Se for uma questão de puro gosto pessoal, prefiro o cinema que questiona a forma, que constrói linguagens, que escapa às formas tradicionais de narrativa e exige que o espectador faça um esforço para assimilá-lo em sua estética e conteúdo. Na minha afinidade pelos modernos, fica fácil esquecer que o cinema clássico possui, às vezes, um charme irresistível e caminhos certos para nos tocar emocionalmente.

Setembro começa a trazer as pérolas dos estúdios: os filmes para ganhar Oscar. Diretores renomados, atores premiados e o melhor que Hollywood sabe fazer, o que muitas vezes quer dizer se transportar para a Europa.

Uma Longa Viagem é o típico filme de Oscar: Nicole Kidman e Colin Firth, ambos ganhadores do prêmio, contracenam com Stellan Skarsgård em um drama a respeito de traumas da Segunda Guerra. O roteiro é baseado em uma história real, tem um final otimista e alterna entre belas paisagens das Highlands escocesas e a Tailândia. Tudo isso é previsível, é possível citar outros dez filmes com características parecidas lançados no mesmo período em anos anteriores, mas nada compromete a qualidade do longa.

Originalidade e qualidade não são sinônimos. Há filmes excelentes por se mostrarem como algo inteiramente novo e desafiador e aqueles que utilizam com excelência as técnicas que já estão aí desde a década de 30. Uma Longa Viagem tem tanta consciência de suas referências e seu lugar na produção cinematográfica que começa com uma deliciosa referência a Desencanto, clássico inglês que também começa com um homem, uma mulher, uma estação de trem e o fim da guerra.

Assim como o filme de 1945, Uma Longa Viagem leva o espectador a acreditar que se vê diante de uma comédia romântica leve e despretensiosa para, após o primeiro terço do filme, mudar o tom e inserir o verdadeiro conflito. Eric Lomax é um veterano da Segunda Guerra que se encontra toda semana com seus ex-companheiros. Sua vida é metódica e isolada até o dia em que conhece Patti em um trem para Glasgow. Eles rapidamente se apaixonam e se casam e então vem à tona o tamanho do trauma de Eric e sua incapacidade de compartilhá-lo com a nova mulher.

Eric era um jovem soldado lutando pelas colônias britânicas da Ásia, quando Singapura é tomada pelo Japão. Por terem se rendido, os soldados britânicos são encarados pelos japoneses como sub-humanos e levados para um campo de trabalhos forçados onde a construção de um rádio o levará a ser torturado.

A Segunda Guerra foi, em diversos aspectos e diversas regiões do mundo, uma das maiores experiências de brutalidade da história humana. Viver com a consciência de que se é capaz de tanto horror, os traumas e feridas abertas, não é uma necessidade apenas para aqueles que passaram pessoalmente por elas, mas para a humanidade como um todo. Como se educa após Auschwitz? – pergunta Adorno. É possível também perguntar como se educa após Hiroshima e Nagasaki, após os campos de prisioneiro da Kempetai, após incontáveis crimes de guerra. É talvez por isso que histórias a respeito da Segunda Guerra e de seus sobreviventes sejam ainda hoje tão atraentes e tão constantemente revisitadas.

Uma Longa Viagem é, no geral, um belo filme. Mas seus melhores momentos ocorrem quando se pergunta com toda a honestidade se é realmente possível para esses homens continuar a viver. É possível esquecer, ignorar, conviver com o trauma ou eles estão condenados a uma existência impraticável? É possível, de alguma maneira, perdoar?

A resposta aqui é um quase incômodo sim. Não fosse o filme baseado em uma história real e no perdão real de Eric Lomax a seu torturador, o final pareceria forçado, improvável, uma saída ingênua e otimista para agradar a preferência da Academia por filmes edificantes. Como é, embora fosse narrativamente melhor um final mais amargo, é preciso respeitar como a história aconteceu. Lomax, em um ato extraordinário de humanidade e empatia, perdoa seu algoz por perceber que o sofrimento, a dor e o medo eram também de seus captores.

Durante a guerra, o Japão viveu um período de fome, miséria e desgraça. O sofrimento a que o povo foi submetido por culpa de um código insano de honra é mais um dos crimes da Segunda Guerra. O diretor é delicado o suficiente para colocar isso em seu filme – a expressão do jovem oficial quando Eric lhe conta, sob tortura, que o que realmente ouviu no rádio é que o Japão não tinha alternativa exceto a derrota, é aterrorizante e intensa. Poderia ser um filme sobre a crueldade de soldados sobre alguns prisioneiros, mas é sobre a insanidade da guerra.

Algo que se destaca em diversos relatos de guerra, de Apocalipse Now a Catch-22 e Viagem ao Fim da Noite, é a percepção de que, no nível das trincheiras, daqueles que seguram em armas e realmente morrem, sangram e sofrem, quem a faz são meninos. Meninos de 18, 19, 20 anos, lindos e promissores, como Eric Lomax e seus companheiros. E a guerra os destrói. No nível da luta real, a guerra não é nada mais que uma experiência de barbaridade de onde ninguém volta realmente.

É uma história contada diversas vezes, é clichê, mas é ainda pungente e tocante. Ainda existem guerras. Ainda existem massacres e genocídios e aqueles que sofrem com pesadelos a respeito do que viram e viveram. E eu não acho que a humanidade compreendeu e digeriu o suficiente a Segunda Guerra para poder parar de contar histórias sobre ela.

Uma Longa Viagem não é um filme espetacular, muito menos um filme com nada de novo. Conta a história de um trauma em um evento traumático. Mas o faz de forma bela e sensível, tocante sem ser manipuladora. É um filme quieto, discreto, que dificilmente (se alguma justiça for feita) vai arrebatar prêmios ou tornar-se um marco. Mas que exercita o cinema clássico em sua melhor forma, as técnicas testadas e comprovadas e conta uma história de forma eficiente e emocional.