Erga a mão com a qual você escreve, uma forma fácil de lembrar qual lado é o esquerdo e qual não é – nem todo mundo foi agraciado com um senso automático de direção. Pedimos isso porque a presente coluna está sendo escrita por dois homens. E – ainda que ambos trajem o mesmo bigode, os mesmos óculos metidos a hipsters e a mesma camiseta do Atari – eles não são iguais.

À sua direita está um mestrando em literatura e crítico literário com resenhas mensais no Jornal Rascunho; à esquerda, um blogueiro e tuiteiro que escreve semanalmente sobre o que lhe passa pela cabeça no Posfácio. O primeiro acredita em coisas como “ter distanciamento crítico” e “pensar tanto sobre o mesmo assunto que a eventual conclusão a que se chegue pareça tão óbvia que não precise ser enunciada”; o segundo é cabeça quente e gosta de agir duas vezes antes de pensar.

Se você ainda estiver com a mão erguida e for destro, estará apontando para um rapaz que tem uma lista de próximas leituras do cânone ocidental tão comprida quanto regrada – não há muito espaço para desenvolver o gosto por literatura brasileira, quanto mais literatura brasileira contemporânea, quanto mais literatura brasileira contemporânea lançada a poucos meses, semanas ou dias. Se for canhoto, estará meio que saudando o cara que lê cinco obras ao mesmo tempo, abandona algumas delas e muda a ordem da pilha de livros a serem lidos com tanta rapidez que esta sofre constante ameaça de desabamento – e ele adora a produção contemporânea.

Já pode abaixar a mão.

Os dois viram a lista de semifinalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. E gostaram da diversidade na categoria Contos/Crônicas: o lado mais “cabeça” da dupla se agradou com a indicação de Asa de sereia, de Luís Henrique Pellanda, e de Garimpo, de Beatriz Bracher; o outro gostou de ver os divertidíssimos Nu, de botas, de Antonio Prata, e Fingidores [comédia em nove cenas], de Rodrigo Rosp, na mesma lista. Também tomaram a lista de Poesia como um objetivo de leitura para os próximos meses – dos doze títulos, eles só leram quatro até agora: Quadras paulistanas, de Fabrício Corsaletti; Ligue os pontos – poemas de amor e big bang, de Gregório Duvivier; Rua da padaria, de Bruna Beber; e Rabo de baleia, de Alice Sant’Anna – todos bons, ainda que uns bem melhores do que outros.

O problema todo está na categoria Romance. É durante a leitura dessa lista que o mais centrado dos dois sujeitos repete frases-feitas como “Quem liga para prêmios? O livro continua bom, mesmo sem ser premiado.” e “Ainda tem o Jabuti e o São Paulo, não tem?” e “Viu como é melhor não ser tão apaixonado pelas coisas?”, tudo isso enquanto impede o outro – que grita coisas como “Prêmios são legais pra mais gente ficar sabendo como os livros legais são LEGAIS!” – de quebrar o notebook. Dá para perceber como o segundo tomou conta da escrita deste parágrafo: ele adora um drama.

Na lista referida há:
* três romances que essa dupla possui (dois dos quais talvez só leiam numa próxima encarnação, por falta de tempo mesmo, e um que parece muito bom, mas sempre é adiado por razões desconhecidas);
* três obras de que gostaram muito;
* um título admirado, mas que demandou coragem para ser lido;
* outro muito elogiado, mas cujo tema… melhor não, ao menos por enquanto;
* um que promete, mas está perdido entre tantos outros no e-reader;
* um volume abandonado com gosto;
* quatro livros cuja aquisição está sendo providenciada; e
* seis que já foram esquecidos.

Na lista referida não há duas coisas – e esta é a razão da presente coluna.

Uma das coisas que falta é: mulheres suficientes. Sério mesmo? Uma semana depois do mundo literário ler, compartilhar e debater uma notícia intitulada “Mulheres têm menos espaço na literatura, mas leem mais e dominam prêmios”, sai a lista de indicados a melhor romance de 2013 com duas escritoras entre os vinte indicados? Vocês estão de brincadeira?

Enquanto o cara da direita é otimista e diz que foi em virtude do artigo e da hashtag #leiamulheres2014 que a curadoria incluiu um mínimo de 10% de mulheres nas indicações, o outro declara: isso é muito pouco! Não quando em 2013 foram lançados Todos nós adorávamos caubóis, de Carol Bensimon1 e Noites de alface, de Vanessa Barbara2 – ambos muito aguardados desde que as duas escritoras publicaram excertos deles na Granta dos “melhores jovens escritores brasileiros”3. Não quando Esquilos de Pavlov, de Laura Erber4, As miniaturas, de Andréa Del Fuego5, e Meu coração de pedra-pomes, de Juliana Frank6, seriam boas possibilidades de indicação. Enfim: não foi por falta de opções.

A segunda falta grave é: cadê Quatro soldados, de Samir Machado de Machado, nessa lista? O rapaz à direita tenta fazer o da esquerda ver que esta é apenas a segunda narrativa mais longa do autor e que a editora do livro não é “peixe grande” – em outras palavras, é mais difícil que a curadoria tenha ouvido falar do livro.

Foi em vão a tentativa de apaziguamento: é difícil convencer alguém de que ninguém ouviu falar de um romance quando há resenhas de Daniel Galera n’O Globo, de André de Leones no Estadão, de Hugo Viana na Folha de Pernambuco, de Carlos André Moreira no Zero Hora,  de Gisele Eberspärcher no Rascunho, além de matérias na Folha de S.Paulo e na revista Pernambuco. E só falamos da mídia tradicional: na internet, você pode ter conhecido o romance de Samir no Amálgama, no r.izze.nhas, n’O Chaplin, além de em vários textos no Posfácio.

O moço da direita diz: “Calma, já já você esquece disso. Tomorrow is another day.

O da esquerda responde: “Deixe-me só com a minha dor.”

Humpf.

  1. Leia as resenhas no Rascunho e no Posfácio.
  2. Só no Posfácio há: uma, duas resenhas, além de um artigo científico e uma coluna curiosa relacionados ao romance.
  3. Você pode ler as impressões da equipe na época do lançamento aqui e aqui.
  4. Leia as resenhas no Livros Abertos e no Rascunho.
  5. Leia as resenhas no Rascunho e no Posfácio.
  6. Leia as resenhas no Rascunho e no Hellfire Club.