Os trinta anos se aproximam, os tempos inconsequentes da faculdade já acabaram, você tem que pagar suas contas, rachar o aluguel com amigos e o mundo te pressiona pelo sucesso. Mas os trinta anos ainda não chegaram, você (ainda) está numa fase de transição, não tem os mesmo assuntos dos casais com filhos, contudo, já não aguenta ficar duas horas na fila da balada e prefere um restaurante com pessoas próximas com quem possa conversar.

Isso é arquetípico: nas grandes cidades muitos que estão nessa faixa etária partilham dessa realidade, e esse é um dos fatores que faz Frances Ha ser tão palatável ao público e à crítica.

Dirigido por Noah Baumbach, de A Lula e a Baleia (2005), e produzido pela RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira, o filme tem o roteiro feito a quatro mãos pelo diretor e pela atriz principal, a carismática Greta Gerwig. Frances tem 27 anos, é aluna de uma companhia de balé e também dá aulas para as turmas infantis. Divide um apartamento razoavelmente bem localizado em Manhattan com a amiga Sophie (Mickey Summer), de quem parece gostar mais do que do namorado. Porém, com quase trinta anos, sua vida parece não estar onde supostamente deveria, e as coisas ainda pioram: Frances rompe com o namorado, é tirada da companhia e perde a roommate, que se apaixona por um rapaz aleatório.

Os percalços de Frances são narrados com a agilidade da Nouvelle Vague, de quem o filme tira muito, e a trilha sonora é uma coletânea de sucessos que estão na cabeça de qualquer um, como Modern Love, de David Bowie (que rende uma lindíssima cena de dança pelas ruas de Nova York), Blue Sway, de Paul McCartney e Miss Butter’s Lament, de Harry Nilsson. Além disso, diálogos, ambientação e o próprio drama colorizado (metaforicamente, porque o filme é todo preto e branco) pela ironia de Frances pegam muito da fonte Woody Allen de roteirização.

Assim fica fácil, não? Pois é, Frances Ha é um filme muito fácil de se gostar, tão fácil que esquece-se que trabalhar com o tema da juventude moderna, alienada e vazia, que não se encontra e não amadureceu completamente, é passear por terrenos já percorridos – e, honestamente, Frances Ha não retrabalha o tema com muita inovação.

Greta Gerwig é linda, fofa e engraçada e tê-la como protagonista é toda a força desse filme, mas à medida que seus amigos são introduzidos (a passiva-agressiva Sophie, o canastrão Lev, o fofo e desocupado Benji, a frígida colega de companhia1), mais e mais do vazio dessa geração preenche a tela.

O recado está dado: as voltas do mundo nos fizeram chegar a um momento histórico onde os under-30 das grandes cidades têm tudo, da tecnologia de ponta a condições de vida bastante razoáveis, mas se tornaram um mistura de blasé e tolos.

Frances chega a ficar tão perdida que compra passagens para Paris, numa viagem de um final de semana, só porque recebeu um novo cartão de crédito pelo correio – mesmo estando desempregada e praticamente desalojada. Sim, coisas assim acontecem hoje em dia, e é bom que esse filme consiga mostrar isso com tanta graça. Pena que o mesmo roteiro que consegue ser gracioso e acessível nessas passagens, acelera demasiadamente na parte final, mostrando de forma confusa a recuperação da protagonista.

O filme entra na onda de produções recentes que adotam um tom crítico, com uma interessante proposta de realismo (por exemplo, os pais de Frances no filme são os próprios pais de Greta) e que não divagam nas babaquices melodramáticas e positivas de algumas correntes do audiovisual. É um filme de um tempo de ilusões perdidas, que acha seus pares no cenário de Cinema independente norte-americano (o Mumblecore) – de onde Greta é considera uma das musas – e em seriados como Girls (partilhando inclusive um dos atores, Adam Driver, o Lev no filme).

O pôster e o trailer estampam os elogios da crítica, com adjetivos como “Delirante!”2. Não creio que ele chegue a tanto, mas fica algo de doce e melancólico na audiência ao deixar a sessão, uma certa saudade da falta de noção de Frances ou do tempo em que não éramos tão perdidos.

  1. Papel de Grace Gummer, filha de Meryl Streep
  2. De Toddy McCarthy, The Hollywood Reporter