Ano passado, ao ler o artigo “E então, quando vem o romance?”, de Marcelo Moutinho, praticamente abortei, pela metade, um texto que escrevia – aliás, o texto a seguir. Falar também sobre narrativas breves1 pareceu-me desnecessário, de tanto que gostei da análise de Moutinho (altamente recomendável).

Nela, o jornalista pensa o lugar do conto no Brasil e no mundo, a partir do assunto literário mais comentado daqueles dias: o Nobel de literatura concedido à contista Alice Munro, o primeiro dado a um prosador que não escreveu romance algum.

No texto, há uma citação que me interessa – uma declaração que utilizei como premissa para as leituras que fazia:

“Considero um equívoco começar a carreira com livros de contos, ou poesia, ou crônica. Esses gêneros não têm público e os livreiros começam a associar o nome do autor a fracasso de vendas”, afirmou Luciana Villas-Boas há três anos, quando ainda editora da Record, em entrevista à “Revista da Cultura”.

A fala de Luciana expressa um ponto de vista mercadológico e, nisso, provavelmente ela tem razão2. A edição inglesa da Granta, publicada no outono de 2012, está me encarando na biblioteca e não me deixa negar: o mundo quer saber do the best of young brazilian novelists3, não dos “melhores jovens escritores brasileiros”, tal como na edição nacional da mesma revista.

Mas não vim falar de mercado, de economia, de vendas – assim como, ao escrever sobre poesia, não tive intenção alguma de tripudiar, lembram? Eu vim falar de literatura. Como já disse em certa ocasião4:

É bom deixar tudo muito bem dividido na cabeça. As fofocas literárias do sábado são legais, mas não são literatura. Flip é legal, mas não é literatura. Conhecer (alguns) autores é legal, mas não é literatura. Resenhar livros é legal, mas não é literatura. Publicar é legal, mas não é literatura. Ver os amigos no seu lançamento é legal, mas não é literatura. Literatura é o elemento de presença mais constante na minha vida. (…) Literatura é o que eu levo a sério.5

A declaração de Villas-Boas, de alguma forma, aumentou minha vontade de unir, em minhas leituras, dois interesses: novos escritores (não necessariamente um critério etário: “novos” pode ser lido como “estreantes”) e contos. Não é fácil: autores novos não costumam ganhar vitrines, indicações entusiásticas dos livreiros ou resenhas de página dupla em revistas semanais. Contos, por sua vez, apresentam particularidades estranhas ao leitor acostumado a romances: “acabam rápido demais!” (nesse sentido, seriam menos recompensadores) e “são mais suscetíveis ao abandono!” (é mais fácil largar um contista após um texto ruim, do que um romancista após um capítulo enchendo linguiça6), duas justificativas recorrentes.

Meu problema é o seguinte: eu tenho uma queda por obras completas e pelo contemporâneo – nesse sentido, nada melhor do que descobrir como escrevia determinado escritor quando da sua estreia na literatura, ainda procurando seu estilo, sua voz7. Outro problema: ainda que eu seja um leitor de contos relativamente preguiçoso8, tenho tido boas experiências com o gênero. Sim, li muito Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu na adolescência, mas foram experiências mais recentes que retomaram meu gosto pela coisa. Se em 2013, Leminski levantou a bola da poesia, Lydia Davis fez o mesmo pelos contos, com seu Tipos de perturbação. Antes disso, também já tinha me empolgado com as seleções de contos da Não Editora – Ficção de Polpa (1, 2, 3, Crime! e Aventura!) e 24 letras por segundo.

Pois bem. Os livros de que falarei a seguir são todos de narrativas breves, escritos por autores estreantes9 no campo da ficção10, lançados por alguma editora – edições de autor são chatas de serem encontradas, uma dificuldade desnecessária ao projeto. Todos são de brasileiros11 não presentes na Granta 912. Pensei em organizá-los por ordem de preferência, mas não levei a ideia adiante.

