Para não ficar sem uma citaçãozinha sequer, transcrevo um parágrafo que me chamou a atenção.

Eu era aquele jovem, com quase treze anos, caminhando sozinho por uma rua vazia numa cidade meio desbotada. Eu era aquela pessoa, comendo amendoim rançoso e pensando num objeto estranho e empoeirado, que havia sido roubado ou esquecido, e que pertencia a uma família ou à outra ou aos seus inimigos ou seus amigos. Antes, fui uma criança que recebeu uma educação incomum e, antes disso, fui um bebê que, segundo me contaram, gostava de se olhar no espelho e enfiar os dedos dos pés na boca. Eu era aquele rapaz, e aquela criança, e aquele bebê, e o prédio que estava à minha frente era a prefeitura. À minha frente havia minha vida de adulto, e depois um esqueleto, e depois mais nada, exceto, talvez, uns poucos livros na estante.

Vai ser bom assim lá minha estante, vai?

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Seth

Duas notas antes de eu terminar estas minhas chãs considerações concernentes ao júbilo manifestado mediante a excelsa leitura 6 :

1. Seth! Já tinha tido contato com um ou outra obra desse talentoso quadrinista canadense (It’s a good life if you don’t weaken é fantástico, viu, Quadrinhos na Cia?) e achei o máximo que ele seja o responsável pelas ilustrações da série Só perguntas erradas. É difícil não sentir alguma saudade de Brett Helquist (das Desventuras em série e de O pedacinho de carvão), mas a mudança dita o tom do que se espera dessa nova série: mais noir, mistério e espionagem, menos steampunk e tragédias ocorrendo a pessoas boas e inteligentes.

2. O último capítulo é um presentaço para os fãs da série mais famosa do autor. Mas mais do que isso não digo.

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Já li quase todos os livros lançados pela editora Seguinte em seus primeiros meses – dos seis, só não li Nada é para sempre, da série garota <3 garoto. E, bah, não tenho tido muito do que me queixar. É o primeiro dia de aula… sempre! não é mesmo o meu estilo, ainda que muita gente curta essa vibe Goosegumps. A seleção é bonzinho – principalmente depois que esquecemos que a história parecia querer ser uma distopia, sendo apenas uma boa e velha história de princesas. Uma garrafa no mar de Gaza é muito rapidinho de ler e bem legal – tão bom que já compensa todos os defeitos dos dois anteriores. Cósmico me divertiu horrores, além de ter uma pegada científica que, na infância, teria me feito ler de olhos vidrados.

Mas lançar a nova série do Lemony Snicket é jogar baixo. É pedir pro fã de carteirinha dele se resignar, proferir o famoso “Shut up and take my money!” e ficar lendo os outros títulos que a editora lança, só na espera do anúncio do segundo volume de uma série que não tem nada mais do que Só perguntas erradas.

Então é isso que fazemos. Estamos de olho!

* * *

P.S.:Curtiu o especial Lemony Snicket no Brasil? Então revelo que domingo tem o último post da série. E o melhor: virá com sorteio e tudo! Aguarde! *_*

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  1. Ainda que, sim, eu tenha esperado tais anos a fio.
  2. Ok, ainda não li The Beatrice Letters, então pode ser que a última questão já tenha sido respondida…
  3. Ponto para a Seguinte; não acompanho muitas promoções, mas acho que nunca tinha visto uma tão inclusiva e democrática
  4. Na real, ele é um semiconhecido, mas eu tenho esse estranho costume de considerar amigo meu qualquer um que também ame o Lemony
  5. Outro exemplar, comprado por mim. Não o meu, lógico.
  6. Se Lemony Snicket fosse o responsável pelo texto, ele arranjaria uma forma de explicar melhor essa frase esquisita; traduzindo em clichês, “chãs considerações concernentes ao júbilo manifestado mediante excelsa leitura” são “mal traçadas linhas sobre a felicidade imensa por ter lido um livro tão legal”