por Felippe Cordeiro e Simone Volbrecht

Anteriormente no Verão Infinito… todas as semanas.

A derradeira semana do Verão Infinito não é para os fortes, não é para os adiantados, tampouco para os atrasados. Não é para ninguém. Confuso? Não. Como bem apontou a Camila von Holdefer1 na Semana 7: “O que significa, hoje, iniciar uma leitura coletiva de um livro com fama de difícil, uma leitura coletiva que não usa a autoironia como escudo contra a insegurança? Uma leitura coletiva que não finge tédio e não aponta o que há de cínico no romance?”

O que rolaram nessas 11 semanas (quase 17 se você contar os recessos que tivemos) foi uma sugestão de leitura. Pontos de vistas de pessoas diferentes sobre um mesmo livro. Uns concordariam com os textos; outros nem sequer leriam, alegando desvio do conteúdo principal. Como no texto da Isadora Sinay logo na Semana 4 sobre Kafka e Graça Infinita para, em seguida, Bruno Mattos falar sobre a tal estrutura fractal do bicho.  O desafio proposto foi: leremos juntos, mas leremos do mesmo jeito? Jamais. Longe disso. Nananinanão. Por isso não houve resenhas, formatos pré-definidos ou explicações em demasia. Deixamos nosso espaço de comentários abertos a todos. As observações saltitantes via twitter eram retuítadas; e-mails, respondidos.

Um livro tão comentado, fotografado, premiado2 e resenhado de dezembro até esse março de 2015 não deve ser uma unanimidade. Ou o é? Dos comentários pinçados aqui e ali conseguimos visualizar o cansaço dos leitores, como se após dois sets fáceis a fadiga passasse a vencer a passos largos, levando-os a um tie-break. Outros não enxergaram a tal graça dentro do romance fosteriano.

Afinal, o que vocês acharam de Graça Infinita? Amaram ou odiaram?

Quais pontos ainda seriam relevantes após o fechamento da última página? Graça Infinita é sobre vícios e falha de comunicação. É sobre pensamento versus a fala. Quão sinceros somos todos ao falar do livro? Quão sinceros foram seus personagens conosco? Seria Mario o único personagem real em Graça Infinita, ou seria ele, simplesmente, a maneira como David Foster Wallace imaginou as pessoas realmente sinceras em um mundo tão insincero como o que vivemos?

 

‘When they were introduced, he made a witticism, hoping to be liked. She laughed extremely hard, hoping to be liked. Then each drove home alone, staring straight ahead, with the very same twist to their faces.

The man who’d introduced them didn’t much like either of them, though he acted as if he did, anxious as he was to preserve good relations at all times. One never knew, after all, now did one now did one now did one.”  3

 

A partir desse ponto, vamos a alguns comentários sobre a última semana e sobre o livro como um todo, cheio de SPOILERS. Ou não.

 

As grandes perguntas que pululam nas mentes humanas após ler Graça Infinita.

Afinal, quem estava enviando o cartucho por aí?

Orin.

Como sabemos disso?

Numa das primeiras vezes em que Orin fala com Hal ao telefone ele está em uma agência dos correios. Não é uma pista suficiente, mas há outra: os cartuchos são postados sempre de lugares onde ele morou.

Por quê, Orin, por quê?

Essa é uma pergunta muito boa. E se estende, por exemplo, aos alvos escolhidos. Vocês conseguem notar as coincidências?

De que lado a Mães estava?

Vixe… existem muitas teorias espalhadas por aí, inclusive que Mães e Luria são a mesma pessoa. Avril é manipuladora demais, ninguém sabe, realmente, de que lado ela está. Essa manipulação foge da leitura. Conseguimos distinguir em qual momento ela realmente é exposta na narrativa? É bem difícil dizer. Não há pistas levando a um caminho de certeza absoluta. Em Graça Infinita, Mães é uma incógnita além-leitura.

