Brasileiro é um tipo criativo, sabe imprimir sua marca onde quer que se aventure. No Cinema, uma de suas inovações é o favela movie, conhecido desde Cidade de Deus, (2002), de Fernando Meirelles, algo que beira o gênero e expressa, em estética e linguagem, os dramas próprios daqueles que vivem dentro desses universos periféricos.
O filme de Meirelles fez escola (literalmente, fundando um curso de Cinema que existe até hoje, na Lapa carioca), influenciando uma enxurrada de produções nacionais com os mesmos aspectos. A importância histórica é inegável: dar voz e espaço a grupos (classes) historicamente deixados à sombra é uma forma impactante de trazer ao asfalto a vida do morro, além da crítica social. Assim, o gênero cresceu e ultrapassou as barreiras da grande tela, chegando à tevê aberta com o seriado Cidade dos Homens (2005). Até mesmo algumas produções internacionais, como O Incrível Hulk (2008) e Velozes e Furiosos 5 (2011), decidiram estilizar sua estética nesse nosso cenário urbano todo particular (embora com resultados pífios, mas a culpa não foi nossa).
Por parte da crítica, a repercussão também foi grande, para o bem e para o mal. Enquanto alguns discutiam a nova estética, inclusive criticando uma possível “cosmetização da pobreza” feita por Meirelles, outros fizeram do gênero o estereótipo do Cinema nacional, amarras de que o Brasil luta até hoje para se desvencilhar. Contudo, ficou um filão que sempre encontra entusiastas para lhe explorarem, e assim novas produções do gênero continuam surgindo. Tropa de Elite 1 (2007), nosso filme mais premiado internacionalmente depois de Cidade de Deus, também pode ser considerado um favela movie, ao lado de outros, menos expressivos, como Era uma vez... (2008) Bróder (2009) e 5x Favela (2010).
Surge agora Alemão, de José Eduardo Belmonte, síntese da má evolução de um gênero, esteticamente pobre, falho em suas referências, utilizando de uma forma pífia o interessante tema que se propõe explorar e, o pior de tudo, num estilo deveras novelesco.
O roteiro de Gabriel Martins, preparado em quatro meses1, explora o drama de cinco policiais infiltrados no Complexo do Alemão, um dos maiores e mais perigosos conglomerados de favelas do Rio de Janeiro, quando da invasão do local pelas Forças Armadas, em 2010. Tendo cada um deles carreiras muito particulares e personalidades muito distantes, esses policiais agora se veem presos numa mesma enrascada, num bunker improvisado e sem recursos, bem ao jeitinho brasileiro, escondidos do “movimento” de traficantes chefiados por Playboy (Cauã Raymond, numa versão escancarada do jogador Adriano).
Filmado em dezenove dias com um orçamento de R$ 4 milhões, o filme se desenvolve, sobretudo, nesse bunker forjado sob a fachada da pizzaria do Doca (um Otavio Miller desencaixado). À distância, presta um limitado socorro aos oficiais o delegado Valadares (Antônio Fagundes, cada vez mais repetitivo), que também tem uma ligação emocional com um dos policiais. A partir daí nota-se os descabimentos causais dessa história, começando pela descoberta da identidade dos policiais infiltrados, logo na primeira sequência: um motoqueiro misterioso tenta passar por uma barreira de traficantes, foge, é perseguido e deixa cair um dossiê contendo informações e as identidades dos cinco policiais infiltrados. Agora vamos lá, apelando para o bom senso, quando e por que alguém levaria esse tipo de documentos para a cena da investigação?! É, pois é…
Produzido por Rodrigo Teixeira, da RT Features, de Frances Ha (2013), um dos bombonzinhos da crítica internacional no ano passado, o filme conseguiu espaço em nada menos que 350 salas e promete ser rentável, tanto por seu tema polêmico e popular, quanto por seus atores globais. Sendo assim, portando, é necessário dizer que todas as interpretações são fracas, caricatas, muitas vezes escoradas nos mais clichês elementos cênicos da dramaturgia, como a arma de Milhem Cortaz ou os charutos de Cauã Raymond.
Nas palavras do produtor, a proposta não era fazer um filme sobre a invasão do Complexo, mas algo menor, mais adequado às possibilidades de produção brasileiras, o que é compreensível em termos de retorno financeiro. Dizem também, Teixeira e o diretor, que as inspirações para a história vieram de Meu Ódio Será Tua Herança (1969), de Sam Peckipah, e 12 Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet, e até mesmo em Howard Hawks e John Carpenter. Todos clássicos do bom cinema. Portanto, se foi realmente essa a fonte em que se bebeu, a água já estava vencida. O resultado atingido é apenas mambembe, nada além de provinciano.
O diretor diz tratar-se de uma renovação do estilo favela movie – sem sucesso, o filme não traz nenhum elemento novo, nem mesmo na escalação de moradores da comunidade para alguns papéis, como MC Smith, cantor de funks proibidões. Em entrevista ao jornal O Globo, Belmonte ressalta a importância histórica do episódio narrado, mas pontua: “Não queremos levantar bandeiras políticas ou sociais”. Seguindo esse pendor belga que nós brasileiros temos, sempre tentando ficar isentos diante das situações, sempre em cima do muro, parece-me problemático (ou melhor, frouxo mesmo) não tomar parte nesse caso.
Em tempos de manifestações – que são descarada e desconexamente incluídas no final do filme –, de gritos pela desmilitarização da polícia, de denúncias de corrupção e violências por parte das forças repressivas, cujas origens estão na ditadura, Alemão, em sua tentativa de “humanizar os envolvidos’, compõe um cenário engajado sim: engajado em dourar a pílula das más ações da polícia e da inépcia do Estado, fazendo mais uma vez da violência urbana um espetáculo, glamourizando a vida criminosa com todos os clichês e palavrões que já vimos ad nauseam.
- Visto neste artigo – contém também making of. ↩
Que critica mais sem noção e sem embasamento nenhum, falou, falou, falou, falou, mais não disse nada. Falta muito aos brasileiros falar menos e fazer mais. Tem muito ”intelectual” com a bunda sentada na frente do computador, enquanto muito ”imbecil” esta trabalhando.
Olá Virgílio,
realmente sua crítica a mim foi muito mais embasada do que minha crítica ao filme, usando adjetivos como “imbecil”. Gostei também de você ter se referido aos brasileiros na terceira pessoa: é isso que faz esse NOSSO país caminhar: brasileiros que se colocam de fora da própria sociedade, culpando sempre os outros pelos problemas comuns a todos.
Quanto a suas críticas, queria que tivesse especificado melhor seus desgostos. Acho que repassei de forma sucinta, mas eficiente, o gênero do favela movie, no qual Alemão se encaixa, bem como pontuei, da cenografia às interpretações, as falhas desse filme ao meu ver.
Por fim, uma crítica cinematográfica não é para se concordar, nem discordar, mas serve apenas como referência a interessados, a possíveis espectadores. As vezes serve como aviso para se fugir de bombas (como Alemão), as vezes de indicação pontual sobre um filme que nem planejávamos ver.
Não precisa concordar comigo, Vírgilio, nem gostar de minha crítica, só peço que seus embasamentos de discordância sejam melhores, pelo bem “dos brasileiros”…