Você já teve um melhor amigo imaginário? Eu não. Tive famosos imaginários. Geralmente algum personagem, ator, atriz ou desenho figuravam como meus amigos de brincadeirinha. Eles se escondiam na parede e eu demorava para convencê-los a sair do lugar e, quando conseguia, era o único a enxergá-los, o que levou muitos membros da minha família a me olhar como um desajustado falando sozinho.

A grande verdade é: todos precisam de melhores amigos. Todos nós precisamos de outra parte, outro ser, para cumprir o papel de ouvinte. Eu não falo de amigos confidentes. Daquele vizinho que cresceu junto com você e inevitavelmente hoje é o seu melhor amigo. Também não falo daquele amigo de colégio que sempre ouviu suas mazelas e te ajudou nos momentos difíceis, como também esteva presente em grande parte da diversão. Não estou aqui para fazer uma homenagem aos meus amigos como se ao fundo tocasse “Why Can’t We Be Friends”.

Um bom exemplo de melhor amigo é Chewbacca. A única pessoa no universo capaz de traduzir para os espectadores e amigos o que o Wookie fala é Han Solo (talvez C3PO, mas ele não é bem uma pessoa)1. Eles são melhores amigos. E o que é um Wookie? Apenas um cão grande e birrento. Wilfred, seriado de 2011, apresenta uma visão de como Han vê Chew. O seriado leva o nome do cachorro de Ryan (Elijah Wood) que, diferente de qualquer bichinho treinado para deitar a cabeça para o lado ou emitir sons engraçados quando algo acontece, parece ser uma pessoa de verdade: fala, anda, dá conselhos. O único detalhe, peculiar, é o de estar sempre com uma fantasia de cachorro2. Somente Ryan vê Wilfred desse jeito, todos os outros personagens o veem como um simples cão arruaceiro. Configura esquizofrenia.

WILSON!

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O que isso te lembra? Talvez, o Sr. Wilson (imagem). Não. Vamos falar da bola de vôlei de O Náufrago. Qual o papel de Wilson? Ele é o melhor amigo do personagem de Tom Hanks durante seu exílio em uma ilha. Ao longo de quase metade da projeção, Hanks conversa, debate, briga, se desculpa e chora com a bola como se aquele fosse seu melhor amigo. E quando resgatado, Wilson fica para trás, como se o protagonista deixasse seu amigo no mundo imaginário e voltasse à realidade. Os melhores amigos são tão amigos que são capazes de matar, como Christine – O Carro Assassino, ou causar grandes problemas, como o tapete do Dude em O Grande Lebowski.

O papel de cachorro nas vidas de personagens queridos. Quem teve um laço com algum bichinho de estimação e o perdeu depois de anos de convivência sabe como é ter um melhor amigo não humano. Esse tipo de amigo é um dos maiores artifícios das narrativas, ou de como contar uma história.

Quando lhes falta um cão, uma bola, um wookie ou um coelho3 no cinema é comum personagens quebrarem a quarta parede para conversar com o espectador. Somos seus amigos de um universo paralelo e tridimensional. Somos os confidentes de Ferris Buller, Alfie – o sedutor (de Michael Cane e de Jude Law), Edward Norton em Clube da Luta – esse bem mais esquizofrênico, pois além de conversar conosco ainda pensa que tem um amigo chamado Tyler Durden –, Amélie Poulain, algum-judeu-neurótico-de-Woody-Allen e tantos outros.

 

 

Esse artifício de narrativa deve servir: a) para não considerarmos o protagonista como um simples louco varrido; b) não nos enchermos com monólogos expositivos; c) não nos enchermos com off’s expositivos, no caso do cinema. Ao depositar confiança em um objeto, ou no próprio espectador, criamos simpatia por essa pessoa e podemos entender seu drama, ainda que compreendamos que há traços de loucura nisso. Mas creio que os espectadores simplesmente não compram quando um personagem fala apenas consigo mesmo (como vilão de telenovela) ou até com um espelho. Há exceções, como Godard, que adora quebrar a quarta parede para deixar quem assiste desconfortável4.

Poderíamos supor, então, que a voz narrativa de um livro busca no leitor seu melhor amigo? Ou seu amigo imaginário? Fala, descreve, conta minúcias, segredos, muitas vezes autobiográficas, mas nunca aguarda uma resposta de quem o está lendo (ou ouvindo). Seríamos nós, caros e baratos leitores, os Haroldos desses esquizofrênicos mestres da palavra? Uma correspondência publicada em 300, 400, 500 páginas sem um destinatário exato, ou seja, qualquer um de nós? O silêncio amigo e atordoante de  Elizabeth Vogler para nossos autores?

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Você, caro ou barato leitor, pode afirmar que nunca criou simpatia por tais pessoas que falam consigo mesmas através de objetos, animais e espelhos5. Porém, não é incrível, e comum, o número de pessoas que falam sozinhas pela rua? Algumas criam até vozes para diferenciar-se do seu próprio receptor, outras nos enganam por culpa dos fones de ouvido. Há também pessoas que dialogam dentro das suas cabeças, entre pensamentos e lembranças – no que chamam por aí de palácio da mente6 – para resolverem dilemas, evitarem discussões ou emitir uma opinião (se bem que umas são assim pela pura vergonha de falar para mais de duas pessoas). O famoso pensar antes de falar é mais “discutir-comigo-mesmo-me-colocar-na-situação-e-ver-se-vale-a-pena”. E você ainda culpa a sua avó por dar boa noite para o William Bonner.

Onde quero chegar?

Bom, até essa coluna ser publicada, estou apenas falando comigo mesmo. Entre ser um colunista de retóricas ou um louco de rua recitando a Bíblia, prefiro a primeira. Por quê? Me respondam vocês.

  1. Ignorei a nova trilogia e aquela tentativa desesperada de agradar fãs enfiando o Chew no Ep III.
  2. Vocês podem também lembrar do Lester de O Mundo de Beakman.
  3. Alô Donnie Darko e Harvey.
  4. Funny Games, de Michael Haneke, também faz isso.
  5. Taxi Driver.
  6. Sherlock, de Benedict Cumberbatch.