Ainda me lembro do primeiro DVD que ganhei: uma edição dupla da animação Monstros S.A. (2001). À época eu tinha nove anos (uau, quanto tempo!) e adorava brincar com um joguinho do disco de extras, no qual se podia passear por todo o cenário da história operando um cameraman (um monstrinho bem ao estilo do filme). O mais legal era quando passávamos em frente a um espelho e podíamos ver o tal monstrinho refletido nele. Era uma diversão só. Boba, pueril, mas que contribuiu para um aspecto importante da minha cinefilia, o de colecionar filmes.

Desde pequeno eu não me contentava em assistir apenas uma vez aos filmes de que gostava, sempre querendo revê-los, mas diante de uma limitada programação na TV aberta e de uma ainda insípida TV a cabo, a compra de DVDs me apareceu como uma alternativa. Diligentemente organizadas num sistema que só faz sentido na minha cabeça, minhas caixinhas estão aqui, expostas em zona nobre: a trilogia remasterizada de O Poderoso Chefão (parcelado em um punhado de meses, quando eu era estagiário e ganhava um salário de fome) descansa logo acima de uma edição especial de A Malvada; Watchman pode ser visto logo abaixo de Missão: Impossível 1; Gritos e Sussurros disputa espaço com Orfeu do Carnaval; e por aí vai, um paredão de mais de trezentos títulos comprados em um longo período de dedicação e dispêndio, de irresponsabilidade com o uso do cartão de crédito da mamãe (“Mais um filme, Viníciusssss?!”) e, posteriormente, de salários do estágio, do emprego, do job, do bico e da bolsa universitária.

Em pouco mais de quatorze anos, desde Monstros S.A., me tornei um garimpeiro de gôndolas das Lojas Americanas, urubu de locadoras falidas, madrugadeiro de promoções dos sites da Submarino, Saraiva e semelhantes. Logo fui ao consumo mais pesado (porque às vezes só uma caixinha não nos sacia), e daí vieram os boxes de seriados: o comemorativo com todas as temporadas de Friends (parcelas a perder de vista!); a caixa especial de Família Sopranos; a coleção completa, comprada ano a ano, de House (até as temporadas ruins) e etc e etc et al. Até uma primeira temporada de Heroes (quem lembra?) e a paródia de Star Wars feita por Uma Família da Pesada podem ser vistas aqui, em algum canto obscuro dessas prateleiras.

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Mas hoje o cenário se inverte. Paulatinamente, os espaços das locadoras, aquelas poucas que sobreviviam por aparelhos desde o advento da TV a cabo e da pirataria, têm dado lugar a lojas Mundo Verde, Imaginarium ou brownerias e hamburguerias gourmet. Em supermercados já é impensável achar gôndolas vendendo esses produtos e, pasmem, até mesmo as livrarias, que em certa medida haviam se especializado na venda de DVDs, estão desistindo deles. Confesso que bateu tristeza quando vi uma reforma, feita da noite para o dia, na Saraiva de um shopping aqui no Rio, que substituiu seu espaço de DVDs e Blu-Rays por uma de mundo geek, com jogos de videogames e action figures de Vingadores e de Game of Thrones.

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O mundo já não nos pertence mais. Em breve seremos loucos tão nostálgicos quanto os ainda hoje pilhados pelos discos de vinil, os saudosos dos CDs, dos LPs e dos cassetes, e até os tiozões barrigudos que dizem que o Fusca foi o melhor carro já feito. Andaremos lado a lado, vociferando diante do que o mundo virou, olhando para trás, presos a pedaços de tecnologias ultrapassadas. Estamos superados.

Não é de hoje que a produção de jogos de videogames se consolidou como uma indústria que vem ganhando, em faturamento, da indústria do cinema. Em 2010, os jogos faturaram algo em torno de US$ 60 bilhões, em face aos quase US$ 32 bilhões da indústria cinematográfica. A alternativa encontrada por algumas produtoras de cinema? Unir-se à indústria de games (vide Príncipe da Pérsia), ao passo que hoje já estamos num ponto em que é difícil de saber, diante de alguns produtos, quem veio primeiro, o filme ou o game.

