Depois de vencer o Oscar de melhor atriz em 2008, por Piaf – Um Hino ao Amor, de Olivier Dahar, a parisiense Marion Cotillard mergulhou em produções mais comerciais que lhe dessem visibilidade e, por que não, dinheiro. Assim, a atriz fez o musical Nine (2009), de Rob Marshall, Contágio (2011), de Steven Soderbergh, e até a vilã do último Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), de Christopher Nolan. Se suas atuações não foram vergonhosas e as escolhas da carreira ajudaram a consolidar seu nome na indústria Hollywoodiana, tampouco se pode dizer que foram papéis memoráveis. Porém, com Dois Dias, Uma Noite, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, a atriz recupera seu potencial dramático, numa produção pequena, que aposta no super-realismo para contar a história de Sandra, uma operária que fica meses afastada do trabalho devido a uma crise depressiva, e agora precisa convencer seus colegas a não aceitarem o bônus oferecido pela fábrica, que acarretará na sua demissão.

A estratégia de quem conta a história é exibir, como pano de fundo de um drama pessoal, a crise financeira que assola a Europa desde 2007 e as mazelas do capitalismo atual. Com cheiro de marxismo, o filme é uma crítica contundente e muito clara à lógica capitalista que põe os trabalhadores uns contra os outros, otimizando os lucros às custas do aumento da carga de trabalho e pauperização da remuneração.

Os donos da fábrica percebem que o serviço realizado por dezessete funcionários, incluindo Sandra, poderia ser executado por dezesseis trabalhadores, se eles estivessem dispostos a cumprir horas extras. Se não aceitarem o benefício – de mil euros, oferecido como bônus pela empresa – ninguém perde nada, apenas deixam de ganhar. Do contrário, aceitando a bonificação, a fábrica justifica que não teria condições de manter a décima sétima funcionária, Sandra. O problema se dá justamente pela questão da crise: embarcando numa via sacra motivada pelo marido, Sandra vai à casa de cada um de seus pares, na tentativa de persuadi-los a não aceitarem o bônus. Porém, cada um explica à sua maneira por que precisam do dinheiro, sendo alguns dos motivos nobres e justificáveis, emocionam a própria Sandra, e outros por razões torpes e insensíveis, como a reforma da casa ou o direito por ter trabalhado.

Na lógica atual, não há justificativas válidas para Sandra convencer seus colegas. A personagem, ao ouvir cada justificativa, replica com as últimas forças do convencimento e aceita, impávida, qualquer decisão. Cada visita é uma humilhação para essa mulher, que precisa continuamente tomar tranquilizantes para seguir com sua jornada, cada vez mais deprimida e derrotada.

A situação imposta pela empresa, que poderia muito bem ser contornada se houvesse interesse, leva Sandra a ações drásticas e quase fatais, mas o destino parece se desenrolar de forma minimamente favorável, revelando que, embora os irmãos Dasdenne tenham optado pela visão nua, crua e realista de sua história, neles ainda pulsa um pingo de esperança, talvez pueril, com o comportamento humano.

Marion entrega sua interpretação mais frágil, visivelmente abalada e pronta para ter uma crise em cada momento. Em meio a outros atores sem muita expressividade, a atriz ganha o filme inteiro, fazendo o espectador não conseguir desgrudar os olhos dela. A empatia é gerada sem maiores esforços, até porque Marion conta com uma imagem reconhecida e agradável. Quando posta ao lado da família, entre dois filhos pequenos e diante de um casamento estremecido, só nos faz pedir mais e mais por uma solução favorável.

Acompanhando os indicados ao Oscar deste ano, como venho fazendo nesse último mês em minhas críticas aqui no Posfácio, é estranho deparar com um filme como Dois Dias, Uma Noite, que levou Marion à indicação de Melhor Atriz. O ritmo, a estrutura, as intenções e a própria técnica do cinema belga dos irmãos Dardenne em nada combinam com produções do tipo A Teoria de Tudo, da indicada Felicity Jones, e nem mesmo com o independente estadunidense Para Sempre Alice, da favorita Julianne Moore. Assistir aos filmes em competição, muitas vezes com enredos e execuções feitas como isca de Oscar, como bem disse Isadora Sinay em sua crítica sobre O Jogo da Imitação no Gizmodo (veja aqui), e depois enfrentar Dois Dias…., é algo como estar caindo numa cachoeira e de repente se ver num lago de águas plácidas. Pode causar estranheza ao espectador, mas certamente é uma experiência diferente, muito agradável e competente.