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Verão Infinito #0

Uma semana voou e vocês nem sentiram 90 páginas, fala sério. “Mas, Felippe, foram mais de 100 se contarmos todas as notas de rodapé.”

Cri, cri.

Nessa primeira semana de Verão Infinito – e hoje começa realmente o verão no Brasil – muita gente conheceu pela primeira vez alguns personagens de Graça Infinita e certos temas que serão explorados ao longo da narrativa.

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OS ANOS

Como deu para notar os anos são contados de maneira diferente em Graça Infinita: primeiro, todos os anos são patrocinados; segundo, o tempo no livro não passa de maneira linear ou cronológica. Passamos pelo Ano Feliz, AFGD 1, AEMT 2, ALCA 3 , ACDTB 4, e vários personagens aparecem, sendo protagonistas das histórias ou meramente citados.

Para quem sentiu certo estranhamento quanto aos títulos dos anos, logo pode se sentir um pouco mais aliviado, de uma maneira bem cômica, quando conhecemos o adido médico do Príncipe Q____,. Nesse trecho é explicado que alguns monumentos como a Estátua da Liberdade carregam os produtos do ano vigente (quem não pensaria naquela estátua idosa com uma fralda geriátrica?).

O calendário subsidiado segue a Lua e não o Sol (explicado na nota de rodapé 304 sendo ela um complemento da nota b da nota 39), o que explica, assim penso, o símbolo no começo de todos os anos subsidiados.

A melhor forma de saber mais ou menos quando acontece um ou outro ano é pela idade de Hal Incandenza. Em Ano Feliz, por exemplo, ele está à beira dos 18 anos, no AFGD com 17; no AEMT tem 10 para 11, etc.

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O CARTUCHO

Até agora não nomeado, o cartucho assistido pelo adido médico aparece em pílulas durante a leitura. É claro que para quem leu a quarta capa já sabe do que se trata mas não quem mandaria para um médico estrangeiro esse filme.

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A FILMOGRAFIA DE JAMES O. INCANDENZA

Uma das minhas partes favoritas dessa primeira semana foi, e espero não estar sozinho nessa, ler toda a filmografia de James Incandenza (Sipróprio). Esse gênio, ou louco – tem pessoas que dizem ser os dois –, e suas ideias mirabolantes para o audiovisual até chegar em sua obra-prima, ou derradeira filmagem, Graça Infinita (V?). 5

Entre os meus filmes favoritos estão: O homem que começou a suspeitar que era feito de vidro, O século americano visto por um tijolo e Homo Duplex (sobre homens do século XX que se chamam John Wayne, mas não são John Wayne).

Essa nota segue como uma das mais importantes, talvez a nota-chave, para o decorrer do romance.

Além do cinema, o gênio não era apenas da área audiovisual. Como bem acompanhamos, ele fundou a Academia de Tênis e também participou de diversos programas do governo. Muitos o chamam de Dr. James O. Incandenza. Quando começou sua carreira como documentarista especialista, passou todos os seus bens e patentes para C.T.

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KATE GOMPERT

A apresentação de Kate, nessas 90 páginas, foi uma das minhas favoritas. Primeiro por passar pelo delicado tema da depressão, doença que poucas pessoas fazem um esforço para entender. Segundo pela franqueza com que DFW trata do assunto.

“Não é vontade de me machucar, é vontade de não sentir dor” (pág. 83)

Esse “não sentir dor” ou apenas parar de sentir é um dos temas abordados por Andrew Solomon em O demônio do meio-dia. Aqui vemos um pouco das angústias de David Foster Wallace como uma pessoa que sofreu durante anos com a depressão, aqui ele se expõe. Ele partilhou isso em outros de seus textos, e um dos meus favoritos é o conto “A pessoa deprimida” 6, em que ele transforma a depressão em uma pessoa. E aqui não acontece o mesmo? Kate não é a personificação da depressão ou da própria doença em Wallace?

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ORIN, MARIO E HAL

“Estou sentado num escritório, cercado de cabeças e corpos.” (pág. 7)

Hal conhecemos desde a primeira página do romance. Grande parte da sua participação nessas primeiras noventa páginas mostram um garoto complexo, de alto QI, mas com momentos de lapsos – ou de ausência? –, em que parece que ninguém a sua volta o entende. É jogador de tênis (um dos melhores, figurando entre os grandes em rankings de jogadores) e viciado em maconha – e se não fosse por que diabos passaria por tantos apuros para fumá-la?

A pista que recebemos sobre essas “ausências” de Hal está no dia 1º de abril de AEMT. Ele está no consultório de um “conversador profissional”, quando do nada percebe algo suspeito e diz que aquele é Sipróprio (seu pai). Isso vem a se confirmar na filmografia de James O. Incandenza com o filme Era um grande prodígio estar ele no pai sem conhecê-lo, que fala justamente sobre um pai que finge ser um “conversador profissional” para descobrir por que seu filho finge que é mudo.

“Essas piores manhãs, de piso frio e vidros quentes e luz impiedosa – a certeza que a alma tem de que o dia terá não que ser atravessado mas como que escalado, verticalmente, e de que ir dormir de novo no fim do dia vai ser como cair, de novo, de algum lugar alto e íngreme.” (pág. 51)

Orin é jogador de futebol. Aliás, uma das melhores cenas dessas primeiras páginas, entre muitas, é como o jogo de futebol americano mudou após a Reconfiguração. Aliás, imaginar a cena de jogadores vestidos de mascotes para jogar é impagável. Ele tem nojo de insetos e trata suas companhias, em sua grande parte mães (MILF’s), pelo carinhoso apelido de Cobaia 7.

