Nunca gostei do Super-Homem. Um herói datado, que nasceu dos estúdios da DC Comics em 1938 para simbolizar a hegemonia dos Estados Unidos nos momentos cruciais que antecederam a Segunda Guerra Mundial, quando as nações dos países aliados precisavam de um herói ao qual se agarrar. Hoje, a hegemonia norte-americana está em decadência, e o Super-Homem se transformou – apesar de todos os seus poderes – no típico herói “coxinha” (o mesmo aconteceu com o Capitão América, da Marvel).
Claro que algumas histórias mais recentes, como “A Morte do Super-Homem”, “Crise Infinita” e a nova leva dos “New 52” – repaginação de todos os heróis e histórias da editora – trazem um lado do herói que pouca gente conhecia, com angústias, medos e desejos reais, embora continue sempre sendo o boy scout pelo qual ficou conhecido. E por mais que eu não seja tão fã do personagem, devo admitir que o Homem de Aço dirigido por Zack Snyder encarna esses sentimentos humanos de maneira bastante satisfatória.
Como não poderia deixar de ser, é um filme de origem, que mostra desde a destruição do planeta Krypton – e os dilemas finais daqueles habitantes – até o surgimento definitivo do herói. Assim, conhecemos as motivações de Jor e Lara-El que reconhecem na instabilidade do núcleo de Krypton sua destruição, e decidem mandar Kal-El, o filho recém-nascido, para uma estrela distante, para que pudesse reviver os ideais de sua terra natal e ser o melhor dos dois mundos. A estrela é, como todos sabemos, a Terra.
O antagonista de Jor-El é o general Zod, destinado a lutar pela sobrevivência de seu povo. Zod é um vilão menos conhecido nas histórias do herói, mas que ganha enorme destaque aqui. Após a destruição de Krypton, saltamos diretamente para o jovem Clark Kent, que, logo em sua primeira cena, é responsável por salvar um grupo de pessoas em perigo (é também em sua primeira cena, para a alegria geral da mulherada, que o vemos sem camisa, com direito a um nada modesto close em seu menos-modesto-ainda tanquinho).
Descobrindo aos poucos sobre si mesmo e seus poderes, Clark está sempre pronto para ajudar aos outros. Passando por uma série de subempregos – em um deles, em companhia da namorada de adolescência, Lana Lang – suas tentativas de se encaixar no mundo obviamente fracassam. É num desses bicos que ele, por incidente, conhece a jornalista Lois Lane, do jornal Planeta Diário. É nesse lugar que ele também descobre, em cenas repletas de simbolismo, sobre sua origem, e toma decisões importantes que definirão sua personalidade adulta, bem como sua vida.
Retratado com uma certa tristeza no olhar, o Clark Kent de Henry Cavill é convincente e plausível. Mesclando vulnerabilidade sentimental com imenso poder físico, o Super-Homem de Cavill mostra que aprender a controlar os poderes não foi fácil, e que fazer certas coisas ainda é doloroso – reparem na cara de esforço que ele faz a cada vez que levanta voo, outra habilidade que também aprendeu com treino. Ele é, enfim, bem sucedido ao indicar o ponto fraco do herói. E observar o Super-Homem completamente caracterizado voando sobre a Terra, ultrapassando a velocidade do som, é de arrepiar! Essas cenas remetem, inevitavelmente, àquelas contemplativas de Árvore da Vida, de Terrence Malick – só que sem os dinossauros.
Aliás, todo o elenco faz um excelente trabalho. Russel Crowe transmite com excelência a sabedoria e o calculismo de Jor-El, enquanto Kevin Costner faz um maravilhoso Jonathan Kent – e protagoniza uma das cenas mais emocionantes do longa. Michael Shannon, como o general Zod, encarna toda a fatalidade de seu destino que, diferente do de Kal-El, não houve uma opção. O papel de Lois é pouco explorado, mas Amy Adams faz aquilo que pode (e faz tão bem) com o que tem em mãos. Ela demonstra sua personalidade forte aqui e ali, mas suas cenas não são suficientes para criar uma “mocinha” marcante, o que é natural.
