Quando eu era criança, aeroportos eram possivelmente os lugares que eu mais detestava. Mais que a escola, mais que o dentista, mais que ir tomar vacina. As filas, o tédio sem fim, a falta de lugar para sentar e o desconforto do único lugar possível para se sentar (o carrinho de bagagens), ter que carregar minha mochila, sempre pesada, enquanto minha mãe perdia horas experimentando maquiagens e perfumes…

E tudo isso apenas para entrar em um avião e enfrentar mais infinitas horas de tédio.

Por isso me surpreendi muito quando percebi que havia desenvolvido um grande afeto por aeroportos. Hoje em dia gosto muito deles.

Percebi isso enquanto subia a escada rolante de algum aeroporto que agora não me lembro qual é. Chutaria Ezeiza, em Buenos Aires, mas não tenho certeza. E isso porque, e está aí parte do motivo para eu gostar deles, aeroportos são todos iguais.

Existem dois tipos de aeroportos: de aço branco e vidro azulado, futuristas e assépticos, como uma enorme nave mãe sem personalidade. E os caixotes escuros e sem graça como presídios sem personalidade. Aeroportos são todos absolutamente parecidos, até o vidro azulado na janela tem sempre o mesmo tom de azulado, seja no aeroporto de Amsterdam, seja no Santos Dumont. Aguardo o dia em que nem teremos mais dois tipos de aeroporto, afinal, cada vez que se reforma um aeroporto do tipo caixote, ele vira um do tipo nave-mãe. Gostarei ainda mais de aeroportos no dia em que todos eles forem indiferenciáveis um do outro e todas as minhas lembranças de aeroportos se fundam em uma memória embaçada de aço branco e vidro azulado.

Não estou sendo em nada irônica! Realmente gosto de como é impossível lembrar em que aeroporto algo aconteceu. Ao serem tão iguais, eles deixam de ser lugares em si. Deixam de ser o Aeroporto de Amsterdam, Aeroporto de Istambul, Aeroporto de Tel Aviv e passam a ser apenas “aeroporto”, um lugar único. Ou um não-lugar. O único lugar transcontinental do mundo. O único lugar em que é possível estar em todos os continentes ao mesmo tempo e ainda assim não estar em nenhum, pois em um aeroporto não se está realmente naquela cidade, ou país, onde ele está fisicamente localizado, se está apenas em trânsito.

Fala-se muito sobre como McDonalds servem de “volta para casa” para pessoas que passam muito tempo viajando, ou vão a lugares muito estranhos. Sabe, aquela história de que se você estiver na China e se sentindo mal porque tudo é tão diferente, pode entrar em uma lanchonete e ter a sensação de que o mundo ainda é um lugar que faz sentido e sua casa ainda está lá e a Terra ainda gira para o lado que sempre girou. Acho ao mesmo tempo falta de sutileza e um pouco de covardia.

Em primeiro lugar porque McDonalds não são todos iguais. Um painel todo escrito em hebraico ou coreano faz muito pouco pela minha sensação de estar em casa. Fora que eles têm essa tentativa bonitinha e inocente de tentar se adaptar ao lugar onde estão: na Alemanha há sanduíches de croquete, na Argentina a carne é outra, na Tailândia tudo tem muita pimenta, etc, etc. Não reparar nisso é falta de sutileza. Ao mesmo tempo, assumir como diversidade é um pouco covardia.

É como se McDonalds fossem o estágio intermediário entre experimentar um país novo e ainda sentir que o mundo é um lugar de alguma forma uniforme e interligado. A experiência dos aeroportos é mais radical: tudo é escrito em inglês, as lojas são sempre as mesmas, sem concessões ao “sabor local”, no máximo um painel te dizendo “boas vindas ao país X”, todos eles com uma criancinha sorridente. Aeroportos não te fazem se sentir em casa, mas também não te fazem se sentir no país em que você está, são como uma espécie de amortecedor, algo dizendo “vá com calma, respire, aproveite esse não-lugar por um tempo antes de sair para um mundo novo”.

Se eu for ao Nepal, vou entrar no aeroporto de Guarulhos (ele mesmo um do tipo caixote), sair no aeroporto de Istambul, trocar de avião, sair no aeroporto de Nova Dehli, trocar de avião e, afinal, emergir no aeroporto de Katmandu. Lá, posso ver a cara de uma criancinha nepalesa me dando oi, respirar fundo, tentar entender que horas são, quanto tempo estive voando e me preparar psicologicamente para o país lá fora. Muito mais suave do que tomar um tapa de multiculturalismo quando mal dormi por duas noites e meu corpo está chorando de jet lag.

Esse não-lugar também ameniza dores de despedida. Se me despeço de alguém em um aeroporto e saio em outro 14 horas depois, por alguns minutos posso imaginar que não me despedi, não me desloquei, ainda posso voltar por aquela porta e ele estará lá. É como uma ilusão de que ir embora é algo reversível, de que um adeus foi apenas um até logo.

Salas de cinema têm um efeito parecido. Também são todas iguais, ou, se não são, não faz diferença porque a experiência de escuro e a tela enorme na frente é sempre a mesma. Também nelas é possível perder a noção de tempo e espaço, acreditar que não é maio de 2014, mas qualquer outro momento em que entrei na mesma sala. Um dia desses, saí de um filme e por um segundo achei que encontraria sentado no café alguém que foi embora seis meses atrás, por um segundo a uniformidade me confundiu e quase acreditei que era outubro de 2012 e aquilo era um primeiro encontro.

Acho útil poder ignorar a configuração das coisas às vezes. Acho útil que existam não-lugares no mundo, lugares assépticos e uniformes que servem apenas para que você se sinta em deslocamento, no meio de lugares, em lugar nenhum. Mas isso é apenas uma introdução, um amortecimento, porque essa coluna não é sobre aeroportos, muito pelo contrário.

É sobre o que acontece quando você passa da porta de vidro. Quando os cartazes estão escritos em línguas ininteligíveis e tudo que você tem é uma mochila, um cadastro do Couchsurfing e noções rudimentares de alfabeto cirílico que provavelmente nem vai chegar a usar. É claro que sempre podemos ser menos corajosos do que gostaríamos, mas quero pensar que é uma coluna sobre o que acontece quando a diversidade do mundo dá um tapa na sua cara.