Todo final de ano vasculho minha pasta de contatos de editoras, jornais e escritores para convocá-los para uma lista gigante sobre os melhores livros lidos no ano, não necessariamente lançados naquele ano. Chega a ser injusto com os lançamentos, de certa forma. Com a quantidade de novidades, vezes as listas de leituras, mais as compras de última hora, não conseguimos acompanhar o mercado mês a mês, semana a semana.

De um estalo resolvi montar a lista de meio de ano, o mid-season literário, do que li este ano. Falando em linguagem de carros: modelo e ano 2013. Grande parte dos títulos resenhei aqui no Posfácio, mas a rotatividade de resenhas e críticas às vezes fazem com que o leitor ocasional deste sítio não consiga acompanhá-los.

Como uma lista pessoal, há títulos de grande repercussão que fogem da minha alçada. A Morte do Pai, comentado aqui pela Camila Kehl, ou Garota Exemplar, resenhado pela Cleo e pelo Tuca, foram dois dos muitos títulos que me escaparam das mãos, mas tentar recuperar tudo de uma vez me tornaria um fominha.

A vida privada das árvores, de Alejandro Zambra: O escritor chileno, um dos grande hors concours nas resenhas do ano passado com Bonsai, conseguiu mais um espaço entre as melhores leituras do ano com este exemplar que narra uma noite de insônia e pensamentos infortunados sobre passado e futuro. Mais do que uma viagem mental, um livro dentro de um livro, com uma ligação sutil com o livro anterior. Pequeno em tamanho, grande em possíveis interpretações.

Nocilla Dream, de Agustín Fernández Mallo: Uma das novidades trazidas pela Companhia das Letras é o autor madrileno que inaugurou a “Geração Nutella” – com o que afirmou não concordar muito e apreciar mais a alcunha “Afterpop”. Nocilla Dream, primeira parte de uma trilogia, é uma colagem verborrágica que flerta com diversos assuntos; é quase impossível se prender a apenas um deles. A avalanche de temas mesclados com teorias científicas e filosóficas desnorteia como se diversos narradores quisessem se apoderar do livro para si. Ainda estou embrigado de entusiasmo com o livro e espero que os volumes seguintes estejam nos planos da editora.

Pulphead, de John Jeremiah Sullivan: Saindo um pouco da ficção, indico esse livro de ensaios. J.J. Sullivan, quase nome de personagem de quadrinhos da Marvel, tem um poder de narrativa impressionante. Seu apuro em transcrever as pessoas reais com quem cruza, dos sotaques às pausas marcadas, pode levantar dúvida se aquilo tudo não é apenas uma ficção com toques de realidade. O talento de Sullivan reside justamente nesse ponto: ele também é ficcionista e pode muito bem dar umas maquiadas na realidade, mas o que nos resta é acreditar, não? Ou será que é fácil acreditar que ele forjou sua identidade para criar vínculos com uma família do Tea Party? Ou que pessoas tão incríveis quanto Pee Wee possam ser realmente reais e não uma caricatura de um religioso como muitas que cruzamos em seriados e filmes? Talvez não seja seu talento de escritor, mas sua sensibilidade e empatia com seres humanos que tornem seus ensaios tão inacreditáveis e tocantes. A realidade também causa comoção, oras.

Do que a gente fala quando fala de Anne Frank, de Nathan Englander: Como um bom entusiasta do humor e da literatura judaicos, não deixaria passar esse livro que zomba – e como zomba – dos filhos de Israel. O professor e autor não poupa ortodoxos, seculares e nem o holocausto. Grande parte do livro pode ser uma imensa piada interna que pode ser transfigurada em uma realidade triste e, novamente, transformada em algo hilário. É para ler e rir até soluçar.

A velocidade da luz, de Javier Cercas: Por ser um admirador da literatura espanhola, sempre me achei um pouco criminoso por nunca ter lido nada do Cercas. A nova avalanche de lançamentos da Biblioteca Azul me fez correr atrás desse exemplar e não me arrepender. O narrador é irritante ao longo das quase 300 páginas, mas é aquele ser que amamos odiar, por ser estúpido e impulsivo. Ainda não paguei minhas dívidas com o autor; devo, não nego, pago a cada leitura.

