“O pretérito mais-que-perfeito, o tempo verbal das oportunidades perdidas”. Esse excerto está na página 99 de “Tudo o que nunca contei”, de Celeste Ng (“Pequenos Incêndios por Toda Parte”, adaptado como série para a Prime Video) sintetiza grande parte desta narrativa: a das oportunidades perdidas (insira aqui seu dã).

Aqueles que leem orelhas e pequenas sinopses vão imaginar uma história de mistério, não posso dizer que não o é, sobre a morte misteriosa de Lydia Lee, filha do meio da família Lee composta por James, Marylin, Nath e Hannah. Os que procuram uma solução rocambolesca sobre o caso de Lydia estarão longe de desfrutar o que o livro de Celeste Ng tem de melhor: os fragmentos de cada personagem, suas frustrações e aparências.

Falar de aparências x preconceito talvez seja uma forma simplista de entender do que se trata “Tudo o que nunca contei”. A começar pela famigerada fama de asiáticos prodígio em matérias de exatas e deficientes em se expressar naturalmente fora de sua língua-materna. Ou sobre mães perfeitas que só querem o bem dos filhos. Os valentões desvirginadores e fumantes. Em meio a tudo isso o lado “negativo” (aqui entre aspas porque nem tudo que está longe dos olhos dos demais personagens pode ser considerado negativo, a não ser pela interpretação dos mesmos) escondido às sombras. Parte da história é dedicada a Lydia e como sua morte afetou cada indivíduo a sua volta e como cada um é responsável, direta ou indiretamente, por ela.

“Tudo o que nunca contei” é basicamente sobre a formação da família Lee, seu passado jogado para debaixo de um tapete, sobre a negação de sua ascendência (de James), sobre a expectativa comportamental do sistema patriarcal (de Marylin), sobre a destruição e reconstrução de sonhos, sobre pressão (e sua dualidade), sobre aceitação e sobre nulidade inerente.

Dos segredos aos passados apagados que a história se estende sem enrolar o leitor. Eu classificaria como um efeito dominó não-linear, como se as peças que caem não derrubassem as do seu lado e sim outra em qualquer lugar no início ou fim.