Você já pode tê-la lido em uma ou outra coluna minha, em um ou outro comentário aqui no Posfácio. Pode ser que você a tenha visto no meio de uma lista da Taize, em legendas da Simone no Instagram, no Twitter ou na página de uma editora no Facebook. Há alguns meses venho brincando com a ideia do #leiascifi20151. Hoje foi o dia escolhido para seu lançamento oficial.

Resumidamente, venho por meio desta informar que, em 2015, já me comprometi a ler ficção científica. Serão pelo menos 12 livros, um para cada mês do ano: uma quantidade que, suponho, devo dar conta2.

A ideia não é recente. Eu já tentei algo parecido em anos anteriores – 1984, Admirável Mundo Novo, Laranja Mecânica, Fahrenheit 451 são alguns dos títulos que devorei em algumas dessas tentativas. Em 2011, por exemplo, estava tão empolgado que um amigo me deu o exemplar de Duna que me emprestara. O problema é que ao contrário de outras ações afirmativas que propus nas minhas leituras – ler mais contemporâneos, mais brasileiros, mais mulheres, mais poesia, mais estreantes desconhecidos, mais quadrinhos – ler ficção especulativa (campo mais amplo, que abrange scifi, fantasia e horror), por algum motivo, não se tornou algo habitual para mim.

Talvez, sim, haja resquícios do preconceito adolescente contra a literatura de gênero – sim, eu fui um rapazote estranho3. E qual a melhor forma de combater ideias pré-concebidas? Isso mesmo: conhecimento.

Dito isso, nem preciso lembrar que estou meio que começando do zero. Sim, assusta um pouco meter o bedelho em um tipo de literatura que já tem uma tradição, com especialistas e fãs fervorosos. Contudo, também me empolga a ideia de pouco saber a respeito daquilo em que estou me metendo. Nesse sentido, poderia facilmente adaptar para a minha relação com a literatura scifi o que Sérgio Augusto escreveu a respeito da leitura dos contemporâneos.

Um dos prazeres de ler ficção contemporânea, argumenta Woolf, é nos forçar a exercitar nossa capacidade de julgamento sem o peso de opiniões estabelecidas, a avaliar se determinada obra é boa ou não a partir de nosso próprio juízo, seguindo nossos instintos.

Vou tentar seguir tais instintos – no final das contas não preciso agradar a ninguém, não é mesmo? Ao menos é o que tenho feito com séries (Black Mirror, Orphan Black, Helix, Under The Dome, Duna, Lost, The 4400 e Misfits são algumas delas) e filmes (Alien, Prometheus, Jupiter Ascending, Star Wars, Star Trek, Lucy, Gravidade, Interestelar, Guardiões da Galáxia, Pacific Rim, entre outros) que habitam esse universo que conheço tão pouco. Tenho consciência de que muitos artifícios narrativos que me surpreendem e empolgam não passam de clichês para um conhecedor do gênero.

E se você me perguntasse de onde veio todo esse interesse? Direi que é mera curiosidade, que é apenas uma forma de enfrentar o preconceito supracitado ou que é impossível ler as colunas do Gigio sem ficar com vontade de ler tudo que o moço cita? Sim, sim e SIM. Mas o interesse também veio de uma insatisfação pessoal com o realismo (e conservadorismo) de algumas leituras. Lembro-me de Elvira Vigna

(…)tem toda uma corrente que diz que a literatura modifica o mundo. Eu não concordo. Não vejo de fato a arte mudando algo socialmente. Vejo um anúncio de mudança, e não a mudança. A literatura, como qualquer arte, anuncia, mas não modifica. A arte tem a capacidade de mostrar algo que ainda está se formando e vai eclodir daqui a algum tempo, ou que já está mais ou menos presente mas ninguém ainda notou. Aí, se ela for eficiente na sua recepção — se as pessoas perceberem esse anúncio de algo mais ou menos futuro —, é claro que a arte modifica.

… e de Gigio

(…) é tentadora a hipótese de que os autores especulativos absorvem mais rapidamente as transformações sociais (o fim da distorção dos gêneros na literatura, no caso).
Pode ser apenas uma impressão, condicionada pelo senso comum, mas a ficção especulativa parece, por natureza, mais aberta a novas experiências e, por consequência, a questionar as tendências tradicionais.

… e de um colega de mestrado, com quem eu costumava conversar bastante sobre a zona de conforto conservadora de alguns conhecidos prosadores contemporâneos, muitas vezes justificada com um “é assim que as coisas são”. Lembro-me também de quando li Exorcismos, amores e uma dose de blues e vi que ali inexistiam algumas coisas tão cotidianas – algumas mesquinharias e uns preconceitos bobos – simplesmente porque o autor resolveu ambientar sua história num universo ligeiramente distinto do nosso.

