Uma verdade incontestável: tudo que é bom dura pouco. Sim, eu sei que Longe da árvore – aquele calhamaço maravilhoso de 1056 páginas, escrito por Andrew Solomon – vai demorar horrores para ser lido, mas o fato é que toda boa leitura parece durar menos do que deveria.

Mesmo Guerra e paz dura pouco.

Mesmo Cloud Atlas dura pouco.

Mesmo Ulysses… peraí, não vamos exagerar.

Eu tinha lido em algum canto (ou, mais provável, achei que tinha lido) que Noites de alface, primeiro romance solo de Vanessa Barbara, tinha 265 páginas. Na página 100, resolvi conferir quantos capítulos restavam e me dei conta do engano: já na 165, estavam lá os agradecimentos finais.

Como proceder? O livro vai acabar, mais cedo ou mais tarde – a não ser, lógico, que você o abandone pela metade. 1 Pensei cá com os meus botões em algumas técnicas para fazer o livro durar mais – seja retardando a leitura do final, seja inventando uma versão-estendida-do-diretor.

Eis o resultado da IX Convenção Curitibana de Botões Brainstormeando Assuntos Aleatórios.

Film Title: Mamma Mia!

1. Mamma Mia style

Se você (1) é um baita bagunceiro, (2) mora com os pais e (3) tem uma mãe que vive ameaçando arrumar o seu quarto e jogar metade das suas tranqueiras fora, você pode preferir esta técnica. Ela consiste em: deixar o livro no quarto naquele dia que você tem certeza que sua mãe cumprirá a ameaça. Só. Quando voltar para casa, o seu quarto estará limpinho, cheiroso e organizado, mas (como sempre!) você não conseguirá encontrar mais nada: Onde está a pilha de CDs com backups de Naruto? Cadê a coleção de figurinhas repetidas do Campeonato Brasileiro 2012? AI MEU DEUS, será que ela jogou fora o meu Noites de alface?

Calma: ela deve ter gostado da capa, o que salvou o romance da lixeira – já não posso dizer o mesmo dos CDs e das figurinhas. Mas tudo estará tão arrumado que, quando você finalmente descobrir onde ela o enfiou, não terá outra alternativa a não ser voltar à primeira página, pois já terá se esquecido de tudo.

2. Cortázar style

Corte 9 quadradinhos de papel. Marque um X em um deles; numere os outros de 1 a 8. Sorteie os papeizinhos, anotando a ordem em que eles saíram. Pronto: você transformou Noites de alface em O jogo da amarelinha. Leia os capítulos obedecendo ao que o sorteio determinou (o X equivale à introdução, o único capítulo não numerado, o mesmo que já tinha saído na Granta).

O romance ficará mais enigmático e corre o risco de você acabar descobrindo coisas antes do tempo devido (meus pêsames se um dos primeiros números sorteados for o 7) – mas, se você quer saber, no livro do Cortázar acontece a mesmíssima coisa. Essa técnica pode ser utilizada tanto na primeira leitura, quanto numa releitura. A comparação entre o método ensinado aqui e a leitura linear pode gerar resultados interessantes.

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3. Foer style
Jonathan Safran Foer, como sói a quem não tem nada pra fazer, resolveu picotar o livro The street of crocodiles, de Bruno Schulz, a fim de produzir uma obra original, chamada Tree of codes (no YouTube há um booktrailer, o making of da criação e a reação das pessoas na rua tentando ler o livro). Eu não sou criativo como o Foer nem confio que você seja habilidoso com estiletes (ou tenha uma gráfica em casa). Sejamos simples: tudo que você vai precisar é de um lápis e uma tesoura sem ponta, além de algum “grau de desapego” – doravante chamado GDD.

