Minha relação com a literatura passou por todos os tipos de altos e baixos. Já aconteceu de eu me apaixonar tanto por um livro a ponto de especular se ele não sentiria o mesmo por mim. Por outro lado, são muitas as leituras abandonadas no meio e algumas longas e indeterminadas pausas em que eu fiquei sem história alguma pra acompanhar antes de dormir.

Em todo esse tempo e mistura de sentimentos e bipolaridade literária, houve muitas vezes em que eu desejei que a ficção fosse realidade, algo bem recorrente das pessoas apaixonadas por literatura. Queria que aquelas palavras fossem o mundo em que eu vivo, pelo menos no tempo em que o livro estivesse aberto, uma paixão louca mesmo. Já quis, por exemplo, tomar um chá com vários personagens. Se não rolar o chá, não tem problema: poderia adicionar alguns deles no Facebook e Twitter, só para ver o que estão pensando mesmo. Em extremos, por que não estar no meio de uma situação julgada impossível, como apocalipse zumbi ou conspirações internacionais, só pela emoção da coisa?

Nesse sentido, o mundo poderia contar com mais gente como o Orson Welles, que brincou de Primeiro de Abril em 30 de outubro de 1938 ao adaptar Guerra dos Mundos para o rádio, causando pânico de pelo menos um milhão de americanos que ouviam a transmissão e acreditaram que não se tratava de uma adaptação literária, mas sim da realidade, que consistia na Terra invadida por alienígenas. Hoje, chegamos com frequência a algumas notícias furadas nas redes sociais, meio de comunicação que permite a criatividade instantânea, mas raramente surge algo mais aprimorado. Mentir, nesse sentido, já foi mais emocionante. É claro que toda ficção é uma forma de mentira, e tratá-la como verdade, como Orson Welles fez, geraria descrédito se fosse repetida em muitas situações. A fórmula de Guerra dos Mundos não poderia ser largamente replicada sem causar danos à “moral” do rádio, mas ainda hoje é citada como exemplo de ousadia e inovação.

http://www.youtube.com/watch?v=x39zXBgaXec

Eu não acho que sejamos menos ingênuos do que as pessoas de 1938. A prova disso está nas próprias notícias furadas que citei anteriormente (o U2 e o Neil Young estão confirmados para o SWU desse ano, se depender do compartilhamento dessa informação). Também não precisamos ser enganados todas as vezes que quisermos estar em um mundo diferente do real. Por exemplo, a ação de divulgação da série de TV Walking Dead, em espalhar atores vestidos de zumbis pelo mundo, foi uma mentirinha branca muito bem-vinda, que não matou ninguém do coração, assim como os documentários ficcionais.

Fazem 18 dias desde o último Primeiro de Abril. Anos-luz depois, atrasada, como de costume, eu apareço aqui para falar sobre a data. Os leitores do Meia Palavra que estavam online no Twitter e Facebook talvez tenham reparado nas nossas postagens durante esse dia. Longe de ser um Orson Welles e de ter apavorado um milhão de pessoas, embora tenhamos feito uma breve menção a esse feito, foi uma data para realizar um pouco desse desejo. Seguem duas das notícias publicadas no dia:

“Contos secretos escritos em uma parceria entre Mário Vargas Llosa e Julio Cortázar serão publicados em 2014. Vargas Llosa guardou a obra durante 50 anos em seus aposentos e decidiu publicá-las como homenagem ao aniversário de 30 anos de morte do amigo. O material foi escrito através dos anos, em extensivas cartas.”

“Autores de ficção são processados por spoiler do fim do mundo: Stephen King, Max Brooks, Richard Matheson, são alguns dos que deverão pagar cerca de U$10.000.000 caso suas versões de apocalipse sejam confirmadas.”

E se você pudesse abrir um livro, ou exibir um filme, e transformá-lo em realidade por alguns instantes? Qual seria? Como seria?