Nos últimos 4 anos, Tiago Guilherme Pinheiro e Luciano R. M. deram seus palpites sobre o Nobel de Literatura para nós e os leitores. Sem focar apenas em adivinhar, eles apontam quem seriam seus indicados pelo conjunto da obra e pela relevância dentro do cenário atual da literatura.

Este ano o prêmio será divulgado na próxima quinta-feira (10/10).

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Tiago: Bom, apesar do atraso, acho que não tenho jeito melhor de começar: num ano em que Putin é cotado para o Nobel da Paz, e, tendo em vista que o Obama já ganhou o dele, isso nem parece mais uma incoerência, o que devemos esperar do de Literatura?

Luciano: Pergunta cabeluda. Mas, acho que o Nobel tem jogado com umas coisas estranhas. Obama ter ganho o Nobel da Paz. Putin como possível… Ok que a Academia Sueca não tem relação com o prêmio da Paz, mas acho que Mo Yan se encaixa no mesmo padrão curioso: uma decisão no mínimo inusitada, que parece pensar em alguma potencialidade não muito clara (lembrando toda a controvérsia política que envolve o laureado do ano passado, essa qualquer coisa não muito clara sobre o lugar que ele ocupa na cena literária chinesa). Quiçá, então, haja uma continuidade dessa linha.

Tiago: Acho que premiar Obama foi um voto de confiança meio desesperado, meio impensado. Quase como se houvesse uma tentativa de reestabelecer a credibilidade do sistema democrático, que conseguiria se autocorrigir, após a tragédia que foi George Bush Jr. Algo assim também aconteceu no ano passado, quase se resolveu premiar a União Europeia, no pior momento possível, simplesmente para restaurar a confiança em certo projeto. Pois então: a questão é que tanto num caso como no outro essa confiança cega em certos modelos não estão seguindo como o previsto. Pelo contrário: não parece haver freio de mão dentro desses parâmetros.

Já o prêmio de Literatura parece ter sido quase um sinal para cair fora desse barco… É difícil não enxergar uma provocação aí. E, nesses dois últimos anos, a Academia Sueca afastou-se também da Europa (onde estava se concentrando nesses últimos anos), e não só dos EUA, como os próprios membros haviam anunciados. E anunciar um chinês, com passado relacionado com o Partido, certamente parece extravasar isso.

Este ano será crucial para sabermos se essa hipótese irá se firmar: caso o laureado não seja europeu, é bem possível que uma nova tendência esteja se firmando, talvez mais parecida com a dos anos 1990, no qual vários premiados vieram de lugares e línguas “periféricas”.

Luciano: Se o parâmetro fosse esse mesmo do prêmio da Paz, sem sombra de dúvida o prêmio, agora, iria para algum israelense. Duvido muito, porém, que para Oz, Grossman ou Yehoshua. Ou, quem sabe, para algum palestino. São dois dos modelos que se encontram com mais problemas no momento, ambos estagnados e à beira de um colapso.

Mas, levando em conta o que você disse, acho que a direção é outra. Quem sabe algum escritor da periferia européia, apontando para esse ‘outro interno’? Algum escritor de uma das Repúblicas Bálticas ou, então, dos Bálcãs? Algum prêmio que, de alguma maneira, aponte para uma resistência, ainda que sutil, ao padrão de valores do Ocidente mas que não se oponha a eles de modo extremo?

Tiago: Cada vez mais acho que a política da Academia ou das várias comissões do Nobel tem sido se afastar da questão Israel/Palestina. O que é um pouco irônico, já que, como você disse, é um dos lugares onde a situação é mais complicada.

Sobre a periferia europeia: não sei se a tendência dos últimos anos irá se radicalizar a ponto de ir, neste ano, para alguém dos Balcãs, por exemplo. Acho que se fosse em outros anos, seria possível.

Dentro dessa possibilidade, acho que os russos ainda formam uma aposta bem possível, levando em consideração que faz muito tempo que eles não são contemplados (e que existe uma tentativa de “equilíbrio” por parte da Academia). Além disso, acho que um escritor russo seria interessante, até porque esse é um dos países onde certo conservadorismo e preconceito social tem recrudescido de modo generalizado, a despeito da pretensa imagem de Putin como diplomata da paz…

Outra possiblidade é que o afastamento da Europa prossiga em direção a outros continentes… África e Oceania estão esperando, faz um bom tempo…

Luciano: Se o caso fosse um Escritor africano, acho que haveria de ser um negro – temos um recente Coetzee aí, pela parte dos colonizadores. Coetzee, aliás, que penso também pesar sobre a indicação de um escritor da Oceania – com ele vivendo e tendo influência sobre a cena literária australiana, quiçá a direção não fosse pelos países menores e frequentemente esquecidos.

Mas, confesso, não saberia nomes plausíveis em nenhum desses cenários. E, de qualquer modo, ainda acho que um russo seria uma escolha mais coerente com as tendências que a Academia Sueca vem mostrando nos últimos anos.

Tiago: Há alguns nomes que aparecem nas listas das casas de aposta, como o queniano Ngugi Wa Thiog’o ou o moçambicano Mia Couto. E aproveitando essa sua observação, não custa lembrar que não só faz tempo que o Nobel foi para um escritor negro, que já não são muitos em toda a sua história… Há alguns anos, tinha alguma esperança no Caribe, com o Eduard Glissant, mas ele faleceu em 2011…

Na Oceania, acredito que Les Murray pudesse ser um nome interessante.

Um russo, ou mesmo um eslavo, acho que tem grandes chances, mas tenho dificuldade de imaginar algum. Um poeta seria bacana, sem dúvida…

Por outro lado, com o Brasil sendo o país convidado da Feira de Frankfurt, surgiram novos rumores… Até o poeta Ricardo Domeneck, que vive em Berlim, comentou que o burburinho tem sido grande em toda a Europa…

Luciano: Já que mencionou as casas de apostas, percebi certa ansiedade ao redor do nome do norueguês Jon Fosse. Acho, porém, uma aposta ruim: faz muito pouco tempo que o prêmio foi pra Tomas Tranströmmer, e eles costumam tentar não serem acusados de bairrismo.

Pensando num poeta eslavo, eu ia ficar bastante feliz se fosse para Tadeusz Różewicz ou Jorge Listopad. Mas não sei, acho que são nomes demasiado conhecidos (ao menos na Europa) para isso.

Quanto a um brasileiro, o único nome que me parece mais plausível é o sempre cotado Ferreira Gullar. Não saberia apontar nenhum outro laureável  daqui.

Tiago: Sempre me esqueço de que Różewicz está vivo! Sim, esse é um bom nome, creio.

Dos brasileiros, tenho notícia da indicação de certos nomes: além do Gullar, há João Ubaldo Ribeiro, Antonio Candido, Augusto de Campos, Manoel de Barros e Chico Buarque. Creio que os ganhadores do Camões estão no páreo também: Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, etc.

Acho que desses, para o bem ou para o mal, o que tem maior chance é Chico Buarque, por ser talvez o nome mais conhecido na Europa…