Ainda assim, a estratégia não tem sido de toda exitosa para a recuperação desse mercado, e se olhamos para o consumo de DVDs então, parece nem ter sido sentida; os consumidores continuam abandonando a vontade de colecionar. Mas isso, em grande parte, é culpa das próprias distribuidoras de filmes que deixaram seus produtos perderem competitividade diante dos concorrentes. Hoje já encontramos nas livrarias cópias Blu-Ray mais baratas do que as de DVD, o que não faz o menor sentido em termos de produção e qualidade. Tal ultraje parece até um convite à pirataria: por que comprar o DVD de Capitão América por R$49,90 (!!!), se sua versão Blu-Ray está por R$29,90? Ah, e se eu não tiver um aparelho Blu-Ray, ali na esquina tem um amigão vendendo DVD com boa qualidade e direito à troca por 5 pilas…

Querem brincar de capitalismo? Então vamos lá: ao pensar em DVDs, a competitividade venceu. Porém essa morte lenta e agonizante, causada por sucessivos ataques (da pirataria, da TV a cabo, do YouTube, do Blu-Ray, do sistema on demand) ao formato de home video tem tragado consigo toda a indústria cinematográfica, sendo fatal principalmente às produções menores.

Hoje na tela grande o que se tem é um predomínio quase imperialista das produções de grandes estúdios, sendo nove em cada dez dos EUA, e um, da Europa. Não sobra espaço para mais ninguém. Pior: para além dessa dominação, temos um predomínio de gênero (ação/aventura) e de formato (vide as produções da Marvel, divertidas sim, mas todas iguais). Diante desse quadro, aquela crítica feita em Birdman acerca da migração desenfreada de atores ao cinema pipoca deixa até de ser tão pedante e ganha certa legitimidade (leia aqui).

Nas grandes capitais brasileiras (e apenas nelas), restam pequenos e corajosos cinemas, também eles imbuídos do espírito nostálgico, que se atrevem a exibir o que hoje se convencionou chamar de “filmes de arte”, ou seja, a miríade de outras produções com orçamentos mais modestos, produzidos por uma centena de países que não pertencem ao eixo EUA-Europa (em sua parte rica). Produções de diversos gêneros, formatos, propostas, ideias e intenções que, diante de um cenário que precariza também esse tipo de produção, são realizadas apenas com muita força de vontade, apresentando, muitas vezes, resultados deslumbrantes (Timbutku, Tangerines, Garotas, Adeus à Linguagem, as animações do estúdio Ghibli, o brasileiro Obra etc). Mas ainda essas bravas empresas que reservam seus espaços de produção ao cinema independente estão cada vez mais endividadas, sem condições de competir com as grandes redes multiplex, e quase sempre (como no recente caso do Grupo Estação no Rio de Janeiro), são vendidas a conglomerados empresariais ou a bancos, com seus cofres infinitos.

Com isso, o Cinema, que poderia ser “faca só lâmina”, vai se tornando um sistema homogeneizado e homogeneizante, com seus conteúdos sempre muito parecidos, predomínio das cópias dubladas e em 3D1 e monopólio de poucos estúdios, de um punhado de produtores e de cada vez um menor número de diretores.

A esperança se põe diante da revolução causada pelo sistema on demand, que tem o Netflix em sua popa. Com sua ascensão, num momento em que o consumo desse formato já ultrapassou o de DVDs e Blu-Rays em pelo menos 1 bilhão de cópias vendidas, esses sites são a causa de uma migração em massa de técnicos e artistas, que veem nesse novo campo mais liberdade à criatividade produtiva (assunto que já discutimos aqui). Não preciso detalhar as dezenas de excelentes frutos que têm saído desse novo momento, apesar disso quero ressaltar, enquanto um inveterado colecionador do bom e já-velho DVD, que ainda prefiro o formato home video e torço pra que um dia ele volte (sabendo que isso nunca vai acontecer).

  1. Aprofundando essa discussão, ouça o Rapaduracast 433, do Cinema com Rapadura, clique aqui.