Março chegou.

Há 1 ano vemos pessoas julgarem, ser julgadas, se isolarem, se vangloriarem por isso e outras saem escondidas; o mundo continua a girar infestado por um vírus que amedronta uns e tanto faz para os outros.

Com essa volta ao redor do Sol – menos para terraplanistas – textos, textões, depoimentos e tuítes infestarão a internet para contar como foram esses 366 dias (ano bissexto, amores) na visão de cada um: os isolados, os de lutos, os negacionistas, os “escapadinhas” e por aí vai.

A minha experiência de isolamento (home-office / working from home) mexeu comigo de uma forma, assim como deve ter mexido com você de outra, e gostaria de compartilhar uma linha de pensamento minha durante os primeiros meses.

Tirei licença do trabalho, logo após o baile de debutante da minha irmã. Já estava em casa antes de todos. Naquele início, enxurradas de notícias, especiais na TV e declarações sobre a pandemia não me deixavam relaxar. Vivia tenso grande parte do tempo e arquitetava, diversas vezes ao dia, uma bela desculpa para chamar algum amigo para uma videochamada durante o almoço ou no final do dia.

Retornei aos poucos ao trabalho com menos volume, me adaptei como pude ao famigerado home-office – e o escritório de casa era basicamente uma cadeira de praia, uma pilha de livros com notebook em cima e muita tendinite – Happy Hours à distância e finais de semana ocupando a mente com a limpeza geral da casa.

Um ano antes, ou seja, no longínquo 2019, eu estava há três meses morando sozinho neste apartamento e com um desejo enorme de adotar um bicho de estimação (à priori um cão). Enquanto não realizava esse desejo, recebia amigos para conhecer minha nova goma. Em um sábado de Março, minha madrasta e minha irmã caçula saíram do ABC para almoçar comigo e depois para visitar minha nova moradia. Como era de praxe, minha madrasta e eu enchemos a cara durante o almoço – uma garrafa de vinho para cada, e saímos com as pernas moles, a boca roxa e a fala arrastada para tomar um café. Uma coincidência cretina fez com que nesse mesmo dia uma feira de adoção estivesse na parte exterior da cafeteria e me apaixonei por uma gata (felina) de olhos amarelos, mirrada, com falhas nos pelos brancos. A moça da ONG não me deixou adotá-la, quer dizer, até deixaria, mas teria de levar a irmã de ninhada junto. Uma gata igualmente branca mas de pelos mais longos, de olhos azuis e silenciosa. Levei as duas.

Voltando a 2020, as videochamadas ou bebedeiras não me serviram de subterfúgio dessa realidade cruel entre quarto, sala e cozinha. Foram as minhas gatas Hilda e Zelda. Elas me faziam companhia. Eu conversava com elas, tirava pelos, cortava as unhas, usava o laser para distraí-las e no fim do dia elas se aninhavam, uma de cada lado, em mim quando íamos dormir.

Por meses pensei que tudo era uma grande merda no mundo, principalmente nas terras tupiniquins dos negacionistas protofascitas, e me desanimava, me estressava, queria sair, queria fazer algo longe do que chamavam de “novo normal”. Quando me encontrava exausto de tanto pensar, a Zelda pulava de supetão no meu colo, roçava o focinho nas costas da minha mão e ficava dormindo em cima de mim sem se importar com a sinfonia de teclas batendo sem parar para reclamar no twitter sobre a situação do mundo.

A minha epifania veio justamente ao recordar de cartazes de “Procura-se bichinho, criança doente” espalhados por bairros de casas residenciais. Sempre achei uma jogada clichê para recuperar animais de estimação perdidos – principalmente de raça, hoje, um ano após o ano de 2020, percebo que eu poderia ter ficado doente, de verdade. Não por causa da Covid-19, que matou mais de 250 mil pessoas somente no Brasil, mas porque a falta delas, Hilda e Zelda, para mim, seria olhar para o fundo do poço e perceber que eu era o fundo do poço.