Comprei um relógio de parede. O que quero dizer é que comprei a foto de um relógio e pendurei na minha parede. Não gosto de relógios de pulso. A sensação de necessidade, e ansiedade, de olhar a cada 17 segundos para o pulso é sufocante. Os relógios de bolso modernos, chamados vulgarmente de celular, são outra forma de vício assombroso; você tateia o bolso e de soslaio olha os numerais digitais, depois volta os olhos para a pessoa à frente, que, claramente, fez o mesmo gesto para demonstrar que é muito mais interessante espiar a tela de LED – o famigerado “cristal líquido” – do que ouvir a história entediante sobre aquele sujeito do trabalho.

Comprei esse relógio de parede estático. Ele não me diz as horas, mas passo horas a encará-lo e é amedrontador como seus ponteiros imóveis me causam náusea como se eu não pudesse me locomover, como se estivesse preso naquele momento em frente ao quadro de um relógio. A foto não é bonita, faltou talento para o ângulo, há muito ruído, e por ser tão imperfeita é tenebrosa e real. O relógio que não anda, que não me comanda. As horas que não passam, nem devagar nem voando. As vinte e quatro horas invencíveis, paralisadas e involutivas. Sem tic-tac.

Sentar-se num banco, em Estocolmo no inverno, e esperar a sem tempo, a sem pressa, a sem face, a sem vida. A falta de tempo. A perda de tempo. Eu era a perda em pessoa.

E antes que pensem se esse é um relato surreal, onde, de maneira inesperada e com um suspense chulo, os ponteiros começarão a se mover, enganam-se. Eu parei de me mover. De me perder. Fiquei estático. O tempo deixou de existir para mim. Hoje não sou. Tic Tac.