Como desconheço se outras pessoas fizeram o mesmo, para todos os efeitos fui o único que viajou de outro estado para ir à primeira festa de aniversário do Posfácio. A pergunta: qual era a necessidade disso?

Há na viagem um laivo de impulsividade. Tenho cara de quem precisa de um convite em duas vias, reconhecidas em cartório e entregues com sete semanas de antecedência. E, bem, não é só a cara: esse cabra sou eu. Sabendo disso, o editor convidou-me meses antes. Mas também posso ser o sujeito que desiste na última hora. Porque tinha muita coisa pra escrever, porque nem bem me recuperara de uma virose braba, porque ficar em casa é muito gostoso. “Bem que eu queria ir“, expressão que antecede as desculpas mais esfarrapadas, podia ser o título dessa história.

Contudo, na véspera, comprei a passagem e fui – eis o vestígio de impulsividade, tão insignificante quanto a possibilidade de traços de leite num pacote de Oreo. E isso tem muito a ver com uma vontade crescente de desvirtualizar as coisas1.

Gosto muito das redes sociais, do smartphone, de carregar a galera no bolso para qualquer lugar e das conversas que nunca acabam, pausam apenas. Gosto de ver quase 200 curtidas numa coluna sobre poesia, 500 numa entrevista com o autor que estudo e a citação de uma coluna minha na do Daniel Galera – tudo isso inesperado, dessas surpresas que a internet nos reserva. Não quero fazer distinção mundo virtual x mundo real, ainda que o verbo “desvirtualizar” pareça apontar isso: é tudo vida real, não importa o meio.

Talvez seja resquício dum tempo que passei offline – o celular na assistência técnica –, mas tenho prezado pelos momentos de proximidade aos amigos. Neste final de semana, estive presente quando um amigo finalmente apresentou a namorada a um casal de amigos, abracei outro que passou na seleção de trainees da Folha, almocei com um livreiro com quem gosto de conversar tarde da noite, fui amassado por uma moça com tatuagem de matrioshka no braço, conversei com um dos comentaristas mais assíduos do blog e passei um dia inteiro, quase sem querer, com uma amiga que não via desde que ela me hospedou em Paris. E é outra coisa a comunicação sem o intermédio de gifs e links, do Whatsapp ou do chat do Facebook.

É outra coisa, mas não deixa de preocupar um pouco. Porque uma coisa é ver as fotografias das pessoas felizes numa festa. E outra é ver o momento em que são tiradas. Você se lembra de uma coluna da Carol Bensimon. E dos personagens de Eeeee Eee Eeee, de Tao Lin. E dos diálogos que inventa com o amigo quando vê pessoas entediadas e entediantes mudarem os semblantes por dois segundos para a foto que causará inveja a quem ficou em casa – na hora, pelo menos; depois a linha do tempo virtual apaga os vestígios, a serem resgatados pelos stalkers vindouros. E das vezes que um bom momento foi arruinado pela necessidade de ser registrado.

É como se felicidade não coubesse na fotografia: tanto é difícil acreditar no riso dos outros quanto você chega a se questionar se acreditarão no seu sorriso. “Eu estava feliz nesse momento?”, você se pergunta e não consegue lembrar.

Meu problema é: mesmo com todo esse discurso, acredito na felicidade capturada pelas câmeras. Quando costumava ficar mais no meu canto, invisível-wallflower2, era um daqueles chatos que tiram fotos espontâneas dos outros, sem autorização ou pose: um gesto pela metade, uma expressão surgindo no posto, a boca no meio de uma palavra ou uma coxinha no meio da boca. “Apaga!” é a palavra de ordem. Exceto quando não há dúvidas de que se registrou a comunhão de pensamentos, um brilho diferente nos olhos, aquele sorriso de quem acabou de gargalhar e ainda está recuperando o fôlego.

Sei que não havia necessidade alguma de despencar de Curitiba para estar no aniversário do Posfácio. Mas também sei que nem tudo de bom é necessário – e suspeitava que desvirtualizar a festa seria uma boa.

E foi. Muito.

Sabendo da dificuldade de se obter uma foto espontânea, um clique acidental ou espião, e de se capturar a felicidade em uma fotografia3, eu não poderia ter ficado mais satisfeito com a fotografia a seguir. No meio de uma gargalhada. Uma boa gargalhada. Desnecessária, para os mais moderados que seguem estritamente as regras de etiqueta, mas não para quem concorda com o Shrek: melhor pra fora do que pra dentro. E que serve de resumo pessoal da alegria da noite.

Ver a foto em conjunto com as outras do evento é quase uma garantia de que não haverá dúvidas futuras: naquele momento, fomos felizes, sim.

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Agradecimento especial à Aninha, por mandar as fotos que ilustram o post

 

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Três coisas memoráveis:

* Coxinha de abóbora com carne seca.

* Taize, a gata da literatura, sendo representada por… uma gata de pelúcia nas fotos.

* Cabelos se soltando.

  1. Não é desvirtuar, é desvirtualizar mesmo. O verbo não deve existir, assim como é possível que exista uma boa alternativa no dicionário, mas vou de desvirtualizar mesmo.
  2. “He’s a wallflower. You see things. You keep quiet about them. And you understand.” Stephen Chbosky, em The Perks of being a wallflower, ou As vantagens de ser invisível.
  3. Ou, mais difícil ainda, de ser eu o fotografado e não o fotógrafo.