Eu quero ser o livro favorito de alguém. A coisa que eu mais desejo é sim ser o queridinho de uma pessoa, aquele que você vira a página com a ponta dos dedos pra não machucar as folhas. Mesmo que por um mês, só até a próxima leitura ou sendo eterno enquanto o parágrafo de clímax durar. Quero que alguém releia um trecho meu e me feche, olhe pro horizonte e fale ao vento seu equivalente pessoal e impactante de “caraio”.

Esse desejo é cabreiro. Literatura é a coisa mais sobrenatural de que se tem notícia. É a sua estadia em outra pessoa. Coisa mais forte que possessão, porque não há padre que tire a letra dali. A palavra que sai de você é a que chega no leitor. É uma loucura.  É extasiante. É maravilhoso – e um pouco psicótico – você ter o poder de ressoar na cabeça de alguém.

Mas ainda não basta. Tem que ter essa pegada física do livro. O leitor tem que ver e tocar cada uma das suas linhas, passar o dedo nelas. Carregar o seu peso. Você vai andar com ele no ônibus apertado, vai contar a história no seu ritmo particular. Vocês vão jantar juntos. Ele vai sonhar com você enquanto você o observa ali da cabeceira. E vai ser foda (e um pouco psicótico, novamente).

Conheci gente que escreve sobre todo tipo de coisa,  isso considerando apenas os últimos meses em que participei da Oficina de Criação Literária do Marcelino Freire. Essas pessoas falam sobre o Homem Contemporâneo e a Cidade Grande, o Homem Contemporâneo e o Amor poliamor meio amor complicado amor, o Amor e o Amor, O Tudo e o Nunca Mais, o Contemporâneo e a Metáfora bonita e bem empregada, O Parnasiano impecável e acima de tudo.

Eles são bons. Muitos deles são estrondosamente bons. Bons pro mercado? Foda-se. Bons para serem os best sellers brasileiros? Vai saber. Agora, certamente bons pra serem o livro favorito de alguém. Isso eu digo que sim. Todo mundo que tem uma história pra contar tem esse potencial.

Talvez nenhum deles, e mesmo eu, jamais termine um livro. Outros, que já publicaram, talvez não publiquem nunca mais. Pode ser que a gente acabe contando pra sempre, num balcão de bar, sobre o projeto que está engavetado “mas que vai sair um dia quem sabe”. Com esse destino mental piscando na minha cabeça durante a última semana, fiquei desesperada.

Terminada a oficina, percebi que o meu problema, e o de muitos  outros  amigos, é o medo da responsa, de simplesmente não ter o que falar na escrita, ou ser uma grande fraude e então ser recusada por todas as editoras do mundo, do universo e além. Também tinha o pavor de alguém gostar e pedir por mais e eu não ter. Ainda tenho pânico toda semana quando publico aqui. Vivo com isso toda vez que alguém me conta ou manda mensagem me elogiando. Imagine então quando escrevo na pretensão de ser um livro, ou pior, o livro favorito de alguém. É um medo que trava.

Minha sugestão pra mim mesma e para todos os que são um pouco psicóticos e desejam um lugar na cabeceira é, pelo amor de tudo, façam algo. Escrevam pras editoras e, se recusados, se autopubliquem. Se faltar verba, imprimam vocês mesmos com a impressora da firma, em uma noite de ousadia, e vão vender/doar seus exemplares no vão do Masp ou na ponte da Flip. Se tempo for o problema, usem panfletos, micropapéis. Escrevam à mão e mostrem pra um desconhecido.

Façam algo. Eu não preciso dizer sobre os grandes autores de todos os tempos que começaram assim, porque nós não queremos ser grandes autores. Queremos ser o livro favorito de alguém. Precisamos encontrar essa pessoa.

Robert Bréchon já disse: “Os escritores profissionais, cujo trabalho é instruir, informar ou divertir, dirigem-se hoje a um ‘público-alvo’, talvez depois de feito um estudo de mercado. Mas os outros, os autores de obras de criação pura, de livros inúteis, os poetas? Por que, para quem escrevem?”. Vamos escrever pra ser em qualquer outro lugar que não o nosso corpo. Para qualquer outra pessoa que não nós mesmos.