Embora tenha gostado bastante de Homem de Aço, preciso reconhecer que há falhas que atrapalham, em certa medida, a evolução da historia. A principal talvez seja o excessivo uso de flashbacks, recurso utilizado por Snyder para contextualizar a infância de Clark, que sofria todo tipo de ofensa sem poder revidar com medo de se expor ao mundo e ser tratado como um estranho – ele não podia prever como as pessoas reagiriam na presença de um alien, uma temática já explorada nos filmes dos X-Men, e que comento em X-Men First Class. Ainda que sejam necessários em determinados momentos, o excesso de quebras na narrativa torna o filme um pouco confuso.
Algumas cenas também me pareceram problemáticas, em especial aquela na qual Lois decide seguir Clark por um penhasco de gelo sem qualquer explicação lógica – e aqui a curiosidade jornalística não me convence. Nesta mesma sequência, Clark decide usar o uniforme que o pai havia guardado para ele, e por que entra barbado e sai de cara limpa? Se não for um grotesco erro técnico, fica faltando uma explicação sobre o próprio uniforme – se ele concedia novos poderes (o de fazer a barba?) ou potencializava aqueles que Clark já possuía.
Mas é preciso também ressaltar as qualidades, já que os efeitos especiais são excepcionais, e aqui, como em Star Trek – Além da Escuridão, o 3D funciona na medida certa. É curioso notar, por exemplo, os computadores ultramodernos que têm um interessante aspecto de chumbo líquido. Além disso, há algumas boas transições de cenas, como o botão de alerta da impressora piscando na sequência de uma importante revelação. É interessante notar, também, a voz robótica e fria dos kryptonianos liderados por Zod.
Outras coisas que me chamaram a atenção: a referência aos caminhões da Lexicorp – indicando uma provável continuação –, as cenas de luta tiradas de videogames, mas que funcionam de maneira espetacular (os fãs do herói entrarão em júbilo) e a magnitude de uma máquina de guerra, instalada para assolar a Terra, que alia um ruído enlouquecedor a cenas de destruição assombrosas. A trilha sonora composta por Hans Zimmer não se parece em nada com a original, escrita por John Williams para os filmes de Christopher Reeve. É muito mais densa e sombria, por assim dizer, e tem sua marca registrada no forte tema criado para o vilão.
Sem jamais chamar Clark de Super-Homem, o filme de Zack Snyder constrói um novo ícone, que respeita o cânone, mas inclui pitadas de seu estilo e a visão de Christopher Nolan – a fotografia dessaturada e realista, por exemplo. Assim, Homem de Aço se firma como uma ótima adaptação da DC, nos moldes da trilogia Batman – embora não tão boa quanto o primeiro longa do morcego. E se uma reunião da Liga da Justiça parece improvável, este Super-Homem deixou gostinho de quero mais.
Bom, pela resenha acho que é bom experimentar sair da zona de conforto e ir ao cinema assistir homem de aço….hehehe
hahahahaha pegou o espírito da coisa! nem que seja para falar mal, tem que ir lá conferir 🙂
“Nunca gostei do Super-Homem. Um herói datado, que nasceu dos estúdios da DC Comics em 1938 para simbolizar a hegemonia dos Estados Unidos nos momentos cruciais que antecederam a Segunda Guerra Mundial, quando as nações dos países aliados precisavam de um herói ao qual se agarrar. Hoje, a hegemonia norte-americana está em decadência, e o Super-Homem se transformou – apesar de todos os seus poderes – no típico herói “coxinha” (o mesmo aconteceu com o Capitão América, da Marvel).”
Apesar de concordar com a decadência da hegemonia norte-americana, preciso discordar quanto a algumas coisas:
1) A ideia da personagem em si surgiu em 1933 com um conto de Siegel, ilustrado por Shuster, chamado “The Reign of the Superman”. Nessa história, ele era um vilão. A inspiração veio a partir do mal uso público do termo nietzschiano “übermensch”.
2) Se houve algo que motivou a criação da personagem mais que tudo, com certeza foi o amor de Siegel/Shuster pelas HQs. Várias editoras recusaram suas ideias. Contudo, a dupla, contratada pela DC Comics, teve uma nova chance após uma boa estreia com sua personagem Slam Bradley – que, aliás, inspiraria algumas das características do Superman, como a incrível resistência.