Vamos à lista.

flavio torres

Capa-Monstros-fora-do-armário-ESTUDIOMonstros fora do armário

“O melhor livro brasileiro de 2012, lido no ano de seu lançamento”, segundo o blog o leitor comum – o meu blog, que anda meio parado, tadinho. Falar de Não Editora implica falar de design gráfico – meio como nos acostumamos a tratar os livros da Cosac Naify – e, nesse sentido, a estreia literária de Flávio Torres não poderia estar em melhores mãos: Guilherme Smee e Samir Machado de Machado (se este texto fosse uma receita, eu diria para você “reservar” esses nomes). A capa do Samir é assustadora, com destaque para a cabeça cortada da mãe, estilo Peanuts – corte que retira da imagem qualquer possibilidade apaziguadora. Já o projeto gráfico de Guilherme Smee deixa a leitura mais confortável, ao limitar a “mancha” do texto no centro da página13 – acredite, com os contos de Torres, você vai agradecer por esse pequeno “conforto”.

Os onze contos do livro são divididos em três partes: “Concepção”, “Gestação” (9 meses, 9 contos) e “Legado”. As páginas escurecem no decorrer da leitura (as do último conto são pretas, e as letras da cor original do papel pólen), como se dissessem: quanto mais perto de sair do útero, maior o terror14. Porque, afinal, os monstros do Flávio não são fantásticos, aqueles que se escondem debaixo da cama ou no guarda-roupas: a infância é dura pra caramba e a realidade é assustadora o suficiente.

Em vez de falar de ecos na linguagem, o que faria com que me estendesse demais15, finalizo dizendo que, se os contos continuam embrulhando o seu estômago, ainda que muitos meses desde a primeira leitura, deve haver algo de importante ali. E eu só precisei dar uma olhadinha em “Concepção” e “Legado” para me lembrar de toda essa sensação.

(Para saber mais sobre o livro, indico a resenha de Taize Odelli.)

Silente - Renato Tardivo

Silente 16

A 7Letras, uma das editoras mais acolhedoras para novos autores, fez 20 anos recentemente e foi tema de reportagem especial do Globo. Foi por ela que Renato Tardivo publicou seu Silente. Os contos do livro perpassam uma variedade de sensações e temas: cheiros, sonhos, relações familiares (estranho como homens e mulheres se relacionam com seus filhos, né?) e morte – essa danada, sempre à espreita. É visível que há toda uma preocupação do autor com que mergulhemos na confusão do inconsciente de seus personagens – e o choque deste com o nosso é capaz de produzir leituras interessantes.

Confesso que senti minha falta de bagagem durante a leitura, o que não é um problema do livro – que continua sendo bom, pois não é hermético – nem meu 17. É um caso parecido ao da hq Você é minha mãe, de Alison Bechdel, em que o leitor conhecedor da obra de Donald Winnicott se sente mais à vontade com os conceitos citados: muitas das nuances de Silente serão melhor aproveitadas por um leitor que entende de psicologia. Para este tipo de leitor, Silente certamente seria uma leitura imperdível.

(Para saber mais sobre o livro, indico a resenha de Gustavo Melo Czekster – que, aliás, me indicou o Silente e só não aparece neste post com seu O homem despedaçado porque já o resenhei no meu blog pessoal.)

gui smee

CAPA_DIVULGA_O_GUILHERME_SMEE

Vemos as coisas como somos

Chegou a hora de usar um dos nomes reservados acima: Guilherme Smee. Estava de férias quando o autor me contatou no Facebook perguntando se queria dar uma olhadinha no seu primeiro livro solo – eu já lera algumas coisas dele na coleção Ficção de Polpa, inclusive uma hq. Topei. O livro chegou quando eu estava em Porto de Galinhas: não tive outra escolha senão levá-lo para a piscina.

O título, parte de uma citação de Anaïs Nin18, é bem apropriado. Nos 17 contos, Smee nos leva para conhecer a vida dos outros19, através do olhar de personagens os mais diferentes, em cenários e situações as mais diversas – da antiga Grécia a um provador de roupas numa loja de departamentos. “Criatividade” foi a palavra em que mais pensei durante a leitura – como se o autor dissesse a todo instante “gente, olha o que eu consigo inventar”20.