O que eu quero dizer é: se eu mal chego numa festinha e me dão um ebook de ficção científica feminista e as paredes estão decoradas com cartazes coloridos em favor da diversidade de vozes, como não me sentir à vontade?

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“Peraí, Tuca. Você acabou de citar uma obra que não é exatamente ficção científica.”

Sim, eu sei, mas citei o Eric Novello de caso pensado. Ter me comprometido com pelo menos 12 livros de ficção científica não me impede de tentar, em paralelo, conhecer mais ficção especulativa4. E é o que farei. Em minha defesa, uso tanto uma das leis de Clarke (“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia.”) quanto uma das primeiras falas do Dr. Victor em Castelo Rá-Tim-Bum: “Tem gente que acha que eu sou um cientista e tem gente que acha que eu sou um mágico. Bem… na verdade, eu sou um pouco dos dois!”.

Aliás, não são todas as livrarias que tem uma seção scifi. Muitas das que tenho visitado têm um espaço em que fantasia, scifi e horror ficam misturados – apenas o realismo mágico que fica longe, na seção dos latino-americanos. Não sou ingênuo a ponto de acreditar que os 12 títulos a serem lidos durante o ano serão escolhidos apenas num passeio pela livraria – sei que Gigio e Simone não me deixarão sozinho nessa e a Wikipedia pode ser uma bela mão na roda na hora da decisão –, mas: (1) adoro descobrir um livro e decidir que o lerei sem saber nada a respeito de sua sinopse; e (2) também estou pensando em você.

“Em mim?”, você me pergunta e eu respondo “claro”. Porque, sim, essa coluna também é um convite: você quer me acompanhar no #leiascifi2015? Se a resposta for positiva, temos uma bela jornada pela frente. Compartilho algumas das coisas que aprendi nos meus passeios por livrarias.

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Alguns livros mais recentes estão meio escondidos no catálogo das editoras: O círculo (Dave Eggers) e Graça Infinita (David Foster Wallace) saíram pela Companhia das Letras, enquanto A idade dos milagres (Karen Thompson Walker) ficou com a Paralela; Fúria vermelha (Pierce Brown) e Battle Royale (Koushun Takami) foram publicados pela Globo Livros, cujo selo Biblioteca Azul tem lançado a obra completa do clássico Aldous Huxley; Os deixados para trás (Tom Perrotta), Aniquilação (Jeff VanderMeer) e Iluminadas (Lauren Beuckes) chegaram por meio da Intrínseca – o Station Eleven é dela também; a coleção do Douglas Adams saiu pela Arqueiro.

Outras editoras têm selos específicos para ficção especulativa: a Rocco criou sua divisão Fantástica e a Casa da Palavra (do grupo Leya) é agora responsável pela divisão Fantasy. E, finalmente, há também casas editoriais cujo catálogo literário parece ser composto principalmente por obras de specfi – cito como exemplos a Draco (com coleções como a do Mundo Punk e a de Space Opera), a Conrad (que já lançou Neil Gaiman e Alan Moore) e a novata Saída de Emergência.

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Mas a forma mais fácil de encontrar na livraria um livro scifi parece ainda ser o bom e velho “onde estão os livros da editora Aleph?” – essa que é “a principal editora de ficção científica no Brasil”, segundo a reportagem. O que não falta é opção: só na listinha de melhores leituras de 2014, Simone indica uns 4 da Aleph – um deles de Philip K. Dick, autor que classifico como “Nunca te li, sempre te amei”.

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Quando a editora Aleph entrou no ramo ainda nem se usava código de barras!

Alguns dos livros da editora (e agora, quais escolher?) com certeza passarão pelo #leiascifi2015 – a editora firmou uma parceria com o Posfácio. Talvez role até um clube de leitura. O que você acha? Gostaria de participar?

Por ora, chega de falar do que faremos e façamos: #leiascifi2015

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  1. Uma das inspirações é clara: o #leiamulheres2014 – projeto que acompanhei e que algumas pessoas estenderam para 2015.
  2. Com muito menos – apenas um título – você já começa a participar do Desafio do Livrada, do meu brother Yuri.
  3. Dependendo da sua idade, eu ainda posso ser considerado um.
  4. Admito que a escolha da hashtag também levou em conta que #leiascifi2015 é mais legal de falar do que #leiaficçãoespeculativa2015 – ou #leiaspecfi2015, como acabei de pensar.