Como nunca é demais citar Vanessa Barbara, abro esta coluna com um parágrafo escrito por ela:

Todos têm um louco de palestra dentro de si, esperando para aflorar. Somos apenas reprimidos pelos grilhões da compostura, da sanidade mental e da idade adulta, o que nos impossibilita de protagonizar, em conferências, grandes momentos da história da argumentação humana – como quando, na Flipinha de 2005, um ouvinte de 5 anos de idade levantou a mão e perguntou ao escritor Luis Fernando Veríssimo: “Você gosta de suco de uva?”

 

O trecho é o finalzinho de um dos textos que mais vi sendo compartilhados na internet – talvez só um pouco menos do que o famoso poema apócrifo de Clarice Lispector que pode ser lido de baixo para cima: “O louco de palestra“. Nele, Vanessa identifica com critério científico toda uma diversidade de espécimes dessa criatura que, ao se levantar para brevemente fazer uma pergunta relevante, faz tudo menos isso (perguntas são trocadas por colocações, o brevemente dura longos minutos e/ou a relevância é esquecida).

Mas há toda uma variedade de loucos, desmiolados e pessoas estranhas que ficaram de fora. Em eventos como a Flip e a Fliporto, 1 onde as perguntas são escritas em papéis, selecionados posteriormente pelo mediador da conversa, não há abertura (ou o microfone e a atenção necessários) para que as pessoas tirem do peito o seu louco de palestra. Há, todavia, aqueles que acham que estão conversando com o povo da mesa (retrucando e usando o seu melhor em matéria de piadinhas internas, nunca correspondidas com a atenção devida). Há os velhinhos que olham feio para esses jovens que ousam se divertir (e rir alto) com essa coisa séria que é a literatura. Há aqueles que põem no último volume o aparelhinho de tradução simultânea (invariavelmente, senhorinhas que não escutam lá muito bem) e praticamente impedem que se ouça o áudio original nos alto-falantes. Há quem lamente que não vendam tomates e outras hortaliças na entrada de uma palestra ruim (e se contente em bufar, suspirar, rir ironicamente de uma piada ruinzinha, revirar os olhos como se estivesse tentando acompanhar a verticalidade dos personagens no filme Gravidade). 2 Há aqueles que querem porque querem iniciar uma salva de palmas – há algo de desesperador em ver aqueles que insistem, mesmo quando não há indicativo algum de que serão acompanhados.

E há quem chore desbragadamente: o chorão de palestra. Como canta Martinho da Vila, na clássica canção popular “Palestras“:

Já chorei em palestras de todas as cores
Em várias cidades, com muitos escritores
Em umas até certo tempo segurei
Em outras apenas logo me debulhei

Esse fato curioso pode se dar por inúmeras razões. Uma história triste contada num palco é a forma mais fácil de levar as almas sensíveis ao choro. Mas tem gente que chora de emoção ao ver o ídolo; principalmente, quando a decepção não é grande – certos livros não poderiam ser mais diferentes do que seus autores, uns grandes babacas. Tem quem se identifique muito com uma história ou com a abordagem que os debatedores fazem do tema. Tem quem sinta saudades ao se lembrar de algumas leituras de adolescente – Shakespeare e Drummond –, citadas por quem está naquelas cadeiras confortáveis, com um copo de água do lado e sob uma tremenda luz artificial. Tem quem fique admirado com a inteligência alheia e quem tenha epifanias numa palestra em que entrou meio por acidente, pois que não planejava vê-la.Tem quem esteja apenas com sono e, portanto, mais suscetível a emoções fortes.

O último evento da Fliporto deste ano foi um papo com Valter Hugo Mãe. Ele falou menos de seus livros do que de sua vida. Revelou que uma das suas exigências para vir à Festa Literária Internacional de Pernambuco era conhecer Ariano Suassuna – conseguiu pelo menos a garantia de uns cinco minutinhos e ficou encantado. Declarou ser um feminista. Discorreu sobre perdão, gratidão, religião, Islândia e pessoas menos dignas do que o seu cão. Às vezes, fazia uma pausa breve, emocionado, para conseguir se segurar e seguir falando – nada de choro no meio do palco. Deu vontade de dar um abraço nele.

Eu, que nunca li nada dele, 3 fiquei feliz de estar no escurinho em que se encontrava o público. Não sendo pago para engolir o choro, dei vazão total aos dutos lacrimais. Como já tinha planejado não anotar nada, apenas vivenciar o momento, não foi um incômodo ficar tirando os óculos pra enxugar o rosto. Quem tava lá, viu. Não peçam a mim neutralidade e objetividade. Confesso: sou um chorão de palestra. 4

Deixo como dicas – para mim e para você que me lê – para a Fliporto do ano que vem: beba bastante líquido, use filtro solar e… leve lencinhos.

  1. Durante a semana, sairão ainda mais dois textos sobre mesas que vi. Aguardem.
  2. Sou desses.
  3. Nem entrevistas. Depois de ontem, quero ler tudo.
  4. Ainda que reconheça que sou um chorão de palestra meio exigente, que pode descambar para o lado dos insuportáveis bufadores e reviradores de olhos facinho, facinho.