Gostei de identificar três movimentos nos textos, algo que não perceberia se não tivesse feito uma leitura linear: há contos simples e individuais; há outros que, por apresentarem um caráter cíclico (o final casa com o início), podem levar a uma releitura sisífica, semi-autista, em um ciclo sem fim; e, finalmente, há aqueles cuja experiência de leitura interfere no conto seguinte – como se o conto não coubesse em si e transbordasse, respingando no próximo. Um exemplo disto se vê nos dois primeiros do livro, “Egotrip” e “Eu quero ser você”: parece haver um espelho entre eles, como já dá para notar a partir dos títulos. E, desde que li A página assombrada por fantasmas, tenho gostado bastante duns espelhamentos entre contos.

Esse frescor de quem ainda não se leva muito a sério21 era exatamente do que eu estava precisando quando li a obra: me diverti, me emocionei22. Para finalizar, eu apresentaria argumentos de como o livro não é apenas entretenimento etc., mas creio que isso seja uma tolice sem tamanho, como se houvesse problema em um livro almejar ser apenas entretenimento. Dá preguiça de gastar o meu latim nesse tipo de discussão.

Finalizo, então, dizendo que gostei bastante do último conto, mesmo que o título soe meio brega: “Sorria, embora seu coração esteja doendo”.

natercia-pontes

Copacabana Dreams

copacabana

Sei que já falei brevemente do livro de Natércia Pontes (escritora que, eu jurava, devia ser heterônimo de Tércia Montenegro, que devia gostar muito de variar o nome que usa nas obras), mas a questão é a seguinte: eu me recuso a fazer uma lista enorme dessas e não ter nenhuma representante feminina. Simples. Eu já mereço um beliscão por só apresentar uma, imagina se não a citasse? Tem a Luisa Geisler e a Carol Bensimon, mas ambas são grantescas. Tem a Assionara Souza (cujo Amanhã. Com Sorvete! já resenhei), mas infelizmente não li Cecília não é um cachimbo, sua estreia literária. Tem a Luci Collin, mas só li poucos contos de um de seus últimos livros.

Achei que não escreveria sobre nenhuma autora aqui até perceber que a estreia de Natércia Pontes, Az mulerez – livro cuja impressão e tour de lançamento foram financiados com a venda de um Gol –, era uma edição de autor. Copacabana Dreams foi o primeiro livro solo dela a sair por uma editora – e a moça sai logo pela Cosac Naify, pense numa metida. Não tenho intenção de me repetir, você pode ler um texto mais completo sobre o livro em “Brevíssimas impressões sobre aquela canção que você adorou”. E, para ler uma resenha bonita e com sustança, pode visitar o blog da Camila Kehl.

Camera 360

carnavalia

Carnavália

Tem quem descubra novos autores no suplemento literário e quem os conheça no meio da votação do muso da literatura contemporânea brasileira. Foi este o caso de Gabriel Pardal: assim, entrei em contato com seu Canibal Vegetariano, na internet, e corri atrás do Carnavália – “Reflexões poéticas a respeito da sociedade de consumo”, dizia a sinopse disponibilizada pelo sebo virtual. Eu poderia tê-lo citado no ensaio sobre minhas leituras de poesia em 2013: ainda que a maior parte dos textos não seja em verso, há livros inteiros do Arnaldo Antunes, indubitavelmente poéticos, escritos totalmente em prosa23. Foi uma escolha que fiz em razão do espírito mais narrativo de alguns textos, contos – mas admito que não seria a única análise possível.

Abro na página 15, que começa “Segundo boletins oficiais, agora é proibido cantarolar sambas de amor (…)”. Quero resenhar brevemente o livro, mas já estou na 18: “Quem poderá nos salvar?”. Sem sentir direito, já estou em “Corte de cabelo grátis só no hospício” (p. 29), em “Falar de coisa gostosa é falar de ________.” (p. 45), em “eu e minha namorada” (p. 54, que se espelha de um jeito muito legal na página seguinte), num conto reality-show (p. 76), em “Neil Armstrong disse ter visto a mais bela noite da sua vida. Quando voltou de viagem sua mulher o levou para o supermercado, em seguida jantaram no Mcdonalds.” (p. 90) – texto que dialoga bem com o do Yuri (“El laberinto de la soledad”), escrito por Eucanaã Ferraz. Quando vejo, reli tudinho, em vez de extrair a essência do livro e repassá-la para você. Desculpa.

