A capa de Bling Ring – a gangue de Hollywood estampa um dos pôsteres do filme homônimo, dirigido por Sofia Coppola. Cinco jovens caminham, ou melhor, desfilam em uma calçada em preto e branco, numa cena que poderia ser associada diretamente à franquia Sex & The City se não houvesse um rapaz no meio e se os integrantes do grupo não fossem tão mais jovens – Sarah Jessica Parker já virou peça de museu, afinal.

Eu tinha a teoria de que livros com a capa do filme só funcionavam quando apresentavam o Ezra Miller (vide a segunda edição de Precisamos falar sobre o Kevin e As vantagens de ser invisível), mas, pelo jeito, a afirmação se estende para todos os integrantes do YA que permanece há meses na lista de mais vendidos: tenho certeza de que muita gente comprará Bling Ring só porque a Emma Watson (que também está na capa do livro do Chbosky) ocupa a posição central da imagem. 1

Da mesma forma, estou certo de que muita gente vai conferir o filme de Sofia Coppola para ver Hermione gone wild: além das falas dela no trailer serem as melhores (“I wanna rob!” – “Eu quero roubar!” – e “I want to lead the country one day, for what I know” – “Eu quero liderar esse país um dia, pelo que me consta” – são duas das minhas favoritas), as pessoas prestarão muita atenção para não perderem uma cena em particular.

Contudo o livro não é sobre Emma Watson sensualizando – assim como Precisamos falar sobre o Kevin não é sobre como o Ezra Miller fica bem fazendo cara de mau. O livro, inspirado pela reportagem “The Suspects Wore Louboutins” [Os suspeitos usavam Louboutins] da Vanity Fair, narra as investigações de Nancy Jo Sales a respeito da gangue que, entre 2008 e 2009, assaltou as residências de diversas celebridades. Nas mugshots da página 2, logo após a folha de rosto, podemos ver que apenas Nick Prugo e Alexis Neiers parecem fazer jus às suas contrapartes ficcionais cinematográficas – Israel Broussard e Emma Watson, respectivamente. 2

O livro é dividido em três partes, que ganharam nomes de inspiração muito clara. A primeira delas, “O monstro da fama” (do álbum de Lady Gaga, The Fame Monster), narra as primeiras incursões dos jovens no mundo do crime, quando ninguém fazia ideia de que os assaltos estavam ocorrendo (uma das desvantagens de ser uma celebridade com tantos bens é a incapacidade de notar a falta de alguns deles, principalmente quando se levava um pouco de cada vez). “A dança dos famosos” (um quadro do Faustão inspirado no reality show Dancing with the Stars), segunda parte, abarca o período em que eles deixaram de ser tão cuidadosos e passaram a (perdoem a expressão) “fazer uma limpa” em algumas das casas escolhidas – sem se importarem se havia câmeras de vigilâncias ou ligarem se teriam de fazer mais do que uma viagem para roubarem tudo. A última parte, “Quase famosos” (título de um filme de Cameron Crowe), retrata a época em que as coisas começaram a dar errado mesmo – principalmente após a confissão inesperada de um dos envolvidos.

Mas a obra não se restringe a encadear fatos e assinalar culpados. Se fosse assim, provavelmente: (1) o livro seria pouco maior do que a reportagem da Vanity Fair; (2) eu não teria me esquecido da preguiça que geralmente tenho de livros de não ficção – aos poucos tenho me libertado desse preconceito, mas o último livro do gênero que tentei ler (a saber, Vida após a morte, de Damien Nichols) tinha uma escrita que não estava à altura da história que se dispunha a contar. Nancy Jo Sales conhece bem o seu ofício e consegue instigar a leitura: enquanto se apresenta como personagem (ou seja, não lemos apenas os resultados de sua investigação, mas também acompanhamos o processo desta), a autora permeia temas diversos. E bota “diversos” nisso: feminismo, cobertura midiática, celebutantes e economia são apenas alguns exemplos que posso citar ligeiramente. E ela não só aborda os assuntos que convêm ao livro, como também indica bibliografia complementar e tudo o mais. 3

Entre tantas mentiras (algumas, expostas pela jornalista ao confrontar informações ou ao comparar depoimentos com provas factuais; outras, implícitas, na medida em que a autora nos lembra de que ela também foi enganada em alguns momentos), ao leitor é dada a oportunidade de criar suas próprias teorias e explicações para o que levou aqueles jovens a cometerem os crimes. Ainda que muitas delas correspondam ao que pensamos antes de ler o livro propriamente, a jornalista também ajuda a combater nossas ideias pré-concebidas de causas e consequências: nunca é fácil separar uma coisa da outra.

Finalmente, um dos grandes méritos do livro é a capacidade da autora para a sutileza. Quem se surpreender com a teoria expressa por um dos amigos de Nancy Jo Sales em uma das últimas páginas do livro, 4 claramente não percebeu como ela tratava sutilmente do tema durante os capítulos anteriores – quase como se a omissão de uma abordagem mais direta representasse a cegueira da sociedade para esse “problema”.

Bom, fica a dica de leitura. Só não vale roubar o exemplar daquela amiga celebridade.

  1. Fica a dica, Intrínseca: Mar de monstros, da série Percy Jackson, está chegando aí e o Logan Lerman também faz parte do trio de ouro que estampa a capa de As vantagens de ser invisível. É muito provável que a edição com a capa do filme também fique boa.
  2. Digo “contrapartes ficcionais cinematográficas” porque o filme é uma obra de ficção inspirada nos fatos descritos por Nancy Jo Sales. A personagem de Emma Watson, por exemplo, chama-se Nicki: “(A verdadeira Alexis, a propósito, assinou um contrato de consultoria para o filme e parecia estar muito empolgada por se ver retratada; ela retuitava as atualizações de Emma Watson sobre Nicki, incluindo esta: ‘Nicki gosta de gloss, bolsas, ioga, pole dancing, Uggs, Louboutins, sucos purificantes, café gelado e tatuagens.’)”
  3. Sei que esta resenha não faz parte da série “Se eu já vi o filme, por que eu deveria ler o livro?”, mas, para mim, a leitura já começou a valer muito a pena a partir do prefácio (se você tem Kindle, esse é o trecho que está disponível na amostra da obra, na Amazon; acho que o mesmo deve valer para o Kobo, na Cultura). É muito legal como, em poucas linhas, a autora nos informa (1) do que motivou Sofia Coppola a querer tanto fazer um filme a partir daquela história, (2) da importância das transcrições da jornalista para os diálogos do roteiro e (3) de como esse novo filme parece ter tudo a ver com temas abordados no resto da filmografia da diretora. E isso é algo que, provavelmente, não poderá ser visto no cinema.
  4. Na página 262, mas já aviso que lê-la sem ter lido antes as 261 páginas anteriores faz a declaração parecer nonsense e boba.