O meu interesse imediato por Vício inerente, além do flerte com a vulgaridade e humor de Pynchon, deu-se porque um dos meus diretores favoritos, Paul Thomas Anderson, levará aos cinemas a história de Doc Sportello. Com um elenco competente (inclua aí Joaquin Phoenix, Jena Malone, Josh Brolin e Benicio Del Toro) e a benção do autor, o filme estreará em dezembro deste ano. A leitura da obra não me decepcionou e deixou-me a impressão de ser o livro mais leve de Pynchon que li.

Larry “Doc” Sportello é um detetive particular de trinta anos viciado em surf music e maconha. Um belo dia, sua ex-namorada de colégio bate à sua porta para pedir ajuda: procura o seu atual namorado, um magnata casado do ramo imobiliário da Califórnia. Vício inerente inicia-se com esse clichê e exibe vários outros ao longo da trama, como o policial do departamento de Los Angeles chamado Pé-Grande, o típico agente da lei que odeia o detetive particular por motivos superficiais, ou ainda um sujeito dado como morto ressurgido do além para ajudar na investigação.

Mas o que vem a seguir parece bem mais que um simples thriller detetivesco em clima noir. A começar pela ambientação no começo dos anos 70, o envolvimento de neo-nazistas, Panteras Negras e de um misterioso grupo, monstro, entidade, seita ou sindicato de dentistas chamado Canino Dourado.

Sim. Os livros de Pynchon sempre tiveram um humor peculiar, por assim dizer, que permeia o seu jeito um tanto erudito e pedante de escrever. Pynchon é um gênio da escrita, mas isso não o impede de se divertir e brincar com nomes inventados (Dawnette é um dos meus favoritos) e piadas infames (confundir Denis com pênis por culpa do sotaque californiano). Engana-se aquele que pensa que encontrará um detetive cujas gags durante a trama serão baseadas em seu hobby de fumar maconha. Não. Existem sim os maconheiros que darão o ar cheech-chongesco de Vício inerente, só que “Doc” tem seu poder de dedução ampliado pela cannabis e está mais para aquele tipo de detetive sabichão misturado com Clouseau.

 

‘Mas como é o Sherlock Holmes, ele cheirava coca o tempo todo, bicho, ajudava a resolver os casos’.
‘É mas ele… não era de verdade?’
‘O quê. O Sherlock Holmes não era –’
‘Ele é um personagem inventado nuns contos aí, Doc

 

A cada novo personagem apresentado na trama, uma nova ou talvez a mesma linha de investigação se abre para problemas bem maiores que um simples caso de adultério ou desaparecimento. Os personagens de Thomas Pynchon, se não bastassem os nomes e apelidos com trocadilhos infames, aparecem e somem na trama. E eles são muitos. Acreditem, muitos. Uns parecem simples coadjuvantes, outros alucinações do detetive. Mas todos participam de forma relevante, mesmo que micro, na investigação de “Doc”.

Essa pluralidade de personagens e subtramas pode virar uma armadilha se você esperar um livro de mistério com pistas jogadas para montar um quebra-cabeça. A investigação de “Doc” se desenrola em diversos outros casos.

Não existe quebra-cabeça. Assim como o olho humano tenta corrigir uma forma que lhe parece assimétrica, a cabeça de um leitor viciado em thrillers, quando se depara com um livro de investigação, é devorá-lo a fim de solucionar o mistério junto ao protagonista. Esta trama está mais para um labirinto móvel. E isso é o que torna Vício inerente tão peculiar. Não é um Pynchon true como muitos dizem. Tem tudo que o autor adora fazer, um pouco mais leve, mas não menos confuso, e bem, bem divertido.