Eu me sinto um hippie velho por ser tão avesso ao consumismo. Se não um hippie velho, pelo menos uma Cayce Pollard, protagonista de Reconhecimento de padrões, de William Gibson, que sente fortes enjoos com logomarcas. Tento não fazer disso um discurso, não jogar na cara de ninguém – afinal, às vezes sou eu que acabo cedendo a esse tipo de impulso, principalmente no meio de livrarias. Mas é legal ver uma obra bem realizada e pensada que aponte que não estou só nessa. Como o filme 1,99 – um supermercado que vende palavras. Como a hq Vitória Valentina, de Elvira Vigna. Como o romance Cloud Atlas, de David Mitchell. Como esses contos e poemas de Carnavália, de Gabriel Pardal.

caetano-galindo-foto-Marina-Pilato

Ensaio sobre o entendimento humano

capa_CONTO_Ensaio sobre o entendimento humano.inddA segunda edição do prêmio Paraná de Literatura definiu como vencedor da categoria de contos de Caetano W. Galindo. Sim, o cara massa que traduziu Ulysses, Infinite Jest e A trama do casamento, o mesmo que sempre tem umas reflexões interessantes sobre tradução e sobre a vida no Blog da Companhia, aquele cujo nome faz duvidar da teoria de que tradutor é para desaparecer no texto: tenho certeza de que não sou o único que comprou um livro só porque foi traduzido por ele24. O título, Ensaio sobre o entendimento humano, é o mesmo de obras de Locke e Hume.

Gostei bastante de “Livre-arbítrio” – o tema do suicídio me interessa – e da série “Investigações filosóficas” – em especial da parte 2. Os temas que encadeiam os contos – entendimento humano, empatia etc. – me atraem. O meu problema é com a linguagem. Digo, adoro o sotaque curitibano do autor e já me emocionei muitas vezes com a persona e o estilo adotados em suas colunas na internet. Mas ver o mesmo estilinho e linguajar (a concisão!) adaptados para vários personagens, cenários e situações foi algo meio constrangedor. Eu até leria um livro de ensaios assim. Contos, não.

Deu vontade de reler Hotel mundo, de Ali Smith e traduzido por ele, só para esquecer disso.

rafael-sperling

festa-na-usina-nuclear-58855_203x300

Festa na usina nuclear

Uma ou outra pessoa, ao verem no Twitter que eu leria Festa na usina nuclear, de Rafael Sperling, me alertaram: é bom, mas não é bem a sua pira.

Eu gostei de como o autor escolheu alguns contos para fazer séries deles, “Um homem chamado Homem” e “Amores efêmeros”. Gostei muito da frase autorreferente “É por isso que não compro livros de autores novos desconhecidos, nada faz sentido.”, do conto “Manoel, se hoje fosse amanhã”25. Gostei mesmo foi da preocupação em mostrar como as coisas não são evidentes: contos como “Manual de comportamento” e “Maneiras de se quebrar um ovo” questionam o que seria óbvio demais. Este, creio, é o principal trunfo do livro.

Mas, como me alertaram, o livro “não é bem a minha pira” – não sei exatamente a razão de terem falado isso, mas a questão é que as pessoas acertaram. É como saber apreciar a qualidade de um bom quadro, mas não se relacionar com ele. Pouco depois, li As coisas, de Arnaldo Antunes, que se detém sobre um dos temas de Festa na usina nuclear – há algo óbvio demais? – e aí, sim, encontrei uma obra que era mais a minha cara.

(Para saber mais sobre o livro, recomendo as resenhas de Taize OdelliFelippe Cordeiro.)

21cea58d23abe4845fa7a0206ee8e7a23

Duas novelas

Falei muito de contos e deixei pouco espaço para outras narrativas breves, como a novela. Ela pode ser confundida com um conto muito longo ou um romance muito curto. Só não vale confundir com telenovela.

