Dia 7: Mais noites brancas e mais vodca.

 

A primeira imagem de As Noites Brancas do Carteiro (Andrey Konchalovskiy, 2014) mostra duas mãos masculinas (a direita sem a primeira falange do polegar) manipulando várias fotos e falando sobre as pessoas nelas registradas. Um homem bebeu vodca demais e se afogou. Risos da plateia. A voz acrescenta que também teve problemas com vodca. Mais risos. Título, tela preta, uma legenda explicando que o filme a seguir foi filmado no norte da Rússia com os próprios habitantes do local e é baseado em histórias reais que aconteceram ali. Silêncio.

As mãos pertencem ao carteiro do título, que mora em uma vilazinha remota e meio precária, onde só se chega de barco, as casas são de madeira e a tecnologia parece ter estacionado em algum ponto no começo dos anos 90. O carteiro é o único contato com o mundo exterior, trazendo, além da correspondência, certos produtos necessário, já que não há comércio na vila. Não há também muito a fazer, e os habitantes frequentemente recorrem ao álcool (o carteiro está sóbrio há dois anos, mas um dos personagens da vila é definido exclusivamente pelo hábito de beber demais).

O carteiro tem uma queda não correspondida por uma vizinha, uma mulher divorciada que cria o filho sozinha. A única coisa parecida com uma conflito ocorre quando o motor do barco do carteiro é roubado e ele vai até a cidade para tentar substituí-lo. Fora isso, trata-se de um retrato plácido do cotidiano dessa comunidade esquecida. Ou seja, é um filme meio sem rumo, mas isso faz sentido, pois reflete adequadamente a vida dessas pessoas esquecidas pelo mundo. O estilo é peculiar, com internas que incluem stablishing shots em plongée que podem ter sido resultado de pouco espaço nas casinhas, mas passa uma ideia de “câmera de segurança” que reforça a abordagem observacional.

Konchalovskiy é um roteirista-diretor-produtor cujos créditos no IMDb são tão ecléticos que envolvem ficção, documentários, séries de TV, reality shows e Tango & Cash (sim). Ou seja, o cara não é um auteur, ele é um trabalhador, mas aqui ele fez um filme ostensivamente “artístico”, em que uma busca por naturalismo é pontuada por alguns elementos surreais. Não tenho necessariamente nada contra filmes contemplativos e desprovidos de trama, mas esse não conseguiu me envolver muito, e eu não sei articular exatamente o porquê.

É provável que eu tenha perdido alguma camada. A única parte que realmente me fisgou acontece perto do final, uma espécie de “momento Jia Zhangke” onde, em um plano-geral estático, personagens em primeiro plano ignoram algo extraordinário acontecendo no fundo. É um momento quase transcendental que reitera a ideia de que, independente do que esteja acontecendo no resto do planeta, a vida dessas pessoas continua imutável e estagnada.

*** – escala esquimó de brancura