Anteriormente em Verão Infinito…

Verão Infinito #0

Verão Infinito #1

Verão Infinito #2

Verão Infinito #3

Verão Infinito #4

Verão Infinito #5

Verão Infinito #6

Verão Infinito #7

Tem essa guria – chamemo-la S. Ela está no metrô quando se depara com um rapaz – chamemo-lo M – que desafia algumas leis da física a fim de apoiar e conseguir ler o calhamaço que tem em mãos. Se a S é negado o prazer de investigar qual seria o título do romance – este não consta na capa, mas, em letras garrafais brancas contra o fundo laranja, no corte da cabeça e do pé do volume – ao menos ela tem a oportunidade de dizer ao moço o quanto gosta daquele livro, o que faz de imediato. M, ao travar contato com moça tão simpática, se dá conta de que o esforço não foi em vão – ele planejava deixar o exemplar físico numa estante enquanto prosseguia na leitura no kindle. S lhe fala de um clube de leitura virtual que se iniciará em breve e – conversa vai, conversa vem – essas duas pessoas descobrem que têm um amigo em comum: este que vos fala.

Pois bem: o que Graça infinita juntou que o Tuca não separe. Aceitei o convite do Pips para participar desse clube de leitura ambicioso – e, por que não?, maravilhoso (como o seu idealizador, aliás) –, sem tirar da mente minhas limitações como leitor.

A primeira delas: financeira. Não é todo mundo que tem 110 dilmas – ou 75, numa boa promoção – para, digamos, investir em apenas um livro, né? Enquanto não caía a grana de um frila para adquirir o ebook – consideravelmente mais barato –, acompanhei a primeira semana do clube lendo a amostra disponível na Amazon, o que complementei com duas idas à livraria – para ler as notas de rodapé (por estarem no final do livro, elas não apareciam na amostra do ebook) e as páginas 60-94. A semana 1 serviu para provar que dava para encarar o calhamaço e a compra não seria em vão.

Estou lendo na Bernadette (meu kindle) e, quer saber?: foi para livros como o Graça Infinita que os e-readers foram feitos. Basta tocar no número da nota de rodapé e uma janelinha é aberta, sem precisar sair da página; se for uma nota mais longa, como a 24 ou a 304, o aconselhável é ir para o final (depois, basta tocar num botão e você é redirecionado ao trecho em que estava). Não sei como é a experiência no kobo ou em outros aparelhos, mas o papo de “ah, prefiro o livro físico porque deve ser ruim ler as notas no e-reader” é balela – ao menos no caso do gadget da Amazon.

(Em suma: nunca serei abordado por uma moça simpática no metrô que está lendo o mesmo livro, tampouco receberei olhares de aprovação de desconhecidos pela conjunção de leitura com o exercício de bíceps e tríceps, mas acho que ainda saio ganhando nessa: lugar de malhar é na academia mesmo.)

Voltemos às notas de rodapé (que, na edição brasileira, se tornaram notas de fim de texto): como já sabemos, DFW as usa ostensivamente, inclusive atribuindo notas às notas. No Verão Infinito, fazemos textos que são notas a tudo isso (texto, notas e notas às notas), que são comentados por todos os leitores como notas a todo o conjunto citado anteriormente, comentários estes que podem ser respondidos e… tudo fica mais interessante na medida em que DFW não parece relegar a um segundo plano o que escreve em tais notas. Gostei disso. Sendo assim, resolvi descrever minha experiência de leitura fazendo notas aos textos já publicados no Posfácio, citando-os.

Para facilitar, Simone Vollbrecht deixará de ser alcunhada S e, a partir daqui me referirei tanto a ela como ao que escreveu para o Verão Infinito (gosto duma metonímia, sabe?) como 0. Farei o mesmo com os demais amigos, responsáveis pelas semanas de 1 a 7.