Às vezes, a ficha catalográfica determina que estamos lendo um romance, mas o número de páginas nos permite chamar o livro de novela – e não há problema algum nisso. É o caso de Gado novo, de Guille Thomazi – mais um caso em que a 7Letras revela novos e bons autores. Em cada um dos cinco capítulos da obra, temos acesso a um ponto de vista diferente acerca da morte brutal de uma menina no meio de um campo. O que causa certo desconforto: há um descompasso entre o desenrolar da história, a linearidade temporal, e o que é do conhecimento dos personagens. Um desconforto bom, creio. As frases secas (às vezes, cairia bem um “molhinho”, como disse Elvira Vigna no Paiol Literário) não revelam mais que o necessário. Um bom domínio da técnica é o que demonstra o jovem autor, nascido em 1986.

professor-350

Na orelha de O professor de botânica, de Samir Machado de Machado26, o resenhista questiona se está diante de um conto longo. Da dúvida, podemos chamar de novela, sem problema. Eu me interessei pelo livro justamente pela razão exposta num dos primeiros parágrafos: como gosto de obras completas e todo mundo me falava “Tuca, não sei não, acho que você vai gostar de Quatro soldados”, resolvi que leria antes seu primeiro livro solo27.

Na novela, acompanhamos o maçante professor de botânica Eduardo Rotgeller (o sobrenome parece pedir um apelido desagradável) em uma expedição por uma reserva ecológica, junto com um de seus rivais na academia e dos bolsistas estagiários de ambos. Próximo a se aposentar e sem nenhum indicativo de que ficará para a posteridade, ele se agarra a qualquer resquício de esperança de dar nome a uma espécie de orquídea ainda não descoberta. É como dizem: a esperança é a última que morre. Antes dela, morrem personagens de livros.

Evito spoilers: o suspense acompanha o leitor até as páginas finais. Só sei que a novela criou uma baita expectativa para o romance lançado em 2013.

* * *

Para arrematar tudo, uma citação da Vanessa Barbara – sua resposta para a pergunta “Qual dúvida ou certeza guia o seu trabalho?”, feita pelo Jornal Rascunho:

A certeza de que depois deste texto eu posso escrever outro, depois deste livro um outro, e nada é tão importante para ser levado miseravelmente a sério, como se fosse uma questão de status e posteridade.

“Isso é só o começo”, como canta Lenine em uma canção. Os escritores tanto podem decidir por uma mudança abrupta de temas e estilos, como podem investir em seus pontos fortes, naquilo que foi bem recebido por público e crítica. Boa parte dos autores citados, estão aprontando coisas novas: Natércia Pontes está preparando mais um livro de contos; Renato Tardivo acertou com a Ateliê Editorial para lançar este ano um de mini e microcontos; Rafael Sperling pretende publicar mais um livro de contos pela Oito e Meio, ainda este ano; está previsto para o primeiro semestre de 2014 a primeira novela de Guilherme Smee, Loja de conveniências, a substituir Joia Rara no horário das seis ser lançada pela Não Editora; Gabriel Pardal, enquanto participa das gravações do filme Tropykaos, busca uma editora para as pinturas, poemas e pensamentos de Canibal Vegetariano e prepara uma coletânea de textos de não ficção, que incluirá artigos escritos para o Ornitorrinco.

Alguns deles já publicaram novas obras em 2013. Rodrigo Rosp, citado numa das notas de rodapé, lançou o divertido e woodyallenesco Fingidores pela Não Editora. E, para demonstrar o quanto se pode esperar de um autor que estreia na literatura com narrativas breves, Samir Machado de Machado publicou o romance Quatro soldados. E Quatro soldados foi “apenas” um dos melhores livros lançados em 2013 – se não acredita em mim, só pesquisar em diversas listas literárias da blogosfera. Não “um dos melhores livros brasileiros lançados em 2013” nem “um dos melhores livros brasileiros lançados por novos autores que estrearam na literatura com narrativas breves publicados em 2013”: você leu certo, ele foi um dos livros do ano.

Se o que o interessa é literatura – não mercado literário, vendas e as fofocas do sábado – e você gosta mesmo é de escrever narrativas breves, o meu conselho: vai lá. Tanto autor bom começou assim: nada impede que você seja mais um.