“Ô Hal?”
“…”
“Ô Hal?” (pág. 45)

Mario (Bubu), como todos devem ter percebido, tem sérios problemas mentais e físicos, mas isso não tira nem um pouco o mérito de ser um dos personagens mais humanos. As passagens protagonizadas por ele sempre dão um toque de leveza – dando um fôlego ao humor negro – nas piadas. Cada vez que Bu, ou Bubu, abre a boca é delicioso. Nessas horas é possível perceber o peso (metafórico) de Graça Infinita.

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Nota sem relevância: chateado por chamarem de ONANITA e não ONANISTA, o novo-super-continente da América do Norte.

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NOTA DE RODAPÉ 35

“Ou seja, presumivelmente, “de-Georg-Cantor”, sendo Cantor um teórico de conjuntos do começo do século XX (alemão também) e mais ou menos o fundador da matemática transfinita, o homem que provou que certos infinitos eram maiores que outros infinitos, e cuja Prova Diagonal de lá por volta de 1905 demonstrou que pode haver uma infinidade de coisas entre qualquer duas coisas por mais próximas que elas estejam uma da outra, Prova D. essa que embasa solidamente a noção do Dr. J Incandenza, da estética transestatística do tênis sério.”

Essa infinidade de coisas entre duas coisas serve como dica de como Graça Infinita tem detalhes dentro dos seus detalhes. Se algo passar despercebido, podemos muito bem perder o fio da meada, não ter a última peça do quebra-cabeça. E aqui cabe um spoiler para denunciar como o livro se constrói através de todas essas infinidades de temas, todos parecem colados, parecem os mesmos, e se repetem, mas faz parte do macro e do micro temático e estrutural. Fiquem atentos às lacunas. 8

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MAIS PERSONAGENS

Erdedy, o viciado que espera. Um dos grandes chamativos é a passagem de Erdedy esperando a mulher cenógrafa trazer para ele maconha. A paranoia dele é contagiosa. Um dos pontos altos do livro.

Tommy Doocey, o traficante de lábio leporino, que guarda cobras em um aquário. Como mora em um trailer, aparentemente é o traficante de Erdedy (ou da fonte de dele).

Don Gately, o viciado que invade casas para roubá-las e comete dois crimes igualmente sujos: prender um velho resfriado em uma cadeira e amordaçar-lhe a boca, culminando numa morte sufocante de catarro; e enfiar a escova de dentes do seu arqui-inimigo bem no meio do seu OPA, PRÓXIMO PERSONAGEM!

Dr. Charles Tavis, a.k.a. CT, irmão adotivo da matriarca dos Incandenza e diretor da academia de tênis no AFGD.

Avril M. Tavis Incandenza, é a mãe de Orin, Mario e Hal. Ela assumiu as responsabilidades da academia de tênis depois da morte de James O. Incandenza.

Jim Troelsch, membro da academia de tênis.

Michael Pemulis, membro da academia de tênis e um ser um pouco perturbado. Tem um jeito tão seu que até criaram o verbete Pemulisiano.

Gerhardt Schtitt, técnico e diretor esportivo da academia de tênis. Um alemão com tendências fascistas, muito admirado por James O. Incandenza e também por Mario, com quem tem uma relação mais próximas que de outros membros e alunos da academia.

Míni Ewell, um alcoólatra. Encontramos ele durante suas desintoxicação e ficamos sabendo um pouco sobre a sua história. No final dessa primeira aparição de Míni, sabemos que mais pessoas foram atingidas pelo cartucho rolando em looping no apartamento do adido médico.

Remy Marathe, é membro do AFR – os assassinos cadeirantes – cuja explicação é mostrada numa nota de rodapé. Aí a importância de nunca pular as notas, uma história dentro de uma história. Nessa mesma parte conhecemos um pouco mais sobre o grupo separatista e de onde vem – Quebec9.

M. Hugh Steeply, contato de Marathe. Praticamente um agente duplo.

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Nota com, ou talvez sem, mas com certeza curiosa, relevância: Bob Hope (a.k.a. maconha em Graça Infinita). Um comediante famoso dos EUA, ganhou dois Oscars Honorários e apresentou várias vezes os prêmios da academia.

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NOTAS DE RODAPÉ 21 e 211

“Tudo bem, eu sou paranoico – mas será que sou paranoico o suficiente?”

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ESTILO E NARRATIVA

Entrar nesse mérito talvez seja necessário. Durante uma conversa com outros membros, muitos me falaram sobre erros de revisão do livro. Pois bem, às vezes um livro gigante como esse pode ter um ou outro erro. É bom lembrar que DFW adorava fazer brincadeiras com a linguagem, erros de concordância, abreviações, etc.10.

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BÔNUS TRACK: 3 entrevistas com David Foster Wallace

O futuro da ficção na era da informação

Entrevista na época do lançamento de Graça Infinita

Essencial para entender um pouco o humor de DFW e outras coisas

  1. Ano da Fralda Geriátrica Depend
  2. Ano do Emplasto Medicinal Tucks
  3. Ano dos Laticínios do Coração da América
  4. Ano do Chocolate Dove Tamanho-Boquinha
  5. A filmografia está na nota de rodapé 24 (se estende por subnotas).
  6. Breves Entrevistas com Homens Hediondos
  7. Aliás, meio suspeito ele ter essa preferência por mães
  8. Aqui um pouco do Infinito entre os infinitos https://www.youtube.com/watch?v=swxf6IeRgZw
  9. lugar citado diversas na narrativa, grande parte na maneira jocosa como falam
  10. se rolar alguma dúvida, podem deixar aí nos comentários