Por Arthur Tertuliano e Simone Vollbrecht

E aí, vamos começar mais uma leitura coletiva? 🙂

Como vocês já sabem, este ano vamos focar o Clube de Leitura do Posfácio (recém-inventado) em torno do projeto #leiascifi2015. O gênero tem sido cada vez mais abordado em filmes, séries e jogos, mas ainda sofre um preconceito ridículo na literatura. Lentamente essa resistência a aceitar obras que fujam do realismo duro mas não cheguem à mágica e à fantasia total está diminuindo. Um exemplo que vimos recentemente foi a discussão gerada pelo post dos livros mais populares de sci-fi, com levantamento do Gigio.

E por isso estamos chamando: venham ler com a gente!

Vamos iniciar em grande estilo: O homem do castelo alto, do maravilhoso Philip K. Dick. A escolha for por vários motivos. Primeiro, PKD é um dos autores mais interessantes da ficção científica. A vida pessoal dele já seria motivo para um clube de discussão à parte, envolvendo desde a irmã gêmea que morreu na infância (mas com a qual PKD continuou a interagir), uso pesado de anfetaminas para conseguir escrever (será que ajudou na criatividade dele?), experiências semi-pseudo-talvez religiosas ou alienígenas e até suspeitas de espionagens pelo FBI. Ele é a fonte de diversas obras incríveis adaptadas para o cinema e a TV, e poucos escritores são tão conhecidos, mesmo sem ser lido, quanto ele. Como disse o Tuca, “nunca te li, sempre te amei” – PKD parece ser campeão nessa categoria.

Nunca te li, sempre te amei

Enquanto assistia a O destino de Júpiter no cinema, eu não tinha consciência do quanto o filme fora detonado pelas críticas. Desconhecia também a sinopse, não me lembrava muito bem do trailer, nem me dei ao trabalho de atentar se os demais espectadores gargalhavam ou davam suspiros de alívio nos mesmos momentos que eu. Em outra coisa pensei, contudo: como qualquer artista merece que ao menos uma ou outra pessoa, ao entrar em contato com suas obras, tenha uma boa vontade quase absoluta. Porque disso eu me lembro: de estar disposto a gostar de cenas e detalhes que outro eu, mais afeito à ironia e ao riso fácil, criticaria sem dó.

Esse estado de boa vontade quase absoluta não surge fácil e pode ser de duas categorias. O modo compreensivo de lidar com as escolhas cinematográficas dos Wachowski faz parte da primeira delas: eles já provaram que pensam cinema de um jeito que me atrai e, nesse sentido, continuam sem me decepcionar – ou seja, eles conquistaram o direito de serem tratados assim.

A segunda categoria ocorre mais frequentemente com livros – eu a apelidei de “Nunca te li, sempre te amei” – e envolve gostar “da cara” de um autor ou livro antes de tê-lo lido. Não há cientificidade nessas escolhas – se há, não a vejo –, mas o fato é que nenhum dos escritores que tratei assim me decepcionou: Haruki Murakami, Ali Smith, Michael Cunningham, Zadie Smith, Jonathan Safran Foer, Donna Tartt, Ian McEwan, Anthony Burgess e Elvira Vigna são alguns deles.

Hoje restam poucos: Nicole Krauss, Chimamanda Ngozi Adichie, Frank Herbert, Hermann Hesse e, claro, Philip K. Dick. Já tinha falado disso quando listei as melhores leituras de 2014 e quando risquei o McEwan da minha lista de não lidos. É interessante como me sinto tentado a entrar em conversas sobre o Dick, mesmo sem conhecimento de causa: decorei títulos e as diferentes ilusões de ótica das capas, mas ler que é bom nada. Até agora.

Eu sei que é feio racionalizar a vontade de gostar, esse desejo de que O homem do castelo alto se torne meu próximo melhor amigo, mas é o que vou tentar a partir desse parágrafo. Isso vem desde a época em que alugava três filmes no final de semana, um pra mãe, outro pro irmão e outro pra mim. Se dependesse de Davi, toda semana tinha Coração de cavaleiro, O último samurai ou Velozes e furiosos. Como eu era o encarregado de ir à locadora, tentava pegar algo que pudesse divertir aos dois irmãos com gostos tão díspares – porque, claro, do meu filme ninguém mais precisava gostar.

Pelo método de tentativa e erro, dois filmes baseados em obras do Philip K. Dick foram escolhas certeiras: Minority Report e O pagamento. Mesmo que depois tenha visto (e gostado de) outros filmes inspirados em livros do Dick – Blade Runner e O homem duplo são dois deles –, aqueles dois filmes talvez tenham sido o prenúncio de algo que a adolescência (e os anos anteriores a ela) quase me impediram de ver: de que eu e meu irmão poderíamos ser bons amigos.

Se um autor inspira filmes que fazem a gente entender todo o auê a respeito dos “momentos entre irmãos”, tem como não amar?

 

O homem do castelo alto, um dos livros mais conhecidos de PKD, não é necessariamente o que tem mais elementos de sci-fi, e exatamente por isso é um bom começo para quem nunca teve contato com esse gênero. Como mencionado no café da manhã da Editora Aleph essa semana, os livros de PKD discutem muito mais o que é ser humano, o que é a realidade e a existência do que ciência em si (o que reflete muito da época em que foram escritos, permeada de contracultura e experimentalismos). É também a única obra premiada do autor.

A história se passa, a partir de nosso ponto de vista, num passado recente em que a Alemanha ganhou a Segunda Guerra Mundial. Só esse exercício de imaginação do quão diferente seria o mundo já torna o livro bastante interessante. Como você imagina que seria sua vida se o nazismo fosse a ideologia dominante?

PKD, obviamente, não para aí (ele é criativo demais para isso). Dentro da história alguém começa a circular um livro subversivo que retrata uma realidade alternativa na qual a Alemanha teria perdido a guerra. Lembra ali em cima onde mencionamos que ele discute seguidamente o que é a realidade? Então.

Como vai funcionar? Este livro será lido ao longo do mês de abril, começando já na segunda-feira que vem (sabemos que ainda é março, mas um dos autores deste post é uma loira). Teremos posts semanais para discutir a leitura e, ao fim, um encontro presencial para quem estiver em SP, com algumas surpresas.

Este é o primeiro de muitos livros que vamos abordar em sci-fi este ano. Você embarca nessa com a gente?