  1. Novelas (aquela categoria que ninguém sabe definir direito, intermediária entre contos e romances) e contos são bons exemplos.
  2. Moutinho segue: “A declaração apenas explicita, sem eufemismos, o juízo que parece majoritário entre os editores. A desvalorização do conto nada teria a ver com qualidade, assumindo viés meramente mercadológico. ‘É a economia, estúpido’, diria James Carville.”
  3. “Os melhores jovens romancistas brasileiros, em tradução livre.
  4. Foi na coluna “If you like it then you should put a rainbow on it.
  5. Acho que vou tatuar isso… na minha carteirinha da biblioteca!
  6. Tomemos o exemplo de As esganadas, de Jô Soares. O livro é bem esquemático (não sei se seus livros vão piorando gradativamente ou se é minha idade acumulando que os torna menos interessantes) e seu humor não me convenceu muito (eu ficava pensando: “aqui era pra rir, mas não rolou… aqui também, mas nem a pau, Juvenal”), mas você segue lendo, porque (1) o livro é ágil, (2) a leitura não é complicada, (3) você tem que devolver logo pro Gui e, (4) se já leu metade, não custa nada ir até o final. Desse jeito, chega-se ao penúltimo capítulo, DIVERTIDÍSSIMO, em que o livro vale a pena!
  7. Imagina o que seria da Granta, por exemplo, sem os livros de contos que foram as primeiras publicações de seus autores? Michel Laub, muito antes de começar a “trilogia sobre os efeitos individuais de catástrofes históricas iniciada com Diário da queda”, começou sua trajetória com Não depois do que aconteceu – um bom livro. Daniel Galera, muito antes do premiado Barba ensopada de sangue, deu seus primeiros passos com Dentes guardados – outro bom livro. Luisa Geisler não ganhou apenas o prêmio SESC de Literatura com Quiçá, seu romance; no anterior, ela tinha ganhado o mesmo prêmio, na categoria “Contos”, com Contos de mentira – mais um bom livro. Carol Bensimon estreou na literatura com Pó de parede, um livro melhor que seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água. O primeiro livro de Antônio Xerxenesky – Entre, livro constrangedoramente ruim – daria razão a Luciana Villas-Boas, se o autor não tivesse, logo depois, divertido o público com Areia nos dentes e dado mais uma chance aos contos no ótimo A página assombrada por fantasmas. Sim, ótimo: chamo para um duelo quem discordar. Há alguma moral na história? Deve haver. Está na ponta de língua, pera.
  8. Meu TOC me impedia de abandonar um livro antes do fim (mesmo que, conto após conto, não houvesse prenúncio de melhora) e me pedia para lê-los na ordem sugerida pelas páginas. Daí, a preguiça. Até que um amigo (chamemo-lo K.: ele é fã da Alice Munro e confessou que, se escrevesse, gostaria de fazê-lo como ela) me deu duas dicas preciosas: ninguém precisa ler todos os contos de um livro (ele disse isso num dos dias em que quase me emprestou Felicidade demais, como incentivo; não peguei emprestado, mas admirei o desprendimento); e, sendo assim, você poder ler o quiser, na ordem em que bem entender. Simples. O TOC persiste, mas admito que estou menos quadrado em minhas leituras: adoro começar pelos contos mais curtos!
  9. Estreia solo: não vale participação em antologia etc..
  10. O que me levou a eliminar da lista, por exemplo, o razoável O laçador de cães, de Luiz Andrioli – ele já tinha publicado um livro infanto-juvenil. No geral, concordo com a crítica publicada no Rascunho, apenas ressaltando que eu gostei pra valer do último conto do livro. Pelo mesmo motivo, não falo de As certezas e as palavras, de Carlos Henrique Schroeder, que só recentemente descobri não ter sido a estreia do autor – O publicitário do diabo, novela que foi sua primeira publicação, preenchia os requisitos, mas não a li, infelizmente. Já Rodrigo Rosp não aparece por aqui pois já resenhei seus dois primeiros livros no meu blog e não gosto de ficar me repetindo – a não ser no caso de obsessões pessoais, tais como Noites de alface, Garota exemplar, Cloud Atlas, Quatro soldados, Cadê você, Bernadette? etc.
