Como medir o ano? Essa pergunta intrigou tanto civilizações antigas – que ajudaram a montar os calendários que usamos – quanto Jonathan Larson, o compositor do musical Rent. Mas como contar o ano?

Andam dizendo que 2014 foi um ano horrível. Pudera: morreu uma pá de gente importante e tivemos de nos acostumar às notícias mais bizarras. Chegou a um ponto de que nada mais nos surpreenderia.

2014 aleatório

Parte de mim acredita, no entanto, que todos os anos são assim. A gente pensa que o último foi o pior, o mais duro de todos, mas só porque foi aquele com que mais passamos tempo no último… err… ano. Uma situação semelhante é a de quando estamos – nas palavras de JoutJout – “totalmente na merda” e resolvemos abrir o facebook:

O quê que facebook diz? Que as pessoas tão comendo comidas gostosas, tão viajando pra lugares legais, que as pessoas amam umas às outras (quando, na verdade, nem é verdade – às vezes). O facebook diz que as pessoas são sempre bonitas em todas as fotos. O facebook diz que a gente entrega monografia. O facebook canta todas as vitórias. Cadê as derrotas no facebook? Elas não estão lá!

 

Eu tinha atentado para o fenômeno desde que uma amiga confessou que, quanto mais triste está, mais posta coisas fofas no instagram. Enquanto as pessoas curtem e comentam suas postagens com emojis bonitinhos, a minha preocupação com a moça só aumenta.

Mas só tive a dimensão real do fator facebook esses dias: estava meio borocoxô e uma amiga veio falar comigo esperando toneladas de alegria. Pudera: no meu mural constava tanto que passei no mestrado – evento devidamente comemorado com rainbowlinhos – quanto que eu estaria aproveitando muito bem a praia. Lógico que não contei no facebook que senti o gostinho do que é ter uma crise de pânico antes de terminar a dissertação – muito menos revelei que as fotos na piscina foram todas tiradas em cinco minutos e que quase não tenho tido coragem de sair do apartamento.

Não vim, no entanto, fazer mimimi. Vim compartilhar algumas coisas que me ajudaram a suportar 2014. Vai que serve pra alguém nessa reta final.

flip 1

* Flip

Sempre. Ok, não dá pra você organizar outra Flip ainda esse ano, mas ela precisava estar na lista. O editor me pediu pra guardar o diário dela para a semana do aniversário do Posfácio. Aguardem.

joujout

* JoutJout Prazer

Eu nunca tinha clicado para me “inscrever no canal” de youtuber algum. Sim, acho meio engraçado quando eles apontam para um lado aleatório da câmera (onde tem uma figurinha) e depois mandam a gente ir “lá embaixo e dar um joinha”, mas isso não vem ao caso.

Perdi a virgindade em questão me inscrevendo no Clube do Livro Erótico – hmmmm. Uma das gurias responsáveis pelo canal (oi, Lívia) me mostrou o vídeo duma moça engraçada falando das coisas que tinha aprendido em seu relacionamento – “que nem Hitchcock, Hitchcock, Hitchcock!”. Daí acabei também me inscrevendo no canal JoutJout Prazer.

Eu andava saudoso de mulheres humoristas – me matava de rir lendo Caitlin Moran e vendo Sarah Silverman e Tina Fey. Entre vídeos sobre um brigadeiro vingativo, a roupa ideal para lavar um carro, Interestelar e Tinder, eu não consigo escolher o meu favorito 1. Recomendo. Foi assim que me desestressei antes da banca do mestrado2.

1989

* 1989, de Taylor Swift

Nunca tinha prestado atenção nessa moça antes de “Shake it off”. Minto: achei engraçado quando compararam os agudos dela com a voz de uma cabra. Pois bem: não sei quem compartilhou comigo o clipe da música, mas ele veio num momento em que eu estava meio que pedindo socorro. Digamos, hipoteticamente, que eu estivesse chorando e, depois de ouvir a canção, tenha gostado tanto dela a ponto de dançar pela sala (e gravado isso com a webcam (e compartilhado o link com amigos seletos)): isso seria meio louco, não? Se a hipótese é baseada em fatos reais ou não, nunca saberemos.

Não vou fazer textão bonito: já tem um na Slate. Só digo o seguinte: há quase dois meses, 1989 é o único álbum salvo no meu celular – e já deve ter sido ouvido inteiro mais de 50 vezes, tranquilinho.

louco

* O louco de palestra – e outras crônicas urbanas, de Vanessa Barbara

Admito: sou desprovido da mínima imparcialidade para escrever sobre Vanessa Barbara. Sou fã e pronto. Isso não me impediu de resenhar seu primeiro romance solo, mas minha relação com suas crônicas é muito diferente.

Isso porque Vanessa não é uma descoberta de 2014: muitos dos textos da coletânea eu já tinha lido antes e, por algum motivo, não apenas têm a capacidade de se mostrarem (e serem lidos) com o deslumbramento da primeira leitura (“será que ela já tinha feito esse trocadilho na versão que li em 2011?”: lógico), mas também conseguiram me lembrar dos momentos em que os li: “esse aqui foi na primeira Piauí que abri na vida, a caminho de Paris”; “poxa, nesse dia eu estava triste pra burro”.

Para resenhar o livro com gosto e sinceridade, eu precisaria falar sobre todos os dias em que estive triste pra burro – por besteira ou coisa séria – e uma crônica dessa moça me fez achar que essa coisa chamada vida valia a pena. Se você já leu algo e depois comentou consigo mesmo “é, acho que teria sido uma pena se aquele ônibus tivesse me acertado hoje de manhã”, então sabe do que estou falando.

(Gente, quanto drama, né? Boy, that scalated quickly. E olha que eu afirmei não ter vindo fazer mimimi!)

