A entrevista estava marcada para as onze da manhã, horário em que o escritor Jorge Edwards estaria terminando de tomar café. Perguntou se poderia ser em sua pousada para evitar os outros jornalistas. Concordei, mas esclareci que não era jornalista. Era apenas um estudante de literatura terminando um trabalho sobre Rubem Braga. Edwards ergueu as sobrancelhas desregradas de velho escritor chileno: “então posso te confidenciar uma história ótima”.

Um causo inédito sobre Rubem Braga era exatamente o que queria. Uma história tão boa que levaria sempre na carteira, para soltar um trechinho na roda de amigos mas nunca revelar o final, para contar vantagem nas discussões da universidade e fazer inveja aos outros pesquisadores, para confidenciar apenas para a namorada quando quisesse quebrar o silêncio de um fim de tarde contemplativo.

Quando Edwards começou a contá-la, entre risadas de fazer o corpo balançar e breves interrupções de reaver a memória, achei que não era merecedor de ouvir aquilo. Mas já que a vida comete algumas injustiças (Fernanda Montenegro nunca ganhou um Oscar), precisaria pelo menos fazer valer o presente de conhecer a anedota sobre Edwards, Braga, o poeta Pablo Neruda e uma garrafa de uísque roubada. Era, sem dúvida, uma ótima história.

No dia seguinte, Edwards participou de uma mesa na Festa Literária Internacional de Paraty. Quando o mediador perguntou se era verdade que ele havia trabalhado com Rubem Braga no Chile, ri satisfeito. Era a deixa para cotovelar a pessoa ao lado e confidenciar: “eu sei uma excelente história sobre esse período”.

Mas a conversa foi além e Jorge Edwards se empolgou. Começou a fazer pausas dramáticas e a se ajustar na cadeira. Ele estava preparando terreno para contar a história. A minha história. Começou a falar do Neruda, e aí não tinha mais volta. Toda a plateia e os telespectadores saberiam do que só eu poderia saber.

Todos os planos para impedir aquele absurdo se passaram pela cabeça. Começar a espirrar, a tossir como um cão rouco, fingir um enfarte, um ataque epilético, me levantar gritando que a bolsa tinha estourado. Não seria o suficiente para desviar a atenção do público. Precisaria ser mais agressivo. Talvez subir no assento e, em pose napoleônica, ameaçar o escritor: “Olhe aqui o senhor!”.

Mas o diabo é que sou tímido, e aceitei a derrota em silêncio. Eu tinha sido traído por Jorge Edwards. Desolado, peguei o ônibus de volta para São Paulo com o caderno todo em branco – já não havia mais história alguma sobre Rubem Braga. Todos já sabem o que ele fez com o uísque de Pablo Neruda. Não tem mais graça. Mas eu tenho uma sobre o Tom Jobim e a Brigitte Bardot que, olha, vale a pena escutar.