Anteriormente em Verão Infinito…
Ok, não tem mais jeito. Está acabando. É o fim.
Essa semana se divide entre nossos dois pseudoprotagonistas, cada um em situação bizarra própria de não conseguir se comunicar com quem está em volta.
Gately segue internado, e praticamente experimenta como seria seu enterro. Pessoas vêm, pessoas vão, todos conversam no pé de sua cama em estados variados de abertura/discrição, visto que ninguém sabe muito bem se ele está consciente e escutando.
Nos intervalos das histórias alheias, temos as reações do delirante Gately, tentando se recuperar dos tiros sem analgésicos (dói só de ler, assim como alguns trechos da infância dele).
Dentre os que param para visitar, temos um certo fantasma. Que Gately nunca viu na vida, mas está lá e escolhe, muito alegremente, se abrir com o gigantão de modos que ele não entende muito bem. Apenas o suficiente para sentir que Joelle tem algo com tudo isso (quem não ama as interações de Gately e Joelle?).
Enquanto isso, na ATE, algo muda. Hal, o garoto que não se comunica e não sente (segundo Sipróprio), vira um ser senciente. Vamos Hal finalmente narrando na primeira pessoa (ele abre o livro se expressando dessa forma, mas lembrem: cronologia!).
Ainda que as coisas pareçam normais e Hal esteja tão deprimido quanto algumas páginas atrás, temos pistas de que algo está errado. Enquanto a bizarra situação da testa colada na janela se desenrola (esse capítulo só não é mais fisicamente desconfortável do que o homem morrendo afogado em meleca), diversos personagens notam e comentam que algo não está indo bem no reino da Dinamarca (Escandinávia? Noruega?) e Hal tem problemas.
Será que isso tem algo a ver com a aparição do fantasma, finalmente? Ou com o desaparecimento de algo?
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Não dá pra entregar muito mais do que isso sobre o conteúdo dessa semana, gente. Se destrincharmos demais, podemos entregar algum possível spoiler e estragar o final.
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Para quem chegou até aqui: o fim do livro já está fazendo algum sentido? Vocês já conseguem fazer as ligações cronológicas lá com o começo? Alguém já terminou?
Já terminei. Reli o início mais de uma vez. Não tô 100% satisfeito com o que eu já concluí, e não tenho certeza se isso é tudo, se ainda há mais pra vir. Mas que é um livrão, é.
Bom, acho que esse penúltimo trecho do livro é um labirintão duplo, né? O Hal preso dentro da cabeça dele e o Don na dele, eventualmente até espelhando-se de alguma forma mística. A dor assumiu de vez a cena, sem mais espaço para aqueles absurdos meio atrapalhados que me lembram um humor meio de história em quadrinhos, como foi discutido alguns Verões atrás.
E eu fiquei com isso na cabeça: apesar de muito engraçado em alguns momentos, há uma postura do DFW de ser quase que diametralmente contra a ironia. Ou não? Uma marca tão forte dos nossos tempos, a ironia que faz tanta gente parecer cool, inclusive colegas escritores de DFW, simplesmente não está em nenhum trecho relevante do livro. Daí, acho, a singularidade de Graça Infinita no fim do século passado.
Pra mim, DFW nunca foi necessariamente avesso a ironia; na minha modesta, ele se opunha mais vigorosamente mesmo era contra o BLASEISMO, caso você me permita forçar a barra um pouquinho. Mesmo porque, se a gente parar pra raciocinar, toda vez que um escritor diz uma coisa simbolicamente para representar outra (voluntária ou zarolhamente), ele estará usando um recurso que, pelo menos em termos conceituais, será análogo à ironia, cuja definição, em linhas gerais, poderia ser resumida como “momento em que se diz dizer x para insinuar x; clivagem entre o que se diz e que se pensa” e assim por diante. Mecanismos irônicos estão na base de qualquer produção ficcional. Por exemplo, é algo altamente irônico o fato de James Incandenza conceber um filme destinado a restabelecer a capacidade afetiva de Hal e, ao invés de obter a “catarse” planejada, acaba tornando seus respectivos expectadores em zumbis catatonizados. O que temos aqui? Contraste entre pretensão e fato, ou seja, há uma forte ressonância irônica nessa decisão. Basicamente o que eu tô tentando dizer é: DFW não ignorava as virtualidades estéticas desse recurso; o que ele não aturava, mesmo, era quando nego usava esse “contraste entre o que se diz e o que se faz” pra ancorar Schadenfreude, era diante dessas patacuadas que ele se indignava, talvez.
Bolaño,
Não lembro quem me disse uma vez, acredito ser o Pellizzari, isso mesmo. DFW não era averso a ironia, mas a sitcomtização dela, transformar em enlatado, gag e trocadilho fácil.
A ausência de sinceridade sinistra (termo usado pelos AA, diga-se de passagem) poderia ser classificada como uma antítese dessa postura, by the way. E tudo isso se expressa bem na dicotomia emocial marcada entre Hal (o blasezão) e Mario (com sua honestidade emocional).
Boas considerações.
Talvez estejamos dizendo a mesma coisa com palavras diferentes. Acho que o humor do livro é em geral pouco sutil: a sigla ONAN é o tal “trocadalho do carilho” (com o perdão da expressão), a reportagem de Steeply sobre o roubo do coração, a trapalhada da testa grudada sendo confundida com uma crise de stress pré-jogo, etc. Dei algumas gargalhadas, ao ser pego de surpresa com situações assim.
Trechos, como eu disse, mais de contexto do que de relevância. Onde eu digo ironia, eu penso em cinismo, deboche, esnobismo depreciativo, sarcasmo. Não se aplica ao vídeo de Jim Incandenza, na minha opinião – embora, você está certo, dê para dizer que há um contraste entre pretensão e fato.
Na forma de olhar o mundo e descrevê-lo, no entanto, eu acho que DFW é diferente de uma onda que há na literatura de lingua inglesa.