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Eis que o mesmo professor traduziu o texto. Na minha, na sua, na nossa língua portuguesa. Apesar da recriação, dessa “transferência” linguística, Graça infinita está de parabéns como tradução, pois continua, do mesmo jeito, a se mostrar o texto difícil que era Infinite Jest anos atrás. Apesar dessa dificuldade, ele persiste como um convite para que nós entendamos que língua é essa que Foster Wallace nos oferece.

Antes de todo o resto, vale repetir o que 6 falou: o Galindo está de parabéns pela tradução. Sim, talvez o prêmio APCA tenha parecido súbito demais – o tradutor foi premiado por um romance que ainda não estava disponível em muitas livrarias –, mas basta abrir o livro e seguir algumas páginas para se dar conta da dificuldade do original e do cuidado desse moço com a linguagem. É o mesmo cara que tem feito a prosa de Ali Smith tão gostosa de ler em português: em outras palavras, não tem erro.

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A fantasia de que falamos ao telefone sem prestar total atenção em nosso interlocutor e, ao mesmo tempo, esperamos que ele esteja prestando total atenção em nós é das observações mais sagazes de DFW.

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(…) a essa altura, quase todo mundo já enfileirou uma ou duas leituras em paralelo.

Num mundo ideal, eu teria aproveitado a ressaca literária para dedicar todo o meu tempo de leitura ao catatau do DFW. Como não estamos nele, comecei a leitura na mesma época que iniciava Os luminares (Eleanor Catton) e, desde então, um monte de outras leituras têm se acumulado: Operação impensável (Vanessa Barbara), Rani e o sino da divisão (Jim Anotsu), Middlesex (Jeffrey Eugenides), Até o fim da queda (Ivan Mizanzuk), Perdido em Marte (Andy Weir) e Stoner (John Williams). Como se não bastasse, já estou de olho no recém-lançado Os mil outonos de Jacob de Zoet (David Mitchell, autor que, por alguma razão, contraponho mentalmente ao DFW, crendo que merecia mais atenção que este – como num Fla X Flu literário, “escolha o seu David favorito!”), além de reler o romance de Vanessa Barbara, dessa vez fazendo glosas e anotações.

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1-Use dois marca-páginas, um para a leitura do romance e outra somente para as notas de rodapé (as notas de rodapé têm notas de rodapé e antes da página 100 já foram mais de 30 notas); 2 – Post-its, marca-texto, caneta e sublinhados. Razão: muitos personagens, muitos anos a serem decorados, muitas situações que, talvez, fiquem sem explicação. O ideal seria ter dois tipos de marcação a sua escolha; 3 – Preste atenção na cronologia. Principalmente quando ela der as caras.

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“Tudo bem, eu sou paranoico – mas será que sou paranoico o suficiente?”

Por algum motivo, apesar da exortação, anotações é o que menos tenho feito – e olha que num e-reader você nem precisa correr atrás de um lápis ou uma caneta para conseguir fazê-las. Estou acostumado a uma leitura paranoica – não tem como analisar os romances do Bernardo Carvalho num mestrado sem eventualmente enveredar por esse caminho –, mas decidi que me deixaria levar nessa primeira leitura, sem mapas, planilhas ou post-its. Se todo mundo recomendou algo parecido na ocasião da leitura de Cem anos de solidão e não senti que isso me fez lá muita falta, DFW pode muito bem se contentar com o mesmo tipo de leitura que dediquei ao Gabo, né?

O interessante que essa decisão se deu durante uma partida de tênis. Não sei jogar, mas aceitei o convite de um amigo para uma partida. Eu achava que seria um desastre completo, mas, no final das contas, comecei a pegar o jeito da coisa: acertei tantas bolinhas e saques que quis aprender como os profissionais faziam. Foi então que o braço doeu, o tamanho da quadra começou a incomodar e o saque cruzado pareceu-me impossível; foi então, também, que me lembrei do ensaio “Federer como experiência religiosa” – insuportável, digno de uma leitura dinâmica daquelas. Imagina se eu me dedico com afinco a esse romance – como cogitei, brevemente, me dedicar ao tênis – e, no fim, ele se revela parecido com aquele ensaio? Preferi deixar tanta dedicação para a releitura, caso venha a ocorrer – vai que ele se revela digno de ser relido logo depois, como o livro da Vanessa Barbara supracitado?