Vamos às etapas. Leia o livro. Grife todos os trechos que considerar engraçados ou profundos ou legais ou edificantes ou curiosos. (Ou todos esses juntos.) Finda a leitura, aja de acordo com o seu GDD: ou você vai a várias copiadoras e xeroca um pedacinho do livro em cada uma delas até obter uma cópia integral (GDD: a lombada do seu Noites de alface vai ficar toda estragada) ou você utiliza o próprio livro como matéria-prima (GDD: você vai ter que escolher trechos em apenas um dos lados da folha). Corte todos os trechos não grifados com a tesoura sem ponta – sim, vai ficar meio amassado, mas é melhor do que se machucar no processo, cortando um pedaço do dedo. Se você tiver escolhido a primeira opção, encaderne as folhas na ordem, como um livro. Customize 2 a capa (só vale usar as letras que já estão nela, que nem o Foer fez) e… pronto! Você agora tem um livro exclusivo de máximas e aforismos da sua autora favorita!

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4. Internauta style
Um dos males do século para os leitores apaixonados por certos livros é quando estes apresentam muitas pausas para respiração, providenciadas pela diagramação elegante. O coração dói quando um capítulo é concluído no alto de uma página ímpar e o capítulo subsequente só se inicia na próxima página ímpar. Praticamente duas páginas inteiras nuas. Desoladoras. 3

O que fazer com tais páginas? Quem já conhece as colunas da autora para o Blog da Companhia e os textos diversos compilados na Seleta de Legumes, pode fazer os personagens ligarem o computador e… lerem um de tais textos. Lógico, não pode ser qualquer texto: tem que ter a ver com o indivíduo inventado por Vanessa.

Peguemos o exemplo do Nico, dono do primeiro capítulo numerado, o “farmacêutico viciado em efeitos colaterais de medicamentos” – informação presente na orelha do livro, não é spoiler. Ele poderia se divertir, por exemplo, com a leitura da coluna “Biblioteca de Lunáticos”, em que a autora lista algumas de suas leituras psiquiátricas preferidas. Basta então escrever algo como “Ao voltar para casa, Nico aproveitou alguns minutos antes de dormir para ligar o computador e ler um texto que sua irmã lhe enviara por e-mail. O título: ‘Biblioteca de Lunáticos’.” Daí você imprime as duas frases junto com a coluna da escritora – o corpo da fonte deve ser pequeno o suficiente para ser colado no espaço em branco da(s) páginas(s) nua(s) – e… voa lá! Você agora possui um Noites de Alface director’s cut – extended version. 4

5. Memento style

Se você se assemelha aos protagonistas dos filmes Amnésia e Como se fosse a primeira vez, na questão perda da memória recente, meus parabéns. Você pode ler o livro inteiro num dia, dormir e recomeçar a leitura no dia seguinte sem se lembrar de coisa alguma.

Mas a minha dica é mais simples. Leve seu exemplar de Noites de alface para um café que você sempre quis visitar (e só não foi antes porque é muito contramão) ou para um parque do outro lado da cidade. Depois de ler um capítulo (e tomar um nescau ou dar uma breve caminhada), deixe o livro num local fácil de ser encontrado… por outrem. Pode ser no balcão, num banco ou no ponto de ônibus: não importa. Você terá bastante tempo para meditar no capítulo lido enquanto espera o novo exemplar que encomendou na loja online que dava o maior desconto.

Não à toa esse método também é chamado de Semeador de leituras style ou Rykheza style. É preciso vocação pra bom samaritano. E é preciso ter grana. Mas o lado bom da coisa é que, com leitores como você por aí, as chances da sua autora favorita virar best-seller são altíssimas.

  1. Já fiz essa palhaçada DUAS vezes com o último romance de um dos meus autores favoritos – a saber: Juliet, nua e crua, de Nick Hornby. E não me orgulho disso.
  2. Que verbo horroroso!
  3. Ok, sempre podemos utilizá-las para fazermos anotações. Em sendo o caso de um livro policial, esse é o melhor local para anotarmos nossas desconfianças a respeito de como será o desfecho, bastante úteis para uma discussão num clube de leitura: “Sua anta, eu já sabia quem era o assassino na página 37! Não me venha dizer que esse livreco mantém o suspense até o final! Não insulte a minha inteligência!”.
  4. Só há um pequeno probleminha com o meu exemplo: o capítulo de Nico termina muito lindamente no finzinho da página 34. Não sobrou espacinho algum. Talvez seja necessário recorrer a dobraduras…