  11. Até porque se um livro de contos é bom (e vendável) o suficiente para ser lançado num mercado romancêntrico como o brasileiro, mesmo sendo de um autor estreante, ele já vai muito bem obrigado.
  12. Estes também já estão muito bem obrigado.
  13. Mais sobre detalhes sobre o design do livro, você pode ver no blog Sobrecapas.
  14. Uma das minhas regras é: se é superinterpretação, vai pra nota de rodapé. O projeto gráfico que limita o texto a um retângulo central nas páginas lembra o de Bonsai, aquele que todo mundo adorou. Se no livro de Zambra forma-se um bonsai literário na página, no livro de Torres, creio, o projeto dialoga com o conteúdo do livro de duas formas: criou-se uma porta de armário na página (aquela que os pais abrem para mostrar pras crianças que não tem nada lá – só que, dessa vez, há algo lá); além disso, o retângulo forma uma espécie de útero para os contos – algo falsamente acolhedor, como se descobre ao ler cada um deles.
  15. Só peço que reparem, entre outras coisas, em como os dois contos “da ponta” se iniciam, em contraste com os contos do miolo, da seção “Gestação”.
  16. Descobri depois que o livro não foi a estreia do autor – eu podia jurar que era. Já tinha escrito os dois parágrafos e finalizado o texto. Desculpa, mas sou contra jogar trabalho fora: mantive, portanto.
  17. Rapaz, um livro tem que ser MUITO bom (1) para eu querer ler outras coisas a fim de entendê-lo melhor e (2) para eu ficar de mimimi por não ter uma enciclopédia na cabeça e pelos livros que li em detrimento dos que não li. Isso é coisa pra adolescente ou pra garoto prodígio – eles que fiquem com sentimento de culpa.
  18. “Não vemos as coisas como são: vemos as coisas como somos”.
  19. Se não viu esse filme, A vida dos outros, veja!
  20. A comparação mais exata – e pouco acadêmica – à qual cheguei foi: a quarta temporada de The O.C., a última do seriado. No final da terceira, o criador da série resolveu matar uma das protagonistas – Marissa, a alcóolatra chata. Infelizmente, a moça tinha fãs e audiência caiu drasticamente. Sabendo que não haveria uma quinta temporada desse jeito, Josh Schwartz esbanjou criatividade em todos os episódios que ainda teria: teve personagem em coma vivendo uma realidade paralela, teve personagem fraquinha que virou musa nerd, teve luta (e luto) livre e teve pornô com palhaços. Resultado: pouco depois emplacou duas novas séries, Chuck e Gossip Girl. Uma história de sucesso.
  21. Sabe a galerinha do Juízo Final da Literatura? Eles se levam bem a sério, né? Bom pra eles!
  22. E tive de me jogar da boia e cair na piscina uma hora ou outra para não passar vexame.
  23. Além disso, o projeto gráfico separa os textos com algumas manchas de tinta, semelhantemente ao que se faria em 2013 no Toda poesia do Leminski. Se eu tivesse falado do livro enquanto escrevia sobre poesia, dava pra comparar como as manchinhas do Leminski pareciam culminar no verso “eu assino”, manuscrito, ao contrário das do livro do Pardal, que culminam nessa imagem.
  24. Full disclosure: ele também foi meu professor no mestrado (as aulas dele eram as que mais me animavam no primeiro semestre) e eu gosto bastante dele.
  25. Depois de ler o livro, vi que a frase estava na orelha do livro, assinada por André Sant’anna. É por isso que não leio orelhas antes de ler os livros, às vezes elas entregam o que há de melhor na leitura.
  26. E você achou que não usaria o segundo nome que eu falei para reservar, né?
  27. Full disclosure: não foi apenas isso. Eu simplesmente precisava comprar um livro cuja capa simplesmente não exibe logo de editora, nome de autor e sequer o título. Precisava. Aliás, a capa é do próprio autor e é capaz de que as pessoas que curtiram as ilustrações antigas de Quatro soldados também gostem das d’O professor de botânica.