Aliás, deu vontade de perguntar: alguém mais está lendo assim, de boinha, por aí? O que está achando?

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Por que ninguém parece capaz de simplesmente ler a porra do livro de capa a capa, fechá-lo e guardá-lo na estante, como fazemos com tantos outros livros?

É mais ou menos o que tenho buscado fazer. Não tenho sequer marcado o progresso na leitura no Goodreads, coisa que costumo fazer com todos os livros. Só não guardarei a Bernadette na estante no final porque, bem, ela é uma estante ambulante.

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Mas como saber quais são as informações relevantes? Como diferenciar aquilo que importa do que pode ser deixado de lado? Seria mesmo trama o que há de mais relevante no livro?

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a narrativa realmente importa?

Se escrevi que “anotações é o que menos tenho feito”, isso não significa que elas inexistam. Nelas, tenho privilegiado passagens (diálogos, algumas delas) cuja leitura ressoa em minha mente durante vários minutos. Ao invés de checar a Wikipédia do escritor, a fim de analisar o quanto sua vida e obra se casam (e eventualmente julgar se Kate Gompert c’est lui), meus grifos seguem o padrão dos feitos em outros livros: “o que esse trecho me diz?”

Um exemplo simples? Há um excerto referente à anedonia: “É uma espécie de torpor espiritual em que você perde a capacidade de sentir prazer ou afeição por coisas anteriormente importantes. O ávido jogador de boliche larga o campeonato e fica em casa à noite encarando inerte uns cartuchos de kick-boxe. O comilão perde o apetite. O sexual descobre que sua amada Unidade de repente é só um pedaço de cartilagem sem sensações, só pendurado ali. A esposa e mãe devotada acha a ideia da família dela tão comovente, de repente, quanto um teorema de Euclides. É um tipo de xilocaína emocional, essa forma de depressão, e por mais que não seja francamente doloroso esse amortecimento é desconcertante e… enfim, deprimente.”

Se ele tivesse escrito “o leitor que não tem vontade de ler”, se aproximaria muito do senti (mas não descrevi) durante minha última ressaca literária.

7
Ler Graça infinita sem ironia e com intenção real de compreender o livro não é cool. Mostrar tanto interesse por um romance — pior: norte-americano — não é cool. Todo mundo aqui foge, uns mais e outros menos, da “glorificação romântica do Weltschmerz”.
Não é cool dizer que você comprou Graça infinita porque a curiosidade era enorme. Não é cool confessar o medo, a adoração ou a alegria porque temos (finalmente) a versão traduzida. Não é cool fazer uma leitura coletiva. Não é cool levar isso a sério.

Acho que o trecho de 7 resume a beleza do que tem sido o Verão Infinito. Quando a leio, penso num ambiente acadêmico, mais conservador: talvez ali haja uma resistência – um empinar de narizes – quando o assunto passa a ser um romance norte-americano. Isso me lembra de outras vivências que não a minha – empatia é um dos grandes temas do romance, afinal –, porque, de onde estou, parece (já pareceu mais, mas ainda parece) cool as hell enfrentar esse romance; plmdds, ele está até na biblioteca do Homem Aranha.

E então penso em todos os leitores para os quais Graça infinita não é cool simplesmente por ignorarem a sua existência.

E aí penso em você. Você veio porque está relendo e queria conversar em português com outros leitores? Ou descobriu o livro sem querer numa livraria – achou o projeto gráfico interessante, começou a leitura e achou difícil, até o Google indicar uma galera que estava lendo em conjunto? Ou o viu no instagram, com um gato vestindo bandana ao lado? Ou decorou o título que o moço garboso do metrô lia para, talvez, conseguir puxar papo da próxima vez?

Você tem achado cool ou não? Estou doido para saber.