Dia 11: Há algo de podre no reino da Patagônia.

Estamos chegando ao fim dessa epopéia. Se teve alguma coisa para conectar tudo que eu vi nessa Mostra, talvez sejam as forças da natureza. Nuvens, avalanches, desertos, rios, mares e animais foram apropriados de diversas formas para explorar os mais variados temas. O filme a que assisti hoje manteve esse padrão, com uma forte presença de cavalos, desertos e cachorros, mas eu não faço a mínima ideia do que ele está explorando.

Jauja (Lisandro Alonso, 2014) é um filme estranho. Alguns nomes de diretores que pipocaram aleatoriamente na minha cabeça durante a sessão: Ford. Kurosawa. Tarkovski. Herzog. Não que o estilo do filme se assemelhe muito ao de algum desses, mas os elementos básicos provavelmente devem sua existência à influência de pelo menos alguns deles: trata-se de uma espécie de western revisionista com uma fotografia obsessivamente composta que envolve um homem lutando contra a amplitude implacável de um cenário natural.

Viggo Mortensen é um engenheiro militar dinamarquês chamado Gunnar Dinesen, que está na Patagônia do século XIX supervisionando a construção de trincheiras (ou algo assim). Ele é tratado como Capitão, usa um uniforme de cavalaria e por algum motivo trouxe sua filha de 14 anos, o que obviamente não vai acabar bem. Quando primeiro o vemos, Gunnar está em um acampamento no litoral, acompanhado de Pittaluga, um Tenente local cujas intenções são meio duvidosas. Pittaluga se refere à população indígena da Argentina como “cabeças de coco,” e oferece a opinião de que deveriam ser todos exterminados.

Eventualmente, a filha de Gunnar foge com um jovem soldado chamado Corto, e nosso herói parte em uma aventura para resgatá-la, mas a presença de um desertor que virou bandido no deserto surge para complicar as coisas. Considerando os elementos básicos da trama, o filme pode ser definido como uma releitura minimalista de Rastros de Ódio, mas, na prática, é um filme sobre Viggo Mortensen se movendo pelo deserto, às vezes a cavalo, às vezes a pé. Pela maior parte, trata-se de uma trama de aventura que, fora a abordagem estilizada e a falta de incidentes, é até bem linear e convencional.

Sobre essa estilização: Jauja foi todo filmado no formato 4:3 (também conhecido como academy ratio); ou seja, a tela é praticamente quadrada. Não só isso, mas as bordas são arredondadas e as cores são tratadas de uma forma que lembra aqueles filmes antigos em Technicolor de três fitas. As composições são milimetricamente precisas: elementos em primeiro plano são equilibrados com coisas minúsculas lá no fundo, tudo emoldurado pela paisagem característica dos desertos da Patagônia em planos que desesperadamente querem parecer pinturas. É o tipo do filme onde cabeças nunca são cortadas pela borda superior da tela e os olhos dos atores coincidem com a linha do horizonte sempre que possível.

Esses elementos dão ao filme um clima levemente onírico que vai se intensificando conforme a trama avança, culminando em um encontro surreal em uma caverna, onde passado e presente se encontram e o espectador fica coçando a cabeça tentando entender o que tudo isso está dizendo. Provavelmente algo sobre a perda da inocência? Eu não sei. A boa vontade que eu teria em refletir sobre essa cena foi por água abaixo a partir do momento em que o Alonso, ao invés de terminar o filme aí, decidiu incluir o Epílogo Mais Desnecessário De Todos Os Tempos, basicamente defenestrando tudo que aconteceu até então, ao mesmo tempo em que tenta reconfigurar simbolismos vagos envolvendo cachorros e um soldadinho de madeira.

O jeito que filmes terminam é muito importante para mim. Não que eu os assista só para saber como acabam, mas um bom final pode concretizar os temas de uma forma relevante, fazendo você refletir sobre tudo que veio antes, e/ou criar um momento impressionante que reverbera por um bom tempo depois que o filme terminou. Jauja até tenta fazer isso, mas falha espetacularmente.

**1/2 – Garanhão Puro Sangue