Se não consigo escrever sobre o livro sem que o texto fique muito pessoal (você viu), ao menos recomendo os comentários do Henrique e da Anica. Se puder, leia o livro depois. E, se ler e gostar, sinta-se convidado a responder um quiz no Goodreads – sim, sou fã a ponto de montar um quiz prum livro de que gosto.

* Toneladas de carinho

Precisa de explicação?

(Atualização 21.12.2014: decidi que precisa, sim, de explicação.)

“Power, time, gravity, love. The forces that really kick ass are all invisible.” (David Mitchell, Cloud Atlas.)

Até o momento, meio que acredito nisso: a vida tende ao equilíbrio. Não sei se é o caso de citar a canção de Katy Perry – “She’s a beast / I call her carma” –, pois desconheço se é assim que carma funciona, mas começo a me assustar quando muita coisa boa acontece de uma vez só. E tem mais gente nessa comigo.

aquelaninha

Pouco depois da banca de mestrado, fui a São Paulo – para, entre outras coisas, distribuir currículos e ver a exposição do Castelo Rá-Tim-Bum – e, de lá, dei um pulo no Rio de Janeiro. Depois disso, ainda tive alguns dias em Curitiba antes de me mudar para Recife. E, por algum motivo, as pessoas não souberam dosar a quantidade de carinho no trato com a minha pessoa: eu sou baixinho, meio emotivo e meu coração transborda fácil. Recebi amor em doses concentradas; veio muito pouco daquela coisa esquisita, diluída em ironia e indiferença. Sabe quando até a moça que atende o KFC vai com a sua cara e resolve te dar um copo de Sprite gelada (no meio calor típico do Rio)? “I have always depended on the kindness of strangers” e tal: é disso que estou falando.

E isso me assustou pra burro. Pessimista, fiquei prestando atenção, à espera da pegadinha. Anotei tudo que tentou diminuir o brilho desses dias: vi apenas um filme da Mostra de SP e era meia boca (O Círculo); perdi os ingressos de uma peça (e, pior, consegui entrar no teatro e não valia a pena ficar mais do que 15 minutos); peguei uma bruta chuva em duas ocasiões; confiei bestamente que uma parada de metrô era do ladinho de onde almoçaria (resultado: caminhei 40 minutos debaixo de um sol sem noção); um carro e um caminhão bateram violentamente a poucos metros de mim e os destroços voaram ao redor; tive alguns ataques de insônia; passei pela Pinacoteca e pelo Museu da Luz num dia sem grandes exposições e perdi a chance de conferir a mostra do Dalí; meus eventos de despedida foram fracassos de público; e, finalmente, um dia tropecei e caí de cara na calçada – não quebrei o nariz nem os óculos.

O problema dessa lista de pequenos desastres é que ela não deu conta de estragar as alegrias respectivas desses dias: o filme foi visto com um amigo querido (pelo menos ele gostou) e depois comi quiche lorraine e profiteroles gostosos3; a peça me lembrou de como me tornei amigo da moça que me acompanhava (uma raiva, em comum, de uma cidade) e não apagou nossa caminhada matutina pela praia; uma aguinha foi pouco pra me impedir de ir de penetra num aniversário (aliás, recomendo ouvir 1989 no meio da chuva) ou pra me tirar o sorrisão que ganhei junto com um livro inesperado; o almoço foi com dois Guis (como não amar?); o gosto de suco de goiaba e caju não saiu da boca, assim como não saiu da cabeça a vontadinha de ler Graça Infinita (e ninguém se feriu no acidente); vi mais vídeos de JoutJout enquanto não dormia; passear é sempre bom; quem foi me deixou feliz (e consegui ver sem querer muitas pessoas que queria abraçar); e, finalmente, teve paleta de framboesa com hibisco, rodízio de sushi, café da manhã com iogurte e bolos enfeitados, lindy hop no parque o suficiente pra ninguém ligar mais pra calçada alguma4.

(E isso nem foi tudo: eu tinha feito uma (extensa) lista das coisas que me fizeram bem nesses dias, mas o computador fez o favor de travar e dar um chá de sumiço no arquivo.)

Só depois me dei conta que, ao contrário do que eu esperava, tanta coisa boa não era a prévia de algo ruim. Muito menos era algo que eu merecia – sempre me surpreendo com a bondade das pessoas. Era, no entanto, algo de que eu precisava depois de 2014. Recarregar a bateria era uma necessidade – coisa de equilíbrio, sabe? – e foi isso que fiz. (A todos que colaboraram nesse sentido, sou muito grato.) Como diz minha cronista favorita: “Daí pra frente é um pulo”.

Eu, que já tinha medido uma Flip em abraços, passei a medir o ano em amor, bem no estilo de Rent. E teve muito. Que venha 2015.

  1. Mentira, tenho sim: devo ter visto o do brigadeiro umas 27 vezes. “Vai lamber esse brigadeiro daí!”
  2. Ok, a trilha sonora DESSE vídeo fez um estrago danado. Mas isso a gente não conta.
  3. Lembrei logo de Um teto todo seu: “Com a constituição humana sendo como é, coração, corpo e cérebro todos misturados, e não restritos a compartimentos separados como sem dúvida serão daqui a um milhão de anos, um bom jantar é de suma importância para uma boa conversa. Não se pode pensar direito, amar direito, dormir direito quando não se jantou direito. O brilho no meio da espinha não se acende com bife e ameixas.”
  4. Fica o aprendizado: calçada é pra pisar, não pra dar beijo de esquimó. Então presta atenção e não fica achando que ela é sua amiguinha – “Oi, calçada. Tudo bem com você?”. Ela pode (e, se tiver oportunidade, vai) machucar você.