A primeira coisa que chama a atenção em Nebraska é o vazio. Mesmo nos closes há sempre um espaço não preenchido, uma falta que circunda o rosto do personagem colocado em primeiro plano. Nos planos abertos tudo é espaço, vazio, e um personagem pequeno e solitário na parte inferior da tela. Falta som ambiente ao filme, o silêncio soa artificial, opressor, vazio.

É óbvio dizer que Nebraska é, então, um filme sobre o vazio. Sobre aquilo que falta e que os personagens passam o filme, e possivelmente a vida, tentando repor. Mas há muito pouco de óbvio no longa de Alexander Payne.

Payne é um diretor curioso: é autor de filmes pequenos, despretensiosos, muitas vezes de uma leveza singela e que, estranhamente, sempre chegam às grandes premiações. Foi o caso de Sideways e Os Descendentes. Raramente são favoritos, mas de forma quieta, quase oposta às grandes campanhas que dominam a temporada de prêmios, impõem-se como notáveis.

Nebraska é o menor, mais discreto e melhor desses três filmes. Filmado em preto e branco, ele acompanha a curta, e falha, viagem que David Grant e seu pai empreendem de Montana a Nebraska. Woody Grant, um velho alcóolatra e com Alzheimer, recebe uma carta claramente falsa lhe dizendo que ganhou um milhão de dólares, e David, contrariado pela mãe e o irmão consideravelmente mais sensatos, decide levá-lo.

O maior mérito do filme é não transformar uma tentativa obviamente patética em grande metáfora sentimental. David sabe perfeitamente que não é sobre o prêmio, é sobre um homem velho e sem qualquer perspectiva, mas que precisa continuar por aqui mais alguns anos, enquanto tudo se torna irremediavelmente tedioso e vazio. Ele fala isso mais de uma vez e confessa que tudo que está fazendo é distrair o pai por alguns dias. Não espera receber uma revelação, consertar a relação estremecida ao longo dos anos ou mudar de vida. Apenas não consegue ser frio suficiente para negar o pedido de um velho doente.

Nebraska não é um filme sobre grandes segredos familiares, grandes brigas e grandes reconciliações. É sobre pequenas informações esquecidas, desentendimentos crônicos e um momento de conexão. Sobre o material real da vida familiar, sobre as sutilezas que se acumulam nas pessoas e tornam as famílias o que são.

Não há um único momento de revelação, mas narrativas que se acumulam e vão se encaixando, devagar, com delicadeza. O quadro completo nunca é pintado, os personagens nunca são desnudados diante do espectador, mas ao final do filme a sensação é de conhecê-los profundamente, ou ao menos, de ter intuído suas personalidades.

Esse recurso, mais do que enriquecer um roteiro simples, respeita o espectador e a humanidade dos personagens. Payne acredita na sensibilidade daquele que o assiste, na possibilidade de seu espectador montar histórias na sua cabeça, de imaginar, raciocinar. É um tipo de respeito raro no cinema hollywoodiano atual. Ele também faz um filme sobre seres humanos, nada admiráveis, nada especiais, sem tragédias maiores do que a de milhares de pessoas. Os conflitos são pequenos, mas profundamente doloridos, como os de qualquer um.

Humanidade e sutileza também são as chave das atuações de Nebraska. Bruce Dern entrega uma interpretação que é toda contenção, desencontro entre vitalidade interna e decaimento do corpo. Existe algo de selvagem em seu Woody Grant, na fala e no olhar de um homem que mal consegue se mexer. Em contraponto a seu marido preso em si mesmo, June Squibb é expansiva, brilhante, carismática e engraçada. Por trás da velha Kate Grant é possível enxergar que talvez ela não esteja exagerando ao dizer que 40 anos atrás todo homem da cidade queria levá-la para cama.

A sombra do passado que se pode ver no presente é outro tema do filme: a guerra da Coreia nos veteranos, a crise econômica em um país que já foi “a terra das oportunidades”. Ao presente falta algo, alguma coisa foi perdida pelo caminho e os personagens mal percebem isso, estão todos vivendo em planos compostos de grandes espaços vazios.

A fotografia preto e branca altamente contrastada realça essa ideia dos lugares de sombra, de vida empalidecida , de onde toda cor foi retirada. Entretanto, são belíssimos os planos de Payne e o jogo de luzes que os acompanha. De forma controlada, minimalista, Nebraska tem uma estética que faz lembrar mestres do preto e branco como Sven Nykvist e por que o monocromático pode ser tão útil a filmes que são apenas o estudo de rostos e almas.

Pois Nebraska é isso, o estudo de rostos e almas. Mas rostos e almas pequenos, comuns, ordinários e que nem por isso rendem um filme menos fascinante.