Trabalho como professor de inglês numa escola de idiomas da cidade onde moro e devo confessar que a quantidade de surpresas com as quais me deparo ao longo do dia a dia do trabalho compensa qualquer tipo de cansaço que possa me acometer. Me formei num curso de licenciatura e reconheço a importância crucial das discussões teóricas acerca da educação – mesmo –, mas a empiria é algo sem igual. Como é que Paulo Freire, por exemplo, pôde se tornar um estudioso da educação tão estupendo senão através do encarar cotidiano da sala de aula, seus problemas e suas vicissitudes?

Antes, contudo, de me estender sobre aquilo que constitui o cotidiano professoral num âmbito geral, gostaria de pinçar um exemplo que me foi especialmente curioso ao longo dos últimos meses.

Como não tenho um perfil no Facebook, uma maneira fácil de me comunicar com meus alunos sem precisar exigir que a secretaria da escola assuma o ônus de uma dezena de ligações a cada mensagem minha, eu envio mensagens SMS para eles – não, eu não uso WhatsApp nem tenho um smartphone; e sim, podem me chamar de dinossauro. Foi através desse fato corriqueiro que me deparei com algo que me deixou desconcertado de início e que despertou minha curiosidade: a maneira como eles respondiam minhas mensagens.

Uma mensagem cuja resposta seria um simples ‘OK’ eles escreviam ‘Ook’; quando eles tomavam a iniciativa e me enviavam uma mensagem, eles a iniciavam com um ‘Ooi’, ‘Ooieee’ ou ‘Oláaaa’ ao invés de um simples ‘Oi’ ou ‘Olá’. Até o ‘Tchau’ virava ‘Tchauu’. Nas primeiras vezes achei que fosse um erro de digitação ou algo que saíra na pressa da resposta, mas conforme isso ia se repetindo e era usado por diferentes alunos de diferentes turmas, vi surgir uma espécie de padrão que me intrigou, de modo que resolvi questioná-los a esse respeito. Os resultados me fizeram rir tanto quanto me colocaram algumas hipóteses interpretativas que têm rendido boas horas de divagações e reflexões.

Quando perguntados a respeito do ‘Ook’, eles disseram que um simples ‘OK’ poderia ser interpretado como sendo rude, como quem diz ‘Ok’ de uma forma seca e quase grosseira. O mesmo se deu com o ‘Ooi’ e o ‘Ooieee’, os quais, segundo os alunos, denotariam sentido similar, pois ao alongar a saudação, eles deixavam claro ao interlocutor que era uma saudação efusiva, calorosa e sincera, ao invés do frio e quase a contragosto ‘Oi’.

A partir daí, a cada mensagem com um ‘Sim’ ou um ‘OK’ eu ficava pensando sobre os significados subjacentes, aquelas coisas que se lê nas entrelinhas, indo além daquilo que é imediatamente visível, palpável ou perceptível. Numa saudação constituída de duas ou três letras estava embutida uma maneira de lidar com convenções linguísticas como a semântica e a entonação, para não falar sobre os usos sociais da língua, da gramática e da ortografia.

A surpresa inicial foi seguida de uma curiosidade epistemológica cultivada e lapidada ao longo de alguns anos de investigação historiográfica, ao passo que busquei entender aquilo como um fenômeno humano. Isso se deu porque eu tinha, afinal de contas, recorrências suficientes para enxergar alguns delineamentos, e um conhecimento mínimo de mundo que me permitia cotejar aquilo para além de sua imediaticidade.

Primeiramente, dei aquele passo atrás para tentar olhar a coisa toda de uma perspectiva diferente, e nesse sentido tenho de dizer que foi mais fácil para mim, que não tenho o menor jeito com nada tecnológico – OK, um pouco de ranço também. O contraste desse comportamento com meus próprios usos da tecnologia foi o que me chamou a atenção num primeiro momento, e cabe ressaltar, preliminarmente, que os sujeitos dos quais eu falo são pessoas que já nasceram num ponto da história humana em que estar on-line já era possível em caráter permanente.

Por “on-line” me refiro não somente à internet, mas também aos smartphones e quaisquer outros gadgets que permitem a conexão constante, além, é claro, da telefonia móvel num sentido amplo. A vida dos meus alunos esteve desde cedo permeada desses objetos, os quais constituíam seu cotidiano com tamanha intensidade que comunicar-se com os outros através desses aparelhos – para citar somente um exemplo – era tão comum quanto lhes falar pessoalmente.

Como eles bem parecem ter percebido, a comunicação impessoal de SMS não permite que o interlocutor perceba qual é a entonação da voz, a direção do olhar, a emoção embutida na fala, o movimento das mãos, o arqueamento das sobrancelhas, a contração das pálpebras, o enrugamento da testa entre outros pequenos sinais que constituem a fala tanto quanto as palavras escolhidas. Uma das estratégias que eles encontraram para driblar a impessoalidade dessas conversas foi acrescentar um ‘o’ à palavra ‘Oi’ ou outro ao ‘OK’.

Embora eu acredite que uma boa conversa cara a cara seja mais enriquecedora em vários sentidos, não sou tão cegamente saudosista a ponto de querer ignorar o fato de que cada vez mais a comunicação impessoal faz parte da vida cotidiana. Portanto, antes de justificar flexibilizações de formalidades linguísticas e gramaticais ou condená-las de imediato, cabe-nos entendê-las como elementos que informam a historicidade de tudo aquilo que é humano.

Continuarei conjugando os verbos conforme manda a cartilha da norma culta, bem como continuarei agarrado aos acentos com afinco – em SMS ou não –, mas compreendendo ‘Oooi’s e ‘Ook’s como atitudes com uma interessante explicação, a qual, tenho certeza, toquei somente de leve.