Vamos a outra parte que fica um pouco mais “evidente”, algo sobre a personalidade dela:

Várias vezes nos comentários levantamos a bola de que Mães tem – ou isso fica totalmente no ar, mas a gente sente aquele enxofrezinho – uma relação incestuosa com Orin. E também porque Orin sempre procurava mulheres com filhos para se relacionar.

O que aconteceu com o rosto de Joelle?

Desfigurada pelo ácido ou desfigurada pela beleza? Beauty or not beauty…

O que diabos aconteceu com o Hal?

Hal comeu mofo quando pequeno e isso lhe concedeu uma habilidade incrível de comunicação, mas uma terrível maldição de não conseguir sentir. Após termos diversas pistas, inclusive nas notas de rodapé sobre a filmografia de JOI4, sabemos que o Entretenimento foi criado para trazer Hal de volta à superfície, trazer sua habilidade humana de sentir de dentro do seu ser, escondido lá. Sair do seu estado de ampla comunicação e nulo em sentimentos.

Quem assistia ao cartucho experimentava um efeito colateral: algo era retirado de dentro deles, mas ficavam impedidos de se mover.

E não é apenas isso, JOI criou o mofo que cresce no mofo para curar Hal – apelidado de Madame Psicose5. O que acabou tendo um efeito retardado, por assim dizer. Hal começa a perder todo seu super-poder de comunicação e passa a sentir, por isso está terrivelmente abatido ou rindo histericamente. Em diversos momentos Hal, em sua mente, consegue manter o mesmo tom neutro e seu vocabulário impressionante, enquanto por fora ele está simplesmente chorando (ou sorrindo). Lembram da abertura do romance?

Como fazer Hal usar o tal mofo sem ser percebido? Utilizando a escova de dentes que ele jamais largou sozinha. E o único que poderia fazer isso, sem ser percebido, seria Sipróprio.

“WTF, Felippe, ele não está morto?”

Qual a relação entre Graça Infinita e Hamlet?

O título do livro como muitos devem saber saiu do ato V, cena 1, de Hamlet:

“Alas, poor Yorick! I knew him, Horatio: a fellow of infinite jest, of most excellent fancy: he hath borne me on his back a thousand times; and now, how abhorred in my imagination it is!”

Não é somente o título. Há outro grande fator na narrativa de Graça Infinita que evoca Shakespeare: O Fantasma do pai. JOI lê os pensamentos de Hal após a sua morte. O fantasma é responsável pelos estranhos acontecimentos dentro da academia de tênis. Especialmente camas se movendo e o uso do mofo que cresce no mofo na escova de Hal.

Hal enfrenta seu pai ao final da narrativa, no ponto em que seu talento não foi afetado.

O final bombástico:

Gately se sentia menos chapado que incorpóreo. Era indecentemente gostoso aquilo. Sua cabeça saiu dos ombros. Tanto o Gene quanto a Laura gritavam. O cartucho com os olhos mantidos abertos e o conta-gotas era aquele da ultraviolência e das sevícias. Um dos favoritos do Kite. Gately acha que sevícias se pronuncia “sevicias”. A última visão giratória foram os chinas voltando pela porta, segurando uns quadradões brilhantes do quarto. Enquanto o chão voava para cima e o C finalmente teve que largar, a última coisa que Gately viu foi um oriental se aproximando com o quadrado na mão e ele olhou pro quadrado e viu nitidamente um reflexo da sua própria cabeçona pálida e quadrada com os olhos fechando quando o chão finalmente saltou sobre ele. E quando voltou a si, ele estava estendido de costas na praia sobre a areia congelante, e caía uma chuva de um céu baixo, e a maré ia bem longe.

  1. Resenha da Camila está em seu blog
  2. Prêmio APCA de Melhor Tradução para Caetano W. Galindo.
  3. “Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial”, Breves entrevistas com homens hediondos. (David Foster Wallace)
  4. James Orin Incandenza.
  5. Bom, você já chegou nessa parte da narrativa em que não acredita mais em coincidências dentro da narrativa de Graça Infinita.