Tem quem leia. Tem quem leia andando. Tem quem leia andando e ouvindo música ao mesmo tempo. Não recomendo esta última situação: o risco de ser atropelado é imenso. Só faça isso em calçadas longas, sem rua alguma que as divida. Tem quem ache que ler com um disco tocando já é viver perigosamente o suficiente.

Não é todo mundo que consegue ler e ouvir música ao mesmo tempo. Tem quem se distraia. Tem quem prefira dançar e jogue o livro de lado assim que a música começa. Tem quem ache uma falta de respeito com o livro (e o narrador (e o autor)) que o cérebro não esteja 100% voltado ao livro. Tem quem não goste sequer de que o livro cite constantemente canções que ele(a) desconhece – “se para o livro ser entendido, eu preciso conhecer tais discos, esse não é um bom livro”.

O bom da internet é que nela você encontra de tudo. Há, por exemplo, um projeto de uma editora chamada Mojo Books. Conheci-a na época em que ela era ainda apenas digital: contos inspirados por músicas, livros baseados em discos. Inclusive há (havia?) um conto meu por lá. De uns tempos para cá, ela se renovou e passou a oferecer, além dos ebooks, a opção de comprar livros físicos – como é impressão sob demanda, creio que seja difícil encontrar exemplares numa livraria comum.

Foi numa livraria incomum – Itiban Comics Shop, tradicional loja de quadrinhos curitibana – que um amigo encontrou dois de tais livros: A noite descosturada, de Antônio Xerxenesky, e Lado B (ou uma história de amor para walkman), de Lielson Zeni. Estavam baratinhos, comprou. Leu um no ônibus para o trabalho e o outro no caminho de volta. E me emprestou ambos.

Sobre o livro do Xerxenesky, os avisos do amigo e o prefácio do autor (meio que se desculpando por ter escrito aquilo) são certeiros: não vale muito a pena. Se usarmos Areia no dentes como linha divisória de qualidade na obra do autor, A noite descosturada certamente está colado a Entre (nhé!), não do lado A página assombrada por fantasmas da força. Talvez interesse a quem curte/conhece Mogwai. Ou não: meu amigo conhece e curte e não perdoou.

O livro do Lielson, por sua vez, juntou (1) a qualidade de ser muito bom com (2) a rebarba das baixas expectativas provenientes da leitura anterior. Resultado? Achei “massa-vélio-mó-pira-parabéns”. Sério. Tá tudo lá: quem gosta de experimentos formais, sai feliz; quem curte metalinguagem, sai feliz; quem é da turma das mixtapes, sai feliz; quem acha massa histórias de amor, Scott Pilgrim, Brilho eterno de uma mente sem lembranças, emoticons que zoam o narrador/autor, a jornada do herói, livros curtinhos, sai feliz.

E, para ter acesso a isso tudo, não precisava ter ouvido o disco A Divina Comédia (ou Ando Meio Desligado) dos Mutantes. Não precisava mesmo. Mas depois deu vontade, ah, se deu. Minha educação musical, sempre tão falha, passou por um capítulo importante ao ouvir esse álbum. Diverti-me com “Quem tem medo de brincar de amor?”. Alucinei com o verso principal de “Meu refrigerador não funciona”. Tudo isso ao alcance da mão, de um clique.

É ou não é maravilhosa essa tal de internet?

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Três livros pra quem curte pesquisar uma playlist.
* Alta fidelidade, de Nick Hornby
* As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky
* Verdade tropical, de Caetano Veloso