3) Limitar a criação de uma personagem como Superman ao momento político dos EUA é um tanto controverso, visto que as primeiras histórias – bem como as que envolviam o Batman, o Espectro, o Caçador Marciano, a Mulher-Maravilha, etc. – não tratavam de ideais patrióticos em si – lembremo-nos que DC vem de “Detective Comics”, e era basicamente isso que eles eram: detetives.
4) Portanto, ligar o Superman ao Capitão América, que surgiu em um contexto de guerra declarada, é algo um tanto forçado. Claro que as personagens da DC lutaram contra nazistas e japoneses, mas isso como resultado de um esforço de guerra.
Oi, Bruce! Obrigada pelo comentário.
Já li em edições especiais da própria editora que o contexto histórico do pré-guerra influenciou, sim, e muito. Não saberia puxar de cabeça a referência, mas ela existe, porque eu li 🙂 Inclusive, conectei o Capitão América ao Super-Homem porque, para mim, existe uma clara relação entre ambos – especialmente no fato de eu não gostar do patriotismo que eles representam. Mas concordo que o Capitão América tem muito mais disso do que o Super.
De qualquer jeito, achei suas considerações muito boas.
Volte sempre! 😉
Pode deixar. 🙂
Independente do ano, do contexto histórico ou quaisquer motivações as quais levaram a criação do personagem, o filme é muito bom, assim como a autora da critica, tb não sou fã do herói, fui ao cinema mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo, tendo em vista que GOSTO de filmes, independente do gênero ou classificação.
O filme realmente foi bem escrito, bem dirigido, bem produzido, os atores parece que foram escolhidos a dedo, pois cada um à sua maneira, com o que tinham em mãos, cumpriram de forma satisfatória os personagens.
Gosto da maneira como foi filmado o longa, o tipo de textura, efeitos visuais, os ângulos com que foram tomados as batalhas, os focos em imagens especificas em meio ao caos, muito boa técnica de filmagem, a história foi muito boa sim, não existem falhas, o que existe é um herói de HQ convertido em um live action, então não podemos considerar muitas coisas como absurdo ou falhas, e sim como naturais, as coisas explicadas com muito detalhes ficariam enfadonhas, vide os excesso de flashback’s como a própria autora ressaltou, que ao meu ver foram na medida certa, mas é a sua opinião e a respeito.
No geral , um excelente filme , tratando-se do gênero, e já tem sinal verde para o próximo, só pela bilheteria já alcançada.
Obrigada pelo comentário, Luis!
Volte sempre! 🙂
O Super-Homem sempre foi meu herói preferido da ficção. Quando assisti ao Homem de Aço, finalmente pude ver um filme à altura do maior herói de todos os tempos. A luta definitiva entre ele e Zod l revela o quanto ele é humano.
por incrível que pareça, achei o filme fraco. Eu achei que, apesar das diversas cenas de ação, o Superman apanhou muito dos kryptonianos. E a consciência do Jor-El eu achei muito estranha. Como é que ele ajuda a Lois lane? E aquele pingente estranho? Não gostei…
Reginaldo, legal que curtiu o filme
Weasley, conheço mais gente que não curtiu , mas obrigada pelo comentário 🙂
Primeiro, parabéns pelo site, conheci por acaso!
Duas correções de cara CHATO: Jor-El viu que a radiação da estrela Sol daria uma grande força ao seu filho, e aí enviou ao planeta Terra, não à “estrela ” Terra, haha . E o nome da empresa que aparecem é Lexcorp, e não Lexicorp (como disse, eram chatas).
Um ponto que é bem claro no filme, é a do arquétipo utilizado, da vida de Jesus. E não fica só na idade dele quando dos acontecimentos do filme (33 anos), mas também pelo papel que Jonathan Kent tem em sua criação, ciente da natureza excepcional do presente dos céus que é o seu filho, e do fardo que é ser o cuidador de um ser que traria uma nova verdade para as convicções humanas.
Curti muito esse peso que deram ao personagem, decorrente de seu absurdo poder (tanto físico quanto social), que inclusive teve que abrir mão de salvar muitas vidas no local onde ocorreram as batalhas, para salvar toda a humanidade.
Aliás, essas ponderações são melhor explicitadas no episódio do Matando Robôs Gigantes sobre o filme, o qual recomendo.
No mais, parabéns pelo texto e pelo site!