Esses são os cinco que destacaria por permanecerem na minha mente mesmo após a leitura e a resenha, mas é com prazer que posso falar de boca cheia que os livros do ano, ou que podem figurar no top 10 dos melhores até 31 de dezembro, são dois brasileiros:

Memória da Pedra, de Maurício Lyrio: A grande surpresa do ano é a história de Eduardo e do menino Romário. Surpresa após surpresa, Memória da Pedra é inteligente, engraçado e sagaz. Cada personagem é marcante à sua maneira e é possível odiá-los e amá-los numa diferença de meia página. Além dessas qualidades, o autor, Maurício Lyrio, não perde a atenção do leitor em nenhum momento graças a sua prosa incrível.

Digam a Satã que o recado foi entendido, de Daniel Pellizzari: Só com esse título – um prato cheio para trocadilhos durante a Flip 2013 – e com essa capa, já merecia figurar na prateleira de muita gente. Parte do projeto Amores Expressos, este livro marca o retorno de Daniel Pellizzari à ficção após anos de silêncio. Vários narradores, apocalipse, revolucionários, estrangeiros, fluxos de pensamentos, sexo e videogame; tudo junto num emaranhado que só um grande escritor poderia organizar de maneira caótica.

Há espaço para menções honrosas nessa pequena lista para Barba Ensopada de Sangue e O sentido de um fim, lançados ano passado, mas que eu só tive o prazer de conhecer nestes últimos seis meses.

Ainda tenho seis meses para ler A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves, de Joca Reiners Terron; Pássaros Amarelos, de Kevin Powers; Tempestades de Aço, de Ernst Jünger; Rabo de Baleia, de Alice Sant’Anna; Ximerix, de Zuca Sardan. Todos começados e levados de um lado para o outro dentro da minha mochila quase rasgada.

O QUE VEM POR AÍ

Podem se descabelar e anotar prioridades, porque temos  mais 6 meses esse ano e uma penca de lançamentos.

ahhhhhhh_drwho

Estão previstos os novos livros de Michel Laub (chamado A Maçã Envenenada e com trecho divulgado), Bernardo Carvalho – esse último dizem ser tão arrebatador quanto Nove Noites –, Carlos de Brito e Mello – outro de que ouvi bastante bem, apesar de não ter gostado tanto de A Passagem Tensa dos Corpos –, Antonio Prata e Carol Bensimon. Isso só citando literatura nacional saindo pela Companhia das Letras.

Infelizmente, não é esse ano que os brasileiros irão conferir a tradução de Caetano W. Galindo para Infinite Jest. O livro de David Foster Wallace ficou para 2014.

Meu lado fanboy ainda ganhará uma injeção de adrenalina com o lançamento de Antologia de literatura fantástica, dos amigos Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, que sai pela Cosac Naify em setembro. Para os próximos meses a editora terá Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi; Cinco peças e Uma Farsa, de Otavio Frias Filho; A última névoa e A amortalhada, da María L. Bombal – autora que estou pessoalmente muito curioso para conhecer.

As apostas da Intrínseca ficam por conta de O Olho do Mundo, primeira parte de catorze livros da série A roda do tempo de Robert Jordan, lançado originalmente em 1990; e Vidas Provisórias, novo livro de Edney Silvestre. Também teremos Ender’s World, parte da série Ender’s Saga, de Orson Scott Card e vencedor do Hugo Awards e do Nebula Awards em 1985, cuja adaptação para o cinema estreia no final desse ano. Além disso, apostando nos sucessos anteriores da editora, ainda temos o novo de John Green, Cidade de Papel, Perdoe-me, Leonard Peacock, do autor de O lado bom da vida Matthew Quick. Pelo lado dos Y.A. há a continuação de Feita de Fumaça e Osso, da autora Laini Taylor.

A fantasia continua a menina dos olhos da editora Leya. Robin Hobb fará seu debut com O aprendiz de assassino. Hemlock, livro que deu origem a série do Netflix Hemlock Grove, ganhará sua tradução pela editora. A série Wild Cards, criada e editada por George R.R. Martin, será ampliada com o lançamento de dois novos volumes ainda sem título em português. A coleção Novíssimos, que traz as novas vozes da literatura portuguesa, ganha novos títulos: Anatomia dos Mártires, Deixem falar as pedras, Rio Homem, Sandokan & Bakunine e Se fosse fácil era para os outros.

Como diria esse último título, se fosse fácil era para os outros. Boas leituras!