Repletas de estantes cheias de livros. Para qualquer leitor, uma livraria é um lugar bacana. Um território sagrado para muitos. Alguns ou vários metros quadrados com muitos livros a serem descobertos. Um paraíso para perder-se, com a cabeça ora inclinada para a esquerda, ora inclinada para a direita, a encantar-se com cada lombada. Sempre gostei dessas visitas a livrarias. Aprecio, especialmente, vasculhar prateleiras para descobrir algum título, me deparar com um autor que não leio há tempos ou conhecer os lançamentos. A Internet, com suas lojas virtuais de livros, dinamizou o mercado. E me ajuda muito, reduzindo distâncias e oferecendo descontos irresistíveis. No entanto, possui uma ressalva: uso a loja virtual somente quando sei qual livro estou procurando. Para garimpar, uma ida à livraria é indispensável.

Então, eis o dilema: há tempos não tenho uma livraria para chamar de minha. Gosto das megastores, com seus processos eficientes (na maioria das vezes) para deixar à disposição um número maior de títulos. Mas reconheço que são frias e distantes. Um livro é algo muito pessoal. Mais subjetivo do que escolher um sabor de pizza. E, em algumas ocasiões, a ajuda do vendedor/livreiro é essencial.

Quando visito a Cultura, não tenho um vendedor a quem procurar. Me dirijo ao guichê com o computador e converso com quem está ali. Talvez se tivesse essa pessoa, saberia antes dos problemas enfrentados na relação entre colaboradores e gestores da empresa, pauta que tem ocupado a minha timeline do Facebook desde a semana passada. Diga-se de passagem: protesto que tem sua razão. Todos merecem um ambiente digno de trabalho e com respeito. Não só quem trabalha com livros.

Quando vou à Saraiva, preciso muito e sempre de ajuda. Não consigo me adaptar ao sistema de classificação dos livros nas prateleiras. A lógica não me ajuda. Romance, crônica, conto e humor (acabo sempre na frente da prateleira de humor, rindo para não chorar).

Na Fnac, perco tanto tempo arrastando o meu marido para que ele saia do setor de eletrônicos e não leve a nossa pequena família à falência, que acabo olhando freneticamente os livros para não perder um compromisso posterior (almoço, janta, cinema).

E as pequenas e charmosas livrarias?

Quando viajo, ir a livrarias precisa fazer parte do roteiro. São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago. Evito ir a livrarias de shopping. Na rua, em cada cidade, a livraria transparece um pouco dos hábitos locais. Além de dar a oportunidade de conhecer autores e edições.

Em Porto Alegre existem algumas. Bravas e resistentes. Me lembro da Livraria do Arvoredo. Linda, no coração do bairro Moinhos de Vento. Fui poucas vezes. Acabou fechando, cedendo espaço para uma loja. Depois, frequentei o Botequim das Letras. Pequeno e acolhedor, servia um café delicioso e oferecia títulos escolhidos de forma criteriosa pela proprietária, a Giovana. Tinha chopp e vendia produtos de decoração e mimos. Fechou também.

Em 2008, a FestiPoa Literária, evento criado por Fernando Ramos, começou a promover debates nas livrarias de bairro. Uma forma de valorizar o esforço desses pequenos livreiros e estimular a ida de leitores. Foi nessa época, também em virtude de lançamentos de amigos, que comecei a frequentar a Palavraria e a Letras & Cia. Esta última já fechou. Mas a Palavraria continua, sendo um modelo de qualidade e perseverança. Carlos, Carla e Heitor promovem eventos, lançamentos de livros, debates, saraus. Também contam com um espaço para oficinas e pequenos cursos. Preciso, é claro, enfrentar a preguiça e lidar com o trânsito cada vez mais caótico para ir até a Palavraria. No entanto é um dos locais da cidade onde me sinto em casa, sou chamada pelo nome e sempre encontro amigos.

Talvez, hoje em dia, essa seja a livraria para chamar de minha. Queria que existissem muitas e muitas outras, com outros amigos livreiros que conhecessem o meu gosto literário e me fizessem recomendações. Pode ser excesso de otimismo ou saudosismo desse tempo que ainda existe, mas que dá sinais de que possa se desvanecer. Mas sonho com as pequenas livrarias, convivendo em harmonia com as grandes, cada uma oferecendo o que tem de melhor para perfis diferentes de leitores. Mais que um sonho, talvez.

Na Página 28 de Enquanto água, de Altair Martins:

“E, de mãos dadas, duas crianças me guiaram placidamente ao meu pesadelo.

Apesar da água um tanto turva, o substrato rochoso mostrava todas as presenças divinas, os seres que tanto quiseram dizer e que, diante de mim, já não precisavam de código algum. Eram simples como os trabalhadores de uma firma. Não rugiam. Estavam ali, apenas.

Quando subimos ao barco, as meninas me abraçaram, selando um batismo. Perguntavam sobre todas as sensações, e eu dizia coisas vazias que as alegravam. Insistiam para que eu me encorajasse uma vez mais, e pedi que fossem sozinhas e mergulhassem soltas. Sentia-me imerso em uma satisfação inédita. E cansado. Que não fossem longe, ainda gritei, porque o céu se fechava.”