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Verão Infinito #0
Verão Infinito #1
Verão Infinito #2

Parece que agora as coisas estão finalmente tomando seu lugar. O que não deixa de ser estranho, já que estamos nos aproximando da pagina 300 e só agora podemos definir uma espécie de HORIZONTE DE EVENTOS discernível para a trama de Graça Infinita. E essa foi uma semana de trama, com certeza. Como já deu provavelmente para notar, as informações relativas à história do livro se encontram dispersas, escondidas em parágrafos gigantescos em meio a outras milhares de informações, nomes, siglas, gírias. É preciso se embrenhar nesses parágrafos, tentar silenciar um pouco o ruído pra tentar chegar nas informações relevantes. Mas como saber quais são as informações relevantes? Como diferenciar aquilo que importa do que pode ser deixado de lado? Seria mesmo trama o que há de mais relevante no livro? Como vocês já devem ter notado, nada em Graca Infinita é por acaso, e esse tipo de estrutura reflete uma gama tão grande de preocupações de DFW que pode ser facilmente classificado como um tema: como diferenciar ruído de informação, o que fazer com o material coletado, como lidar com esse material bruto da realidade. O bloco de dados está ai, cabe a nós leitores darmos forma a ele. Isso diz respeito a uma compreensão de realidade em que o mundo é um agregado caótico e disforme, totalmente sem sentido. O único jeito de viver numa realidade assim constituída é tentar inventar formas que de alguma maneira organizem esse caos, criem sentidos para que nossa existência seja suportável e nos faça acordar todo dia de manhã: estruturas, comunidades, explicações, teorias, narrativas. A tristeza da coisa toda é a) saber que essas coisas são todas temporárias e inventadas, pois o universo não tem sentido, e b) que não foram criadas pela gente, já estavam prontas quando a gente nasceu. Talvez o grande teto seja se deparar com o caos constitutivo do mundo e notar que a única coisa efetivamente imutável é a nossa necessidade de criar estruturas para lidar com ele, o que é de certa forma meio desesperador, até porque não importa efetivamente QUAL a explicação ou estrutura, mas sim como a gente a usa e qual o seu resultado. The meaning is the use, diria o austríaco.

As noventa páginas dessa semana são relativamente bem delimitadas em termos de tempo e espaço. A partir de agora entramos em novembro do AFDG, que é quando grande parte da ação linear do livro vai se desenvolver. Somos apresentados com mais profundidade à Casa Ennet, seus moradores e sua geografia. O trecho em que são descritas as coisas que você pode aprender ao passar um tempo numa Casa de Recuperação é para mim um dos grandes momentos do livro, naquele tom meio autoajuda pós-moderna, um grande elogio à FORMA-CLICHÊ. O clichê e as platitudes ainda serão abordados com mais profundidade, sendo um dos vetores de formação das comunidades do livro, essencialmente linguísticas – ATE, Ennet, Quebecóis. Tudo gira em torno de um determinado uso de um determinado tipo de linguagem, o que fortalece a ideia de comunidade e cria laços de pertencimento. Comunicação, portanto, é o que torna nossa existência no mundo possível. Quanto ao conteúdo desses trechos, silencio, pois nunca passei um tempo numa Casa de Recuperação, mas que bate forte, bate. (A tendência obsessiva de Mini Ewell de catalogar as tatuagens também vale a referência, visto a tendência totalmente enciclopédica do romance, uma espécie de tentativa de agregar o máximo de informação possível sobre tudo e depois tentar achar o que dá pra fazer com elas).

Agora sim, uma série de pontas soltas começam a se amarrar. É apresentada a nós Joelle Van Dyne, ex-namorada de Orin, atriz preferida da fase tardia de Jim Incandenza e talvez responsável em uma ínfima parte por sua separação de Avril e seu subsequente suicídio, além de apresentadora de um programa de rádio universitário. Joelle foi a atriz do “Graça Infinita”, cartucho que tem sido enviado como arma, o que já dava pra sacar pelos créditos na filmografia. O que há de novidade é um átimo de seu conteúdo: aparentemente, trata-se de uma mãe pedindo desculpas ao seu filho, o monólogo Eu-sinto-muito-mesmo, numa câmera autotremelicante e quartzoide colocada dentro de um carrinho de bebê, simulando sua visão. Essa informação produz um sem fim de questões: seria o filme endereçado a Hal, por algum motivo? O filme deveria ter sido enterrado junto com JOI, mas está circulando; ou seja, quem sabia de seu potencial destrutivo e exumou seu corpo? Na cena inicial do romance, Hal narra uma cena em que ele e Don Gately estão abrindo a cova de seu pai. Estariam eles procurando o filme? O mais interessante em relação ao filme é o papel de Orin, pois na sua ligação para Hal ele diz estar sendo perseguido por cadeirantes, além do fato de que a jornalista que irá entrevistá-lo é Hugh Steeply do BSS travestido. Orin está sendo perseguido pelos dois lados, o que mostra que talvez nenhum deles saiba muito bem quem possui o cartucho. A pista é Orin: ex-namorado da atriz (esquivador de ácido volante, possivelmente o mesmo ácido que deformou Joelle, obrigando-a a usar o véu), filho do auteur, frequentador de correios a contragosto. Treta grande.

Por fim, chegamos ao incrivelmente potente DMZ: um fungo que cresce num fungo (“deve ser algo que eu comi”), psicodélico mais potente conhecido pelo homem. Adquirido por Pemulis, através de um contato na Ennet, na loja dos irmãos Antitoi, o DMZ tem a alcunha de Madame Psicose, a mesma de Joelle. Muitas possíveis relações, muitas páginas pela frente. Peço ajuda aos amigos aí nos comentários. Obrigado pela